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Guerra do óbvio

Em missão oficial da ONU, Jean Ziegler passou 18 dias no Brasil e, ao falar de suas impressões sobre nossa realidade social, provocou tumulto diplomático. O presidente Fernando Henrique Cardoso reclamou, o Itamaraty esbravejou, técnicos do governo xingaram o representante da ONU com ofensas do tipo "maluco" e "desonesto". Mas, em essência, estavam todos brigando com uma obviedade.

Tal reação se explica, em boa parte, pelo ambiente eleitoral e pelo esforço governista que, ao drenar milhões de reais em publicidade, tenta mostrar seus feitos sociais, destinados a promover o presidente e, por tabela, seu candidato, o senador José Serra. Esse dinheiro é quase uma verba indireta de campanha.

Lendo as declarações do representante da ONU, a única novidade que se constata é uma polêmica montada em cima de nenhuma novidade. Ele disse, por exemplo, que a fome brasileira é vergonhosa e que vivemos uma guerra social. Ninguém precisaria vir de tão longe e passar tanto tempo para dizer o que qualquer um vê nas ruas e nas próprias estatísticas oficiais.

Por coincidência, a Prefeitura de São Paulo divulgou, na quinta-feira passada, ao relatar seus programas sociais, estudo sobre violência juvenil no Brasil, baseado integralmente em dados oficiais; são a tradução incontestável da guerra social.

Os registros do Ministério da Saúde informam que, no período de 1991 a 1999, 112 mil brasileiros com idades entre 15 e 24 anos foram assassinados, contingente de pessoas suficiente para superlotar o estádio do Maracanã.

Tal número torna-se ainda mais grave quando fazemos uma comparação. Entre 1981 e 1989, morreram assassinados, naquela faixa etária, 59 mil jovens. O ritmo da violência acelerou de tal forma que a quantidade de mortes simplesmente duplicou num mesmo intervalo de tempo.

Mantendo esse ritmo até este ano, já passamos, com folga, das 200 mil vítimas de assassinato apenas entre brasileiros de 15 a 24 anos. Se isso não é guerra social, certamente não é um piquenique.

No começo da década de 80, os homicídios eram responsáveis por 25% das mortes por causas externas (inclui, por exemplo, acidentes de trânsito e suicídio) entre jovens. Essa proporção aumenta a cada ano e, atualmente, passou dos 50%. O que mata, de fato, o jovem brasileiro é tiro ou facada.

De cada três mortes por causas externas entre jovens, uma decorre de assassinato. O estudo faz uma comparação com países que, efetivamente, vivem em guerra ou têm conflitos armados internos: "ganhamos" de longe de Israel e da Croácia.

Uma análise séria dos indicadores sociais brasileiros deve necessariamente apontar para uma obviedade -e essa constatação, num ano eleitoral, pode causar alvoroço: o Brasil melhorou socialmente devido à confluência de vários fatores, distribuídos entre os vários níveis de governo, o esforço da sociedade e tendências como a urbanização.

Morrem menos crianças, caiu a taxa de fecundidade, aumentou a escolaridade, expandem-se o ensino médio e o superior, as pessoas vivem mais. Disseminaram-se programas de renda mínima, que atingiram escalas jamais vistas de distribuição de renda.
Nunca se produziu, em toda a história brasileira, um programa com tamanho alcance para distribuir a renda e melhorar a eficiência escolar do que a bolsa-escola -idéia que assumiu dimensão nacional graças, vamos lembrar, ao PT-, ganhou dinheiro com o Fundo de Combate à Pobreza -vamos lembrar agora o PFL- e saiu do papel, nacionalmente, pela iniciativa do Ministério da Educação.

Melhorou no geral, mas a obviedade é que nada disso está reduzindo a guerra social apontada pelas estatísticas de violência juvenil ou a crescente insegurança nas cidades brasileiras. A fome está menor, mas ninguém pode sentir-se confortável. Calcula-se das mais variadas formas o número de famintos. Ainda que fizéssemos esse cálculo usando o critério mais favorável à imagem brasileira, o número seria um absurdo.

Absurdo por vários motivos: por dispormos de imensa quantidade de terras cultiváveis, por não termos guerras externas nem conflitos religiosos e, acima de tudo, por sermos a décima economia do mundo. Países muito mais pobres têm muito menos violência e fome do que o Brasil. Há uma monumental diferença entre o que somos e o que podemos ser.
Não podemos exigir que um portador de deficiência saia correndo velozmente. Mas não é possível aceitar que um "corredor" sem nenhum problema físico ande vagarosamente.

Quem acompanha, em detalhes, políticas públicas sabe que a regra é a incompetência e o desperdício. Não existe um só indivíduo com um mínimo de seriedade intelectual que seja capaz de explicar por que se fazem tantos programas com um mesmo foco, mas sem coordenação, fragmentados, dispersos em várias esferas do governo, vítimas de um feudalismo administrativo. Até encontramos experiências notáveis, mas, na imensa maioria das vezes, isoladas.

Sem falar, é claro, da tramitação dos recursos sociais que são canalizados para o pagamento de aposentadorias públicas e de seguro-desemprego só a quem tem carteira assinada (a elite dos trabalhadores) ou para a garantia aos mais ricos de gratuidade no ensino superior.

É claro que, no rol de desperdícios, entram verbas publicitárias oficiais que visam não exatamente a informar a população, mas a cativar o eleitor.

PS - Vale a pena a leitura do estudo da Prefeitura de São Paulo, feito pela Secretaria do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade. Além dos assassinatos, computam-se como perdas as centenas de milhares de jovens que, por falta de oportunidade de emprego, mudaram de país. O documento está na página do Aprendiz: www.aprendiz.org.br.

 
 
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