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Eu
ganhei, nós empatamos e eles perderam
No discurso
em que se despediu do Ministério da Saúde, na
quinta-feira passada, José Serra tentou transformar
um êxito coletivo - a queda da mortalidade infantil-
numa realização pessoal e uma vulnerabilidade
pessoal - a epidemia da dengue- numa falha coletiva.
Apresentada
como a maior conquista de sua gestão, a redução
da mortalidade infantil segue tendência histórica
e envolve uma teia de ações nos níveis
federal, estadual e municipal, além do empenho da sociedade.
Diga-se, porém, que Serra deu força a programas
que reforçaram a tendência, mas só a manipulação
eleitoral permitiria dar-lhe o monopólio desse êxito.
Demonstrou
maior "isenção" ao compartilhar as
responsabilidades pela epidemia da dengue. "O mosquito
não é federal, nem estadual, nem municipal",
brincou, num humor de efeito duvidoso. Naquele dia, anunciava-se,
no Rio, o registro de mais vítimas. Segundo indicam
documentos federais, há vários anos se prevê
o risco de epidemia.
Certamente,
se a dengue tivesse sido debelada, ele falaria do "papel
decisivo do ministério", assim como alardeou seu
sucesso contra a malária, a cólera e o sarampo.
O jogo
faz parte do plano do candidato de ganhar pontos nas pesquisas
de opinião. Pesquisa Datafolha publicada hoje mostra
que o empenho de popularização está,
por enquanto, surtindo resultado positivo: ao subir para 10%
das intenções de voto, está, tecnicamente,
empatado em terceiro lugar com Garotinho (13%).
Ou seja,
o acerto é "meu", o erro é dos "outros".
É a velha conversa de técnico de futebol: eu
ganhei, nós empatamos e eles perderam. "Eles",
claro, são seus próprios jogadores.
A batalha
de marketing dos candidatos será centrada em quem se
vende como melhor alternativa à pobreza; o tema da
estabilização, de tão banalizado, perdeu
o charme. Em eleição, como se sabe, a estatística
é a ciência da manipulação.
Na semana
passada, Roseana Sarney, que, segundo o Datafolha, subiu ainda
mais e está, tecnicamente, empatada com Lula (23%),
viu-se metida num debate sobre indicadores de pobreza no Maranhão;
Lula, aliás, pela primeira vez tem uma queda mais expressiva,
pois estava na pesquisa anterior com 30% das intenções
de voto.
Diante
de números desfavoráveis, ela disse que, mesmo
a indigência, detectada nas pesquisas de renda pessoal,
não significa fome. "O Maranhão não
tem fome, disso tenho certeza. A pobreza na periferia de São
Paulo, de qualquer cidade grande, é pior." Argumentou
que, em seu Estado, a maioria dos pobres não passaria
fome graças à economia de subsistência.
Viver próximo do rio ou do mar, por exemplo, significa
ter, pelo menos, peixe para comer. A tese tem sustentação
segundo técnicos do IPEA e do IBGE.
Uma das
medidas para definir o miserável é a ingestão
de calorias -isso significa que, teoricamente, uma escravo
bem alimentado por seu proprietário poderia estar,
na estatística, numa situação bem melhor
que a de um trabalhador livre que vive na cidade.
Na interpretação
dos números, Roseana Sarney, exatamente como Serra,
apresentou a queda da mortalidade infantil como uma de suas
mais relevantes conquistas. Quando o dado é ruim, a
explicação é que faltou ou não
veio a verba federal.
O IBGE
está preparando para este ano um levantamento que ajudaria
a diminuir a imprecisão sobre quem é pobre a
partir do critério da ingestão de alimentos.
Além de investigar dados sobre o gasto com refeições,
o pesquisador, munido de uma balança, deverá
pesar os alimentos da casa e cada integrante da família.
Mas isso ainda é insuficiente.
Não
se trata de uma discussão acadêmica. Tais critérios
implicam definições de políticas públicas.
Fala-se tanto de pobreza, mas o que é exatamente um
pobre? Um estudioso sério vai ter de dizer que pode
ser muita coisa, depende de valores culturais.
Pode-se
usar como critério a ingestão de calorias, mas
também se podem levar em conta o acesso à saúde,
à educação, ao lazer e à habitação.
Pobreza também pode significar o analfabetismo digital:
não ter e-mail, por exemplo. O pobre de São
Paulo não é, definitivamente, o pobre do Maranhão.
Daí
que esses números ostentados pelos candidatos e burocratas
refletem simplesmente pressupostos. A pobreza é concreta,
mas sua medição é abstrata.
PS - Só
um exemplo dos problemas estatísticos. Segundo cálculos
do PT, há, no Brasil, 44 milhões de pobres.
Para acabar com a fome, Lula prometeu dar um vale-refeição
a cada um deles. A conta sairia, por ano, R$ 20 bilhões.
Como não há dinheiro para isso, sugeriu taxar
quem come em restaurante. Isso como se muitos daqueles tais
44 milhões não comessem fora. O que era algo
concreto (a fome) virou, como se vê, uma abstração:
o plano de governo.
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