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O exemplo de Antônio Pimenta Neves
Antes de se
empanturrar com três cartelas de calmantes, terça-feira
passada, o jornalista Antônio Pimenta Neves, escreveu
carta às duas filhas explicando por que tentaria o
suicídio.
"Cometi uma insensatez pela qual tenho de pagar",
contou Pimenta, que matou pelas costas e com tiro de misericórdia
Sandra Gomide, a ex-namorada.
A insensatez covarde de Pimenta, profissional de um currículo
notável e raro, abalou os jornalistas, desacostumados,
exceto pela leitura dos jornais, com esse tipo de crime.
Os jornalistas estão, há muito, habituados a
crises conjugais, tamanho o número de profissionais
já no segundo, terceiro ou mesmo quarto casamento.
Mas crimes passionais acontecem com os "outros",
capturados nas páginas ou câmaras de TV, não
por quem embala notícia.
O caso Pimenta trouxe para dentro das redações
uma dimensão trágica da crise conjugal. Ainda
mais por ele ter trabalhado no topo da imprensa, da Folha,
passando pela Gazeta Mercantil, Banco Mundial e, enfim, o
Estado de S. Paulo _ nessa trilha, ele frequentou cenários
como Harvard.
Esse exemplo de insensatez é, entretanto, a rotina
dos assassinatos.
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Quando se fala em assassinato, a população tende
a imaginar o ladrão, sequestrador, marginal, traficantes,
crime organizado. Não é bem assim. É
menos, aliás, do que se imagina.
Os chamados conflitos interpessoais ( vinganças, discussões
privadas, brigas nos bares, guerra entre torcidas) são
a principal causa dos homicídios. São os momentos
de insensatez, quando o indivíduo perde a cabeça,
não mede as consequências; segundos fatais em
que o revólver dispara.
Os números da insensatez e sua importância na
violência urbana foram apresentados, segunda-feira passada,
um dia antes daquela carta de Pimenta, na Universidade de
São Paulo, pelo pesquisador Renato Sérgio Lima.
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Pesquisador da Fundação Seade (Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados), Roberto Lima
divulgou estudo com análise dos homicídios na
cidade de São Paulo em 1995 _ esse tipo de dado é
o que coloca o tema segurança entrou na agenda dos
candidatos a prefeitura, detonando promessas impossíveis,
demagógicas ou ilusórias.
A preocupação de Roberto Lima era saber até
que ponto o tráfico de drogas impulsionava a criminalidade.
Ele dividiu as causas em três categorias: conflitos
interpessoais, crime organizado e criminalidade não
organizada (latrocínio).
Entre os crimes que tiveram os motivos claramente definidos
(nos demais faltavam dados por problemas de inquérito
e investigação), observa-se a força dos
conflitos pessoais. Nada menos que 56%.
Tradução: de cada 100 assassinos, 56 poderiam
escrever cartas semelhantes à de Antônio Pimenta.
Perderam a cabeça, foram guiados pelo desespero, prepotência,
pânico, desequilíbrio, loucura.
Dos homicídios contra mulheres, segundo a pesquisa
de Renato Lima, 40% foram praticados no âmbito das relações
familiares.
O crime organizado respondeu, em segundo lugar, com 23% e,
em último, 21%.
Aquele crime que mais tememos _ alguém matar depois
de roubar _ está em terceiro lugar.
Não significa, claro, que não seja grave. Longe
disso. Significa apenas que a questão da violência
é, majoritariamente, provocada pelo crime organizado
e conflitos interpessoais.
Dados semelhantes foram encontrados em pesquisas americanas
e indicavam que a maioria dos homicídios ocorre entre
pessoas que se conhecem.
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Vemos, assim, a complexidade da questão da violência
que, óbvio, passa a quilômetros de distância
das análises dos candidatos; a maioria deles interessada
em enredar o eleitor com soluções milagrosas.
Uma política de segurança pública envolve
não apenas caçar e punir criminosos, mas reduzir
a tensão de uma sociedade, a ajudar na intermediação
de conflitos, cultivar o diálogo. Lugares sem polícia
ou poder Judiciário tendem a estimular justiça
com as próprias mãos, justamente pela falta
de intermediação.
Basta dizer que, em várias cidades, experimentaram
o esporte para ajudar na intermediação de conflitos.
Atraíram gangues para torneios esportivos, deixando
as armas de lado. Só isso, abaixou a taxa de violência
em alguns bairros.
Sabe-se, hoje, que o lazer e esporte se prestam a antídotos
contra a violência, assim como programas realizados
em escolas e apoio psicológico para percepção
precoce de distúrbios _ quantas vidas não seriam
salvas se, em larga escala, pessoas com distúrbios
psicológicos pudessem ser acolhidas e tratadas.
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Na carta
que deveria ser a despedida, Antônio Pimenta explica
por que se mataria _ a vida tinha perdido valor.
Não tinha valor, primeiro, sem a mulher que dizia amar.
E não tinha valor, depois, por ter de carregar tamanha
culpa.
Estão aí as razões porque uma sociedade
é engolfada pela violência. É justamente
quando a vida perde valor, fazendo da morte algo banal, corriqueiro
e previsível.
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Faça
o download da íntegra da pesquisa de Renato Lima.
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