Quando
crescer, vou ser desempregado
Pesquisas
eleitorais não costumam ouvir as crianças; importa,
afinal, ouvir a opinião de quem vota. As crianças,
porém, ajudam a entender por que Lula está montado
na possibilidade de vitória já no primeiro turno
e por que José Serra se comporta quase como um candidato
de oposição - e o que move o tiroteio, iniciado
na semana passada, entre os dois candidatos.
Realizado
neste mês num parque de diversões em São
Paulo, um levantamento do Datafolha sobre os receios de crianças
de 12 a 14 anos, a imensa maioria delas de classe média
para cima, dá uma indicação do nível
de "adultização" da infância.
Na lista
de temores infantis, segundo a pesquisa, aparecem, entre os
principais destaques, a violência urbana e o desemprego.
Tirando os itens "assombração" e "terror
das provas escolares", as crianças têm os
mesmos medos - e quase em igual proporção -
dos adultos.
A "adultização"
da infância é, de um lado, uma consequência
do bombardeio dos dados da mídia na era do tempo real
e, de outro, um efeito da claustrofobia provocada pelo cerco
do desemprego e da violência.
Havia
um tempo em que se repetia a pergunta: "O que você
vai ser quando crescer?" e quase todas as crianças
demonstravam a certeza de que fariam alguma coisa. Não
se diziam coisas do tipo "talvez eu seja um desempregado".
Na pesquisa
do parque de diversões, 74% disseram ter medo de, no
futuro, não conseguir trabalho. Para uma criança,
imaginar-se sem ocupação depois de terminada
a escola, temer pelo emprego dos pais e sentir-se cercada
por delinquentes representa uma brutal taxa de ansiedade,
que, muitas vezes, acaba no consultório psicológico.
A sucessão
presidencial é movida por essa ansiedade. O brasileiro
se sente acuado, fragilizado. E quer mudança. Quer
algo que se traduz, essencialmente, pelo direito de andar
pelas ruas sem medo e de receber o salário no final
do mês. Quer mudança, mas sem grandes ousadias,
sem instabilidade.
No tiroteio
da semana passada entre Lula e José Serra, o que esteve
na disputa foi a imagem de mais capaz de mudar o país
sem estragar o que já foi conquistado.
A larga
vantagem de Lula ocorre porque, até agora, ele está
transmitindo a impressão de que, se eleito, manteria
as conquistas do Plano Real e geraria crescimento econômico
e empregos. Insistir na tecla de que sua campanha ofereça
propostas em vez de fazer ataques faz parte da estratégia
de ligá-lo ao futuro em vez de prendê-lo ao passado.
Serra
está disputando a mesma bandeira da mudança
sem instabilidade e tenta desconstruir a imagem de Lula. Explora
os pontos fracos do adversário, como a inexperiência
administrativa e a falta de educação formal.
Se dependesse desses critérios, porém, Serra
provavelmente não teria sido indicado para o cargo
de ministro da Saúde: não teve formação
na área e nunca administrou nada em saúde pública.
Mas mesmo muitos de seus adversários reconhecem que
ele fez uma boa gestão, graças, em larga medida,
à equipe de técnicos que escolheu para ajudá-lo.
Os programas
de Serra agregam aos pontos pessoais mais frágeis de
Lula o passado do PT pouco "paz e amor", ligado
ao MST e a greves. E resvalaram para a manipulação,
vetada depois pela Justiça, quando insinuaram que os
ataques de professores a Mário Covas tinham sido estimulados
por José Dirceu - mais um passo e estariam dizendo
que a bandeira vermelha hasteada em Bangu 1 indicaria a preferência
partidária de Fernandinho Beira-Mar.
Serra
tem títulos acadêmicos e experiência administrativa,
mas é candidato de um governo que, na visão
do eleitorado, mudou pouco ou quase nada daquilo que hoje
é prioridade. Se a bandeira fosse a estabilidade, como
ocorreu nas disputas que deram a vitória a Fernando
Henrique Cardoso, tudo bem.
Se a associação
com o passado do PT é ruim para Lula, por que não
faria estragos ligar Serra ao governo FHC, que, aliás,
nem é passado? O problema do candidato do governo é
que ainda não conseguiu nem sequer obter o apoio dos
que aprovam o governo, algo que chega a 40%, se se considerarem
as avaliações ótimo, bom e regular positivo.
O prestígio
de FHC é fácil de entender: até seus
adversários reconhecem que a estabilidade financeira
é positiva. Ganhou, portanto, um salvo-conduto. Mas
o eleitorado quer mais, muito mais do próximo presidente:
quer assegurar o que FHC ofereceu e conquistar uma sociedade
em que as crianças possam ter sonhos (e pesadelos)
de crianças.
Daí
que, para Lula, tão ou mais grave do que os ataques
de Serra é a especulação financeira,
que, na semana passada, voltou a provocar abalos, aumentando
ainda mais a instabilidade.
PS - Para
ter uma idéia do tamanho da ansiedade infantil: 91%
das crianças daquela amostragem têm medo de serem
sequestradas. A pesquisa está na página do Aprendiz:
www.aprendiz.org.br.
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