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Cidadãos
provisórios e impostos definitivos
A baixa
qualidade do ensino público é um consenso, mas
ainda não se tocou nos R$ 2,1 bilhões -recursos
que seriam suficientes quase para duplicar o valor da bolsa-escola
ou o orçamento do Fome Zero- destinados a conectar
as escolas à Internet.
O ministro
das Comunicações, Miro Teixeira, informou a
esta coluna, na semana passada, que há questões
jurídicas pendentes e, nas entrelinhas, levantou a
suspeita de que as leis para a utilização dos
tais R$ 2,1 bilhões favoreçam as poderosas empresas.
Boa parte desse dinheiro foi até agora esterilizada
para fazer caixa para o governo enfrentar suas dívidas.
Em nome
da guerra contra a exclusão digital, os brasileiros
pagaram adiantado por um programa que entrou nos discursos
oficiais, mas não saiu do papel. Esse impasse, provocado
por um impasse no Congresso, não é uma exceção
quando se trata da distância entre o imposto e o serviço
prestado pelo governo.
Neste
mês, foi divulgado o recorde da carga de impostos no
Brasil, que atingiu 36% do PIB (Produto Interno Bruto). Entre
tributos diretos e indiretos, um indivíduo trabalha
quase quatro meses por ano apenas para o governo. A classe
média, além de pagar os tributos, ainda arca,
por falta de opção, com os custos da educação,
da saúde e, muitas vezes, da segurança.
Foram
comemorados, na semana passada, os dez anos de existência
da CPMF, cujo "p" da sigla significa "provisório".
Poderiam, pelo menos, ser elegantes e tirar da sigla essa
palavrinha que soa a deboche com o bolso alheio. O presidente
Lula já mandou dizer que essa temporariedade ainda
vai continuar por tempo indeterminado. Ou seja, talvez definitivamente.
Assessores de Lula gostariam de aumentar ainda mais os impostos
das classes média e alta -e alguns deles defendem essa
idéia.
É
mais fácil, como todos sabemos, aumentar impostos do
que cortar despesas.
Ao colocar
no topo da agenda nacional a reforma da Previdência,
Lula prestou um enorme serviço à pedagogia do
contribuinte. O cidadão está vendo, como nunca
viu, quanto sai de seu bolso para manter um sistema falido
de privilégios, capaz de comprometer a saúde
financeira do país -e, de quebra, está percebendo
também a irresponsabilidade do PT, que, até
há bem pouco tempo, por motivos eleitoreiros, atacou
as mudanças.
Ironicamente,
os incendiários vestiram agora o uniforme de bombeiros.
Em conversas reservadas, assessores de Lula lamentam-se hoje
do que deveriam ter feito ontem. Não se deve criticar
o pai que impõe limites aos filhos apesar de ter "aprontado"
nos seus bons tempos de adolescência. Errado está
o pai que continua agindo como adolescente, aceitando qualquer
coisa dos filhos.
Paga-se
a conta dos desastres oficiais não só com impostos
mas também com cortes de investimento e, pior, com
instabilidade econômica. Se não estivesse em
jogo a credibilidade do poder público, a sua capacidade
de pagar suas dívidas, possivelmente haveria mais fluxo
de investimento e menos pressão sobre a taxa de juros,
obstáculo para a geração de empregos.
Juros altos e crescimento econômico não combinam.
Um documento
elaborado pela Prefeitura de São Paulo tira a frieza
do debate sobre a taxa de juros, elevada mais uma vez na semana
passada. Para cada ponto a mais na taxa, perdem-se 40 mil
empregos apenas na cidade; multiplique várias vezes
essa perda pelo Brasil.
A pedagogia
do contribuinte, reforçada por Lula, deve-se também
ao fato óbvio de que o PT tem de apresentar uma marca
social para não frustrar a opinião pública.
Isso significa que, em tese, tem de racionalizar as despesas.
Se os governantes levarem a sério o que anunciaram
na sexta passada, os brasileiros ficarão ainda mais
irritados com o destino dos impostos. Lançaram o Sistema
Nacional de Avaliação de Políticas e
Programas Sociais, com a missão de detectar desperdícios
e propor a sinergia das ações contra a miséria
-algo que, aliás, o Fome Zero ainda não conseguiu
fazer.
Há
especialistas que garantem, otimistas, que pelo menos um terço
de todos os programas sociais se perde desnecessariamente
na burocracia devido à corrupção, à
baixa qualificação e motivação
dos funcionários, à superposição
de projetos, à falta de foco e à descontinuidade.
Como se
isso não bastasse, os governos federal, estadual e
municipal estão conseguindo arrancar as escassas verbas
sociais das empresas, destinadas, em tese, a experiências
comunitárias que mostrem eficiência e baixo custo.
Pela força governamental, os argumentos são,
muitas vezes, irresistíveis. É o melhor caminho
para desmoralizar o chamado terceiro setor, um laboratório
de inovações em que imperam a agilidade, a motivação
do pessoal e a dedicação voluntária,
que deve ser complementar ao poder público, não
uma extensão orçamentária.
Nesse
laboratório, com apenas uma gota de água, sertão
às vezes consegue virar mar. Já o setor público
não raro transforma o mar em sertão, como ocorreu
com os R$ 2,1 bilhões que serviriam para inundar, como
prometeram, as escolas de computadores.
PS - Proposta
feita reservadamente pelo ministro da Educação,
Cristovam Buarque, para melhorar o combate à fome e
a bolsa-escola: o cartão de alimentação,
segundo ele, deveria exigir como contrapartida, para quem
não é beneficiário da bolsa-escola, a
frequência escolar. A portas fechadas, o ministro admite
que já houve avanços no plano de combate à
fome, mas, em essência, é um retrocesso em relação
aos programas já existentes e lançados pelo
próprio PT. Nas suas estatísticas, quase todo
o dinheiro da bolsa-escola é usado para comprar comida.
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