Ninguém
vai poder reclamar de que não sabia
Não
há notícia de uma disputa eleitoral em que os
meios de comunicação tenham sabatinado com tamanha
profundidade os candidatos a governador e, especialmente,
a presidente. Todos eles foram obrigados a explicar, como
nunca se viu, a viabilidade de seus projetos, as contradições
de suas alianças e as passagens nebulosas de suas biografias.
Quase
todos os grandes jornais escalaram alguns de seus mais experientes
profissionais e colocaram-nos num palco com os candidatos.
Exigiram-se detalhes sobre o modo como imaginam melhorar a
vida dos brasileiros; as sabatinas eram acompanhadas pelos
leitores e, no dia seguinte, as respostas eram comentadas
por especialistas.
Além
dos avanços da imprensa escrita, a cobertura do rádio
e da televisão atingiu proporções desconhecidas:
os candidatos foram submetidos, em horário nobre, a
baterias de perguntas incômodas. Agregou-se ainda o
jornalismo de Internet, acompanhando tudo em tempo real -
um jornalismo que, na eleição passada, ainda
engatinhava.
Não
houve um só assunto que deixasse de ser debatido e
veiculado em ampla escala, atingindo dos mais ricos aos mais
pobres. Se os mais pobres não entenderam o que viram,
leram ou ouviram, não foi por falta de informação,
mas devido ao analfabetismo funcional.
A uma
semana das eleições, ainda não sabemos
se vai haver segundo turno na disputa presidencial, como indica
a pesquisa Datafolha publicada hoje (29/09) e, se houver,
quem disputará com Lula.
É
possível dizer, porém, que ninguém deixou
de ser avisado das fragilidades dos candidatos e da inconsistência
de algumas das suas propostas. O que a imprensa sabia foi
veiculado.
A principal
promessa desta eleição presidencial - o crescimento
econômico combinado com a criação de milhões
de empregos - anima o horário eleitoral gratuito, produzido
pelos marqueteiros. Fala-se em mais gastos em educação,
saúde, segurança.
Todos
os candidatos foram, porém, chamados a explicitar a
maneira como conseguiriam gerar tantos empregos e gastar tanto
dinheiro na área social, considerando os limites do
Orçamento, os acordos com o FMI e a instabilidade internacional.
Em todas as entrevistas, perguntava-se invariavelmente: "Mas
de onde vai sair o dinheiro?".
Hábeis
nas palavras, os candidatos acenam com números e mais
números, lançam hipóteses. Tudo filtrado,
chega ao consumidor da notícia a seguinte mensagem:
não há recursos suficientes para eles fazerem
o que prometem.
Alguns,
levemente constrangidos, refazem suas propostas, flagrados
na inconsistência.
O PT já
admite que 10 milhões de empregos formais, de carteira
assinada, a serem efetivados em quatro anos, podem cair bem
no papel, mas não vão além disso - é
a mesma inviabilidade da proposta dos 8 milhões de
postos de trabalho, também formais, prometidos por
José Serra. O salário mínimo com que
acena Garotinho é perfeitamente viável desde
que ele quebre de vez a Previdência; as bravatas de
Ciro Gomes contra o sistema financeiro não resistem
ao dia da posse.
O problema
é que os eleitores se movem mais pelo coração
do que pela mente. A utopia, afinal, é o grande motor
da história. Políticos elegem-se graças
não às análises de viabilidade de suas
intenções, mas à administração
da esperança e dos sonhos das pessoas.
Administrar
a transformação da esperança em frustração
é a principal tarefa dos presidenciáveis. Todos,
sem exceção, asseguram ter fórmulas para
extirpar a insegurança decorrente do desemprego - e
todos, sem exceção, sabem que, além da
conjuntura econômica, a tecnologia reduz a necessidade
de mão-de-obra. Há até quem diga que,
no futuro, não haverá mais empregos, apenas
tarefas executadas por trabalhadores com vínculos provisórios.
A explosão
do dólar, na semana passada, em meio à volta
da histeria do sistema financeiro, as incertezas da economia
mundial, as crises das Bolsas e a perspectiva de uma guerra
contra o Iraque são, entre tantos, alguns dos fatores
que colocam em dúvida as possibilidades de crescimento
do país.
A mudança
com estabilidade é neste momento o sonho dos eleitores,
até agora captado melhor por Lula, como mostram as
pesquisas. A grande ilusão dos brasileiros é
esta: mudar rapidamente sem turbulências.
O risco-Brasil,
seja qual for o eleito, é, pelo menos no próximo
ano, pouca mudança e muita instabilidade. Não
há, por isso, alternativa para o novo presidente fora
de um amplo acordo de união nacional.
Não
vai aqui nenhum corporativismo, mas, quando a realidade chegar
e houver desilusão, pelo menos não se poderá
dizer que faltou informação.
PS - Isso
tudo não significa que caminhamos para uma catástrofe.
Significa apenas o óbvio: o Brasil não vai parar
de melhorar socialmente. Não somos nem o país
da baboseira do marketing político nem o país
da histeria financeira do mercado.
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