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Como um assalto vira comédia

Um assalto virou piada em São Paulo.

Munida de metralhadoras modernas e instrumentos de comunicação, uma quadrilha invadiu, na madrugada da quinta-feira passada, um edifício de escritórios na Vila Olímpia -região onde se concentram as empresas de alta tecnologia de São Paulo, especialmente de Internet.

Tudo ia muito bem. Os vigias e o zelador imobilizados sem necessidade de tiros; o alarme desativado. Do lado de fora, não se percebia nenhum movimento suspeito, enquanto os assaltantes percorriam cada escritório.

Mas sujou. Soldados da Polícia Militar -armas em punho, sirene ligada- aproximaram-se do carro dos assaltantes, estacionado em frente ao prédio.

Os bandidos imaginaram-se descobertos e saíram correndo, despertando a atenção dos policiais. Assalto frustrado.

Graças à PM? Não exatamente: graças a outros ladrões.

Os policiais não tinham desconfiado de nada. Chamou a sua atenção o carro dos assaltantes, atacado por ladrões atrás de um toca-fitas, numa falta, digamos, de solidariedade profissional.

Só o fato de o episódio ganhar o status de comédia mostra como a criminalidade entrou na rotina da cidade.

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Os números da rotina do crime em São Paulo foram exibidos oficialmente na semana passada -poucas horas antes do ataque dos ladrões que, a julgar pelo ditado, terão cem anos de perdão.

De certa forma, até poderíamos, mesmo que timidamente, ver motivo para comemorar os números, lançados pela Secretaria da Segurança de São Paulo.

O número dos crimes mais violentos, como latrocínio (roubo seguido por morte), teve redução; o das demais delinquências contra o patrimônio (roubos e furtos), estabilidade.

Suspeita-se de que algo deva estar funcionando.

A leitura das estatísticas, porém, dá a exata dimensão da rotina da delinquência e informa que vamos necessitar de muitos anos de acertos até que diminua a tensão nas ruas.

Peguemos o município de São Paulo, onde moram 10 milhões de habitantes e existem 5 milhões de automóveis.

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No trimestre passado, foram surrupiados 31 mil carros, mantendo o ritmo do ano: 333 por dia. São 120 mil a cada 12 meses.

Quantas pessoas, no mínimo, ficam sabendo do roubo de um carro? Vejamos.

O indivíduo vai compartilhar o trauma com seus familiares, amigos próximos e colegas de trabalho; pelo menos, 50 pessoas.

Encontramos o seguinte: 120 mil vítimas vão contar para 50 pessoas. Resultado: 6 milhões, mais da metade da população da cidade. Exagero?

Certamente existem repetições: gente que foi vítima mais de uma vez e pessoas informadas várias vezes sobre vários atentados ao patrimônio.

Vamos, então, ao extremo. Supondo, agora, que as repetições reduzissem o resultado para 20% daquele total. Chegamos a 1,2 milhão: 10 pessoas por veículo.

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As estatísticas oficiais informam que, sem computar os carros, a cidade de São Paulo sofre 18 mil furtos e roubos por mês.

Usando o cálculo mais modesto -10 pessoas informadas por crime-, teríamos 180 mil por mês. No ano, cerca de 2,1 milhões.

Note que estamos falando apenas dos crimes registrados oficialmente, a minoria dos praticados; muita gente não dá queixa por considerar a prática inútil.

Nessa grosseira contabilidade, vamos ter 3,3 milhões de pessoas que souberam de um crime contra algum conhecido. O que transmite a cada uma delas a sensação de que será a próxima vítima.

É, portanto, um terço da cidade. E uma fatia ainda maior das classes média e baixa, nas quais estão os chamados formadores de opinião, donos de automóveis e com patrimônio para ser surrupiado.

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Quem sabe o leitor continue achando que estou exagerando. Mais cortes, então.

Num gesto extremo, corte-se o resultado para 2 milhões de vítimas, além de seus amigos e familiares, atingidos num ano. Impossível, claro, mas vamos considerar tal hipótese.

Significa que, em cinco anos, não haverá praticamente um único habitante desta cidade que terá escapado de sentir, com muita proximidade, a violência.

Daí se entende como o assalto da madrugada da quinta-feira acabou em piada -e por que as promessas sobre segurança, durante a campanha eleitoral, deveriam gerar também risos.

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PS - Nem computei no cálculo o número de crimes violentos, cujo impacto sobre a opinião pública é bem maior. Na capital, são cometidos, por mês, cerca de 400 assassinatos. Apenas um exemplo do impacto: na quinta-feira à noite, no Colégio Santa Cruz, reuniram-se 150 pessoas para discutir como reagir à morte de Alexandra Salem. A comunidade (alunos, seus irmãos e pais) em torno daquela escola, onde estudam os filhos de Alessandra, compõe-se de cerca de 10 mil pessoas, que, no mínimo, contaram o ocorrido para mais cem.

Ao lado de sua filha, de 15 anos, Alexandra dirigia, no início deste mês, no Morumbi. Levou um tiro, mas continuou guiando pela marginal por quase 2 km.

 

 
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