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Brasil produziu mais um herói desconhecido

Na semana passada, o jornalista Pedro Bial foi a vítima mais notável da sensação de claustrofobia coletiva provocada pelo medo das ruas - esse é, de fato, o gigantesco "Big Brother Brasil", que produz a suspeita permanente de que sejamos, a cada esquina, observados por alguém pronto a nos atacar.

Quatro homens armados aproximaram-se de Bial, que foi agredido com uma coronhada no rosto. Embora não tenha oferecido reação, um dos marginais disparou-lhe um tiro, numa dessas cenas que mostram até onde vai a banalidade do mal. "Eu me abaixei, procurei sangue e fiquei o mais quieto possível", relata. O disparo falhou.

Mas não falhou contra Edi Greenfeld, uma professora desconhecida que, desde a semana passada, entrou na galeria de heróis brasileiros, embora deva continuar desconhecida. Diretora da Escola Municipal Madre Joana Angélica de Jesus, na zona leste de São Paulo, ela travava uma luta solitária contra os traficantes que insistiam em vender drogas nas imediações da escola que dirigia. Havia tempos que alertava sobre o perigo que corria e requisitava rondas policiais, mas acabou sendo vítima dos traficantes, de quem levou dois tiros na cabeça.

Uma pesquisa do Ibope ainda inédita, realizada no mês passado, traduz em números a intensidade da claustrofobia ao investigar, com base em 2.000 entrevistas, o medo do brasileiro; a íntegra está no www.aprendiz.org.br.

Os entrevistados foram submetidos a uma lista de dez situações difíceis e deveriam escolher apenas uma delas - a mais temida. Por meio das respostas, temos não o Brasil oficial, cantado nas propagandas de governo, mas o Brasil real, acuado.

Está em primeiro lugar entre os temores do brasileiro - foi a resposta de 28% dos entrevistados- sofrer algum tipo de violência: ser sequestrado (9%), ser assaltado (10%) e ser atingido por uma bala perdida (9%); nas capitais, o índice sobe para 31%.

Fala-se muito que o maior problema do brasileiro é o desemprego. Não é o que a pesquisa detecta: ficar desempregado é o medo de 13% da população. Explicável: a taxa de desemprego é alta, mas a imensa maioria das pessoas tem trabalho. Conhecemos mais gente que diz ter sido vítima recente de algum tipo de violência do que pessoas que tenham perdido o emprego.

Em segundo lugar, aparece, em 26% dos pesquisados, o medo de desenvolver alguma doença grave - mais especificamente o câncer- e, em terceiro, o temor de que os filhos comecem a usar drogas (20%).

Drogas são, no fundo, mais um ingrediente do contexto da violência urbana. Só não estão em segundo lugar porque foram entrevistados jovens de 16 a 24 anos, a imensa maioria deles sem filhos. Quando se analisa a faixa dos 25 aos 49 anos, o medo das drogas salta para 24% - exatamente, para esse segmento, igual ao tamanho do medo de doenças graves.

Se somarmos os receios relacionados a instabilidade política e econômica, chegamos a 7%. Ou seja, todo o risco de crises econômicas e políticas não se equipara, na visão dos brasileiros, ao risco de uma bala perdida (9%). Daí se entende, certa ou erradamente, o desinteresse que suscita o noticiário sobre o poder, especialmente o poder federal.

Se concedido ao entrevistado o direito de escolher não apenas uma, mas três opções, vemos como o medo da violência assume ainda mais gravidade entre os brasileiros: 81%. Contrair ou desenvolver doença grave é o temor de 61%; ver um filho usar drogas assusta 54%; ficar desempregado preocupa 34%.

Tomando-se apenas os entrevistados nas capitais - locais em que se forma a opinião- o medo da violência é o item da pesquisa que atinge o limite da unanimidade, 94%.
Paga-se o preço da miséria, da desigualdade, do consumismo como valor supremo da sociedade, da incapacidade de incluir os jovens da periferia, da indigência dos serviços públicos em educação, lazer, saúde. Como se vê no assassinato de Edi Greenfeld, drogas nutrem a violência - assim como também se nutrem do desemprego.

A alienação que representa um programa como "Big Brother Brasil" e suas variantes, como "Casa dos Artistas", em que pessoas ficam protegidas em fortalezas, convive com a realidade das ruas, onde as pessoas se sentem sufocadas, vigiadas, reféns.
Difícil imaginar que haja outra missão mais importante para a elite econômica e política de uma nação do que a de desmontar essa bomba de claustrofobia.

PS - Em nossa cidade, como em todo o país, ruas levam os nomes de tantas pessoas inexpressivas, cuja notoriedade se deve apenas à amizade com vereadores e governantes. Seria mais do que justo que a diretora assassinada, pelo exemplo de civismo, fosse o nome de uma grande avenida. Se, por hipótese absurda, eu fosse prefeito, mudaria o nome da avenida Brasil para Edi Greenfeld. Temos de reverenciar em nossos espaços públicos gente dessa qualidade.

 
 
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