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Pobres
meninos ricos
Gastam-se
R$ 300 milhões por ano para manter 5.300 jovens na
Febem de São Paulo. À primeira vista, talvez
esses números não impressionem o leitor. O escândalo
fica mais nítido, entretanto, quando fazemos uma simples
conta. Dividindo o orçamento anual pelo número
de jovens, chegamos a R$ 4.700 mensais por internado -quase
20 salários mínimos, suficientes para colocar,
sem exagero, um indivíduo na categoria dos 5% de brasileiros
mais ricos.
Apesar
desse orçamento, o governador Geraldo Alckmin preferiu
assumir abertamente, sem rodeios, o desrespeito à lei:
concedeu autorização para que internos da Febem
com mais de 18 anos fossem transferidos para presídios
comuns. Seus assessores justificaram a transgressão
com um só argumento: não haveria opção.
Como resultado
de uma série de rebeliões, foram danificadas
as instalações onde os jovens estavam confinados,
em Franco da Rocha, região metropolitana de São
Paulo. Só existiriam vagas, então, nos presídios
comuns.
Na mesma
semana em que o governador do Estado mais rico do Brasil abertamente
se resignou a cometer uma transgressão legal, não
faltaram boas notícias: o dólar desabou num
ritmo recorde, a Bolsa subiu, a inflação arrefeceu,
prosseguiu a entrada de divisas graças ao crescimento
de exportações. Chegou-se a um acordo mínimo
entre os governadores para a reforma da Previdência.
Até
os indicadores se transformarem em benefícios sociais,
leva tempo (muito tempo, aliás) num país com
tanto desemprego, subemprego e marginalidade. É quase
um exercício de virtualidade. Na semana passada, o
Brasil do Banco Central ia bem, mas o Brasil da Febem estava
como sempre esteve.
O custo
da marginalidade não poderia ter um exemplo mais notável:
gastam-se R$ 4.700 por interno, as rebeliões continuam
e o governador do Estado brasileiro mais rico, por falta de
espaço, joga-os na cadeia de adulto.
Na lista
de boas notícias da semana passada, entrou também
um levantamento do IBGE: de 1992 até 2001, a porcentagem
de crianças que trabalham caiu de 19,6% para 12,7%.
Um dos motivos -e, mais uma vez, um sinal positivo- é
que ficam mais tempo na escola, reflexo, em parte, dos projetos
de distribuição de renda como a bolsa-escola
ou o programa de erradicação do trabalho infantil.
O fato,
apesar da evolução: 5,5 milhões de crianças
continuam no batente -um terço delas com jornada integral,
de 40 horas. Desses milhões de crianças que
não estudam -ou estudam mal- e ganham, no máximo,
um salário mínimo, saem os candidatos a hóspedes
involuntários do poder público, que custam,
por mês, os R$ 4.700 da Febem.
Daí
a importância do programa Primeiro Emprego, a ser iniciado
em 1º de maio, Dia do Trabalho. Se for bem executado,
será capaz de tirar o adolescente da rota da marginalidade.
Mas o problema não é só conseguir o primeiro
emprego -é manter o emprego. Os beneficiados por esse
tipo de programa estão incluídos naquelas estatísticas
de crianças que se viram obrigadas a fazer bicos para
sobreviver ou, se estudaram, estudaram pouco.
A consistência
da proposta será vista caso se ofereça uma chance
de treinamento profissional combinada com a recuperação
educacional. Difícil? Dificílimo. Mas, sem isso,
será só marketing e vai, mais cedo ou mais tarde,
reproduzir a fragilidade do Fome Zero.
Fala-se,
por exemplo, em privilegiar no Primeiro Emprego egressos da
Febem. Idéia bonita, mas quem vai mantê-los se
não tiverem passado pela escola?
Mais importante
do que inventar algo que não existe é implementar
o que já existe e está apenas no papel. Já
seria um avanço o poder público colocar como
uma de suas prioridades o cumprimento da lei que obriga as
empresas a manter uma cota de aprendizes a partir dos 14 anos.
Devem ser contratados menos para trabalhar e mais para aprender,
exigindo-se as parcerias com instituições como
o Sesi, o Senac e entidades não-governamentais. Caso
a lei fosse seguida, estima-se que pelo menos 1 milhão
de jovens pudessem ser contratados.
Além
das vantagens óbvias, não sairia um só
centavo do contribuinte.
PS - As
rebeliões da Febem esconderam do noticiário
uma iniciativa que merece ser acompanhada. A Fundação
Bradesco anunciou, na semana passada, que vai treinar para
técnicos de informática 2.000 internos, a serem
contratados para trabalhar em bibliotecas e escolas públicas.
Não dá para dizer se vai funcionar ou não,
até porque, nessa área, a competência
oficial está para ser testada. Mas vale a pena prestar
atenção a esse modelo: alguém é
chamado para treinar, numa articulação com alguém
disposto a contratar; nesse caso, em particular, quem contrata
é o poder público
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