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Semana de 08.07.01 a 15.07.01

 

Empresas notam prejuízo interno decorrente das drogas

As empresas brasileiras começam, ainda que tardiamente, a prestar atenção em funcionários dependentes de álcool e drogas. A dependência traz prejuízos que vão de baixa produtividade a acidentes de trabalho.

Algumas companhias adotam testes de urina para detectar a situação de seus funcionários. Um projeto de lei da Secretaria Nacional Antidrogas, dirigida pelo general Alberto Cardoso, propõe que o teste seja obrigatório em empresas cujas atividades causem impacto na segurança pública.

Apesar da tensão no ambiente profissional não determinar a dependência na maioria dos casos, ela age como um facilitador.

Por se tratar de uma questão particular, nem sempre é possível detectar a dependência a olho nu. Porém, quando aflora, pode significar o fim da linha para um profissional promissor.

(Exame)

 
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Flagelo corporativo

Quando o chefe o chamava à sala e lhe pedia para tomar notas, Paulo Roberto dizia que não era preciso, porque guardava tudo na cabeça. Mas, ao sair da sala, já esquecera o que ouvira minutos antes. À secretária que trazia papéis para assinar, fazia um gesto para deixá-los em cima da mesa. Não podia permitir que vissem suas mãos tremendo. Como diretor de vendas de uma multinacional francesa do setor de embalagens, Paulo Roberto era um malabarista. Às segundas-feiras, mal conseguia levantar as pálpebras, de ressaca. Estava ficando cada vez menos produtivo e mais irresponsável. Fugia dos compromissos, esquecia tudo, ignorava os vendedores que deveria controlar e ainda dava escapadas à tarde. Mas conhecia o ofício, era articulado e criativo. Enganar a empresa era fácil. Difícil era enganar o sofrimento. Todo dia, começando de manhã cedo, Paulo Roberto bebia uma garrafa de vodca. E penava para manter as aparências.

É verdade que nunca o apanharam. Em 1984, quando foi demitido ("eles sabiam que eu estava mal, mas não sabiam o que estava acontecendo", diz), recebeu como compensação a representação da companhia no Rio de Janeiro e ganhou dinheiro. "Foram 24 anos de empresa. Os últimos 10, de pura dissimulação e angústia. Jamais vi um médico ou um programa de saúde sobre alcoolismo. Havia muitos alcoólatras entre os 1 500 funcionários. Mas o problema não era da empresa, era meu", afirma.

A partir de 1984, porém, o vício fugiu do controle. Paulo Roberto passou por vários empregos temporários ("eu me vendia bem e minha experiência impressionava, mas só agüentava algumas semanas"), dois psiquiatras, quatro internações, um divórcio e duas camisas-de-força. Perdeu dinheiro e propriedades. Abandonado e sofrendo de polioneurite (uma doença degenerativa dos nervos), foi forçado a voltar para a casa dos pais. "Em 1989 meu pai e minha mãe desistiram de me emendar. Fiquei 14 dias na cama, bebendo. Eles me ajudavam, limpavam, choravam e me levavam a bebida que eu exigia. Foi no dia em que perdi a sensibilidade das pernas que disse: 'Não agüento mais'. Não sei como, mas parei de beber. Sofri cãibras, vertigens, náuseas e alucinações, mas meus velhos me agüentaram. Nunca mais bebi. Custou, mas refiz o casamento. Voltei a viver com minha mulher e meus filhos. Hoje sou voluntário dos Alcoólicos Anônimos."

Dramas como o de Paulo Roberto são mais corriqueiros do que parecem no mundo corporativo, cada vez mais estressante e competitivo. Aqui e lá fora. Recentemente, o empresário americano Sam Johnson, herdeiro e presidente das Ceras Johnson, uma empresa que fatura 6 bilhões de dólares, surpreendeu as pessoas que convidara para assistir a um documentário sobre a viagem de seu pai, H.F. Johnson, ao Brasil, em 1935, para conhecer a carnaúba - a árvore que fornece a matéria-prima responsável pela fortuna da família. A certa altura, Sam Johnson, hoje com 73 anos, revelou sua luta para se recuperar do alcoolismo. A doença, que também afetara sua mãe, Gertrude, marcou-o profundamente desde a infância. "Nunca entendi por que eles não ficariam juntos para sempre", diz Johnson, no filme. "Anos depois, meu pai me disse que o motivo do divórcio foi que minha mãe era alcoólatra." O drama de Johnson é compartilhado por William Clay Ford Jr., o presidente do conselho de administração da Ford, a segunda maior montadora americana. "Eu tento não beber", disse Bill Ford, cujo pai e cujos tios enfrentaram problemas com o alcoolismo, numa entrevista à revista Business Week, em 1999. "Minha personalidade não melhora muito quando bebo." Segundo as estatísticas, a dependência química aflige 23,2 milhões de americanos - 14,8 milhões pelo consumo de drogas e o restante pelo álcool.

A cada ano, o uso abusivo de drogas como álcool, maconha, anfetaminas, calmantes e cocaína custa ao Brasil 7,9% do PIB em tratamento médico, perda de produtividade e acidentes - 48 bilhões de dólares, em dinheiro de hoje, segundo estimativas da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, da Universidade Federal de São Paulo, que possui as melhores estatísticas sobre dependência química no país, detectou 726 000 internações por abuso de drogas em hospitais e clínicas brasileiras, entre 1988 e 1999. O alcoolismo, mal que aflige 12 milhões de brasileiros, foi responsável por 90% das hospitalizações. As internações por cocaína explodiram: de 0,8% do total em 1988, passaram a 4,6% em 1999.

O custo social dessa maré química está se elevando, junto com os prejuízos que ela acarreta às empresas e à economia do país. Ao contrário dos Estados Unidos - o país que mais consome drogas no mundo -, no Brasil quase não há indicadores sobre o impacto econômico da dependência química no trabalho. Mas há sinais de que ela está cobrando caro. Embora os programas de prevenção contra drogas não sejam novidade para as empresas, o número das companhias engajadas neles está aumentando. No último dia 11 de maio, por exemplo, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) organizou um simpósio internacional sobre Prevenção e Controle do Uso de Drogas no Ambiente de Trabalho, para informar as empresas e trocar experiências. O número de companhias que adotaram programas de testagem obrigatória do consumo de drogas em funcionários por exames de urina aumentou 400% em quatro anos. Em 1997, o Laboratório de Análises Toxicológicas da Universidade de São Paulo realizava testes para 81 empresas. "Hoje, atendemos 315, em 23 Estados", diz o diretor Ovandir Alvez Pereira. A Secretaria Nacional Antidrogas, vinculada à Presidência da República e dirigida pelo general Alberto Cardoso, tem um projeto de lei pronto para estender a testagem aos empregados de todas as empresas cujas atividades causem impacto na segurança pública.

Nos Estados Unidos, a prevenção no local de trabalho é uma prioridade. Dos 50 Estados americanos, 22 dispõem de legislação obrigando as empresas a manter programas antidrogas. Isso não acontece por acaso. Por trás de desastres e tragédias que assolaram o mundo corporativo nos últimos anos, com freqüência os efeitos da dependência química são a melhor tradução para a expressão falha humana.

Em 1989, o petroleiro Exxon Valdez bateu em um recife na costa do Alasca, despejou 42 milhões de litros de óleo no mar e gerou ondas de protestos no mundo inteiro. O desastre acarretou à Exxon multas e indenizações que já ultrapassaram 8 bilhões de dólares (e poderão subir ainda mais). A guarda costeira constatou que o capitão do navio estava alcoolizado, mas ele alegou que bebera depois do desastre, para espantar o frio enquanto esperava socorro. A acusação só conseguiu uma condenação por "conduta negligente".

Meses depois do sinistro, a lei federal 49 CFR Part 40 determinou a testagem obrigatória antidrogas de todos os empregados no comércio interestadual nos Estados Unidos, atingindo empresas de ônibus, transportadoras, companhias de aviação, ferrovias, companhias marítimas e fluviais - além dos funcionários de usinas nucleares e de todo o pessoal militar. Compelidas pela legislação, cerca de 80 000 empresas americanas bisbilhotam, atualmente, a urina dos empregados atrás de drogas. A conta da dependência química é elevada. De acordo com o Departamento de Saúde do governo americano, o abuso de substâncias tóxicas nos Estados Unidos custa 276 bilhões de dólares por ano em tratamento de saúde, queda de produtividade e acidentes. Entre a população acima de 12 anos, 7% consomem drogas ilícitas, 30% fumam e 6% são tidos como heavy drinkers, ou bebedores pesados.

"Os Estados Unidos perderam duas guerras", diz o americano John Burns, diretor da clínica de recuperação Vila Serena, de São Paulo. "A guerra contra o Vietnã e a contra as drogas." Ex-diretor do Peace Corps no Brasil, nos anos 70, o próprio Burns foi vítima do alcoolismo. Depois de submeter-se a um tratamento numa clínica de Washington, passou a trabalhar com dependência química. Em 1982, patrocinado pela subsidiária brasileira da Johnson & Johnson, fundou a primeira Vila Serena, no Rio de Janeiro. Quatro anos depois, surgiu a unidade de São Paulo, que se tornou um dos mais requisitados centros de tratamento para dependentes químicos do país, prestando serviços para funcionários de 86 empresas, entre as quais Pão de Açúcar, Unibanco, Varig, Perdigão, BankBoston, Avon, Shell, Petrobras, Eletropaulo, Sabesp e Metrô. Burns gostou muito do filme Traffic, sobre a luta contra as drogas. "A melhor cena passa-se dentro de um avião", diz. "O czar da agência antidrogas, interpretado pelo ator Michael Douglas, cuja filha é também dependente, pede aos seus assessores idéias novas, diferentes, para enfrentar o problema. A resposta é um silêncio constrangedor. Ninguém sabe mais o que fazer."

De fato, lidar com a dependência química é um desafio que pouca gente está preparada para enfrentar. Parar de usar drogas ou álcool é a coisa mais fácil do mundo. Duro é parar de usar e ser feliz. Dezenas de institutos de pesquisa americanos já descobriram que a dependência química é uma doença decorrente mais de uma pane química cerebral do que de um colapso do caráter. Há causas genéticas, familiares, existenciais, culturais e sociais para explicá-la. Há 10 000 anos o homem faz libações, celebrações e comemorações com álcool e drogas que hoje já perderam o sentido ritualístico. Mas só agora a ciência está descobrindo por que certos indivíduos têm propensão para transformar o uso em abuso. Álcool, cocaína, nicotina e anfetaminas alteram o circuito neurológico de recompensa e prazer no cérebro.

Quando recebemos elogios, vencemos uma prova, provamos boa comida ou fazemos sexo, nosso cérebro produz dopamina, um neurotransmissor que ziguezagueia entre os neurônios produzindo sensações que vão do bem-estar à euforia. As drogas e a bebida aumentam a concentração de dopamina, encharcam o cérebro. Seu uso compulsivo destrói as conexões neuronais, eliminando a capacidade de a pessoa sentir prazer sem aditivos. Ao mesmo tempo, o excesso inflaciona, e a dose que produzia euforia perde efeito, exigindo mais reforço. A abstinência expropria o cérebro do dependente da única fonte de dopamina que produzia bem-estar. De tal forma que viver deixa de valer a pena. Para suspender o uso de drogas ou de álcool, basta uma clínica de desintoxicação. Tocar a vida sem eles é que é difícil. "Os pacientes bebem compulsivamente e recaem porque o excesso de álcool e drogas provoca alterações cerebrais e não por serem sem-vergonha", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeiras, coordenador da Unidade de Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo.

Para os habitantes do mundo corporativo, a esse conjunto de causas soma-se o impacto epidêmico do estresse. A competitividade, a insegurança no emprego e a perda dos apoios familiares tradicionais fragilizam os indivíduos. "Cada vez mais temos de produzir resultados e agregar valor", afirma o psicólogo Sigmar Malvezzi, doutor em comportamento organizacional do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. "E todos sabemos que as empresas já enxugaram suas estruturas. Hoje, é difícil alguém trabalhar apenas 8 horas", diz. Segundo ele, insônia e inapetência sexual são alguns dos primeiros efeitos do excesso de cobrança. A saída química surge, então, como um recurso para reduzir a tensão. "O estresse pode não ser determinante, mas é um facilitador da dependência", diz a psicóloga Eliana Audi, diretora da empresa Auster, de São Paulo, que desenvolve programas de apoio pessoal a funcionários e mantém uma central 24 horas para atendimento de emergência. Para Eliana, a droga é um redutor de ansiedade: "A ligação entre estresse e drogas prospera em quem administra mal a tensão. Veja os adolescentes. Eles vivem um boom hormonal e a perspectiva da saída do ninho, tudo ao mesmo tempo. É muita ansiedade. Daí a vulnerabilidade".

A droga, portanto, empresta potência aos enfraquecidos. Muitas pessoas passam incólumes pelas provações (e até amadurecem com elas), mas aquelas que têm propensão à dependência ficam reféns dela. "Felizmente, estamos mudando e entendendo o problema. Há dez anos eu pregava no Saara", diz Eliana. "Hoje, as empresas estão assumindo a responsabilidade, quebrando tabus e adotando programas de reabilitação. E não é por paternalismo. Na hora em que se recupera um dependente, valoriza-se o empregado e o trabalho."

Esse é o ponto: as empresas têm muito a ganhar se passarem a encarar a dependência química como um problema corporativo. "Um empregado reabilitado é um empregado que veste a camisa da empresa. Trata-se de um investimento", diz Elizabeth Martini, sócia e diretora administrativa da Gelopar, fabricante de aparelhos de refrigeração em Araucária, na região metropolitana de Curitiba. "O absenteísmo despenca, a produtividade aumenta e a solidariedade se espalha pela empresa." Em 1997, a Gelopar criou um programa de prevenção à dependência química para os seus 450 empregados. Promoveu palestras, distribuiu material, envolveu as famílias, treinou equipes para abordar eventuais pacientes e organizar um grupo de auto-ajuda e estabeleceu convênio com uma clínica psiquiátrica. No começo, houve estranhamento e uma certa resistência entre os empregados. Quando se tornou claro que a empresa não iria "punir" ninguém, nem os que recusavam tratamento, a adesão aumentou. Em cinco anos, 20 funcionários foram tratados. Os recuperados tornaram-se os maiores propagandistas do programa. "O mais difícil é mudar a mentalidade", diz Elizabeth. "Há muito preconceito contra os dependentes químicos. Os operários do chão de fábrica custam a admitir que um paciente não é um vagabundo bêbado, mas um doente."

Na Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que opera 293 trens na cidade de São Paulo, foram identificados 212 dependentes entre 6 300 ferroviários. Desde 1995 foram tratados 176, com taxas de recuperação de 49% para mulheres e 44% para os homens. Atualmente, a empresa mantém quatro grupos de auto-ajuda, com 103 participantes. "Se tivéssemos de demitir um dependente e colocar outro em seu lugar, gastaríamos quatro vezes mais do que com o tratamento", diz Luiz Alberto Chaves de Oliveira, superintendente de relações sociais da CPTM. O resultado, de acordo com ele, é notável: "A empresa ganha um funcionário exemplar, mais produtivo e mais participativo. E a sociedade ganha um cidadão".

As empresas podem escolher entre duas linhas de tratamento, passíveis de serem combinadas. Uma é a terapia psiquiátrica que oferece cuidado individualizado focado na história de cada paciente. Outra é o Programa de 12 Passos, de auto-ajuda, dos Alcoólicos Anônimos (AA). Criado em 1935 nos Estados Unidos, o AA é uma irmandade de grupos independentes e auto-organizados divulgadores de um programa único para mudar a atitude e a vida dos alcoólatras. A solidariedade grupal e o espelhamento na experiência de cada dependente são a chave do seu sucesso. Tanto que os AA não param de crescer: existem 2 milhões de membros em 154 países. No Brasil há 5 700 grupos, reunindo 120 000 pessoas. O método consolidado e a experiência acumulada credenciaram a adoção do seu programa por outras comunidades de interesses, como os adictos de drogas, os Narcóticos Anônimos.

As redes de apoio podem ser a primeira linha de defesa contra o vício, mas nem todos se adaptam a dinâmicas coletivas. Na verdade, tanto a psiquiatria quanto os AA são impotentes para abolir as constantes recaídas. A dependência é uma doença sem cura: a cura é manter-se longe da droga ou do álcool, um dia após o outro - a expressão "só por hoje" é um mantra dos Alcoólicos Anônimos. Cada dia de abstinência é considerado uma vitória pessoal.

A boa notícia é que, embora a reabilitação funcione para cerca de 50% dos dependentes químicos, nas empresas as taxas de recuperação são mais altas: chegam até a 80% dos casos, segundo o psiquiatra paulista Ronaldo Laranjeiras. A última trincheira é o trabalho. Em geral, quando o problema aflora na empresa é porque já transtornou a vida pessoal e familiar do doente. Mas, como sua renda depende do emprego, ele esforça-se para conservá-la e para esconder a doença. "O valor crucial do trabalho facilita a recuperação e torna a reabilitação inesquecível para o trabalhador, que se torna grato à empresa", afirma Laranjeiras.

Para as corporações, o investimento em programas de apoio aos dependentes químicos gera resultados que podem ser medidos. Na fábrica da Caterpillar, em Piracicaba, no interior de São Paulo, 255 dos 2 200 empregados foram tratados de dependência de álcool, cocaína, maconha e anfetaminas. "Atualmente temos 54 pacientes em reabilitação", diz Armando Carrasco, gerente médico da empresa. Entre os recuperados, a incidência de acidentes de trabalho despencou de 0,33 eventos por ano para 0,11; os acidentes pessoais (fora da empresa) caíram de 0,59 para 0,40; e o absenteísmo encolheu de 12,72 dias por ano para 8,65 dias. "O programa se paga e dá retorno", diz Carrasco.

Uma das mais bem-sucedidas experiências nacionais de prevenção e tratamento da dependência química é dirigida pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) do Rio Grande do Sul. Em convênio com a ONU, o Sesi criou, em 1995, o Projeto de Prevenção de Uso de Drogas no Trabalho e na Família, hoje implantado em 50 empresas gaúchas, entre as quais Tramontina, Manah, Marcopolo, Azaléia, Avipal, American Tool e Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre. O Sesi criou um modelo de atuação com avaliação de desempenho que organiza campanhas, distribui material e treina equipes nas empresas. O programa, cuja introdução está sendo estudada pelo Sesi de outros Estados, já foi exportado para países como Chile, Argentina e Uruguai. Os resultados impressionam: redução de 12,5% no alcoolismo, 40% no uso de drogas, 10% no absenteísmo, 30% nos atrasos e 34% nos acidentes de trabalho. "Nosso programa atua sobre um campo virgem de assistência", afirma Leda Ribeiro Pereira, coordenadora do projeto. Segundo ela, o retorno da experiência gaúcha apresenta resultados melhores do que os verificados em programas semelhantes dos Estados Unidos. Lá, onde há sistemas cruzados de prevenção, cada dólar investido em reabilitação gera 7 de economia para as empresas. No Brasil, como não há outras redes de prevenção, a relação é de 15 dólares de ganho para cada dólar aplicado. Com a duração de 18 meses, o programa do Sesi requer um envolvimento grande da área de recursos humanos das empresas. Na Marcopolo, a maior fabricante nacional de ônibus, em Caxias do Sul, foi montado um comitê de reabilitação com 12 integrantes, encarregado de detectar os casos de dependência entre 6 100 funcionários. "Nos últimos três anos, internamos 70 funcionários numa clínica de Santa Catarina", diz Almor João Ferreira, coordenador de recursos humanos da Marcopolo. "A reincidência foi de apenas 20%."

Os programas mais rigorosos são executados pelas filiais de multinacionais americanas. Na Caterpillar, na Shell, na Esso e na United Airlines, a testagem antidrogas de exames de urina é obrigatória. "A idéia é mesmo inibir o uso. Um funcionário nosso não pode estar na empresa sob efeito de drogas, pois isso põe em risco o patrimônio e os clientes", diz José Carlos Martins de Mello, gerente médico da Esso. Além dos exames de urina na admissão, todos os 1 600 funcionários da subsidiária brasileira (incluídos o presidente e a diretoria) são submetidos a testagens periódicas aleatórias e a novos exames nos casos de acidentes. Em 11 anos, já foram testados 6 284 funcionários, dos quais apenas 47 casos deram positivo (31 na admissão). "Isso significa que o anúncio da política de testagem, antes da contratação, já inibe as candidaturas inadequadas", diz Mello. A Esso exige a mesma política de sua rede de cerca de 100 fornecedoras. "O resultado é que no ano passado operamos uma frota de 700 autotanques sem nenhum acidente", afirma Mello.

A Embraer, que mantém um programa de prevenção desde 1984, adotou a testagem em fevereiro de 2000 induzida pelo crescimento das suas exportações para 20 países, que representam 98% de suas receitas. Seus dois principais clientes, responsáveis pela compra de 281 dos 550 aviões encomendados em 2001, são as companhias aéreas americanas American Eagle e Continental Express. Na verdade, pode-se dizer que a globalização empurrou a empresa de São José dos Campos para a adoção dos padrões e normas de segurança dos Estados Unidos. Este ano, a Embraer pretende testar todos os 10 500 funcionários das suas 3 fábricas, durante a admissão e anualmente, por sorteio aleatório. "Dos 4 214 testes realizados no ano passado, 42 deram positivo para álcool ou drogas como a maconha e a cocaína", diz João Bosco dos Santos, gerente de recursos humanos da Embraer. "Desses, 38 começaram tratamento." A empresa oferece internação em clínica especializada, apoio psiquiátrico e reuniões com grupos de auto-ajuda. "Não há nenhuma discriminação ou prejuízo para a carreira do dependente", diz Santos. "O fato de participar de um programa não constitui demérito para o indivíduo."

A aplicação da testagem, porém, não é exatamente pacífica. De um lado, estão as empresas que se baseiam no fato de que o acordo de trabalho é um contrato de direito privado, no qual o empregador determina as condições de emprego. Além disso, a Lei Antidrogas define a posse das drogas como crime, o que autoriza a demissão de usuários na empresa por justa causa. Na posição oposta estão os que consideram os testes uma violação da privacidade individual, garantida pela Constituição. "A inclusão da testagem obrigatória no contrato de trabalho, sem justificativa ou suspeita de uso, é inconstitucional", diz o jurista Walter Maierovitch, ex-titular da Secretaria Nacional Antidrogas. Há, entretanto, uma brecha legal. A Constituição admite a realização dos testes para profissionais cujo exercício esteja relacionado com a segurança pública, como pilotos de avião, médicos, motoristas de ônibus e policiais. Cabe à Secretaria Nacional Antidrogas regulamentar a matéria e enviá-la para o Congresso Nacional.

O consenso em torno do assunto parece improvável, e as resistências surgem de onde menos se espera. Em outubro do ano passado, por exemplo, a Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo determinou que seus 120 000 servidores fizessem os testes. A idéia era colocar os agentes da lei acima de suspeita. Quem se negasse receberia uma anotação de prontuário. A Polícia Militar começou os exames, mas, em novembro, o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo entrou com um mandado de segurança contra a medida. Em janeiro passado, o juiz Rogério Murillo Cimino, da 12a Vara da Fazenda Pública, julgou o constrangimento "ilegítimo a quem quer que seja". Todos os delegados sindicalizados foram isentos e o programa de testagem acabou sendo suspenso.

Relativamente recente no Brasil, a participação das empresas em programas de prevenção e apoio aos empregados que padecem da dependência química está longe de alcançar a extensão verificada em países como os Estados Unidos. Apesar dos avanços, é ainda pequeno o envolvimento do primeiro escalão das empresas com o problema, e são raros os presidentes que reservam um lugar para ele em sua agenda (veja o quadro "Sucesso e excesso", na pág. 49). Isso reflete, na verdade, a resistência existente na média e na alta gerência das empresas. Para uma parte apreciável dos executivos brasileiros o tema é considerado um tabu e de foro íntimo. "Programas de reabilitação são ótimos para o chão de fábrica, mas quase nunca sobem aos andares acarpetados", diz o psiquiatra paulista Fumio Nishiyama. "É lá que estão os executivos e diretores, justamente o pessoal submetido a maiores jornadas de trabalho e altas doses de estresse." O motivo da resistência, na avaliação de Nishiyama, é que o estigmada de pen-dência não é compatível com os ritos de manutenção da autoridade. Por isso as companhias em geral preferem protegê-los e tentar uma reabilitação em sigilo, em clínicas particulares, inclusive no exterior. "Além disso, quanto mais diferenciado, sofisticado e poderoso for o executivo, mais difícil torna-se abordá-lo", diz Nishiyama. "Eles são talentosos, onipotentes e sabem manipular." Para quem exerce o poder, a dissimulação é um imperativo. "Conheci um diretor da Fiesp que tomava chá freqüentemente. Só que dentro da xícara havia uísque. A secretária dele acobertava", afirma.

Imagine, então, João, operário de montagem, e Alfredo, diretor financeiro da mesma empresa. Os dois tomam um porre no domingo. João chega atrasado na segunda, trêmulo, com a cara inchada, indisposto e sem condições de trabalhar. Vai para o departamento médico, é diagnosticado e, se estiver em uma empresa moderna, é encaminhado para o programa de recuperação de alcoolismo. Alfredo acorda às 10 horas, telefona para a secretária, diz que segunda-feira é dia de passar nos bancos e não vai ao escritório pela manhã. Chega à tarde, também com a cara inchada. Afirma que tem papéis para assinar e tranca-se no escritório. "Os Joões são medicamentados ou demitidos, mas os Alfredos passam anos criando problemas sem ser percebidos", afirma o psiquiatra gaúcho Sérgio de Paula Ramos, coordenador de dependência química da Associação Brasileira de Psiquiatria. O problema, acredita Ramos, é que as empresas estão progredindo no tratamento dos Joões, mas são os Alfredos que costumam dar grandes prejuízos. "Há diretores que se levantam para ir ao banheiro, dão uma cheirada e voltam para a reunião", diz Ramos. "E a empresa paga pelo desatino deles."

Nem sempre os problemas gerados pela dependência química podem ser detectados a olho nu. Até mesmo os mais calejados headhunters, especializados em esquadrinhar as carreiras para encontrar o homem certo para o cargo certo, são enganados. "Esse tipo de informação privada dificilmente vem à tona", diz Dárcio Crespi, presidente da Heidrick Strugles. "A menos que existam hiatos na carreira do candidato que sugiram uma investigação."

Mas não é possível enganar a todos o tempo todo. Quando o problema aflora, pode significar o fim da linha para um profissional promissor. Foi o que ocorreu com um candidato a uma vaga de diretoria numa empresa de agribusiness sediada no Rio de Janeiro que estava sendo recrutado pelo headhunter Winston Pegler, presidente da Ray and Berndtson. "Era o candidato perfeito para o posto", diz Pegler. "O encontro foi um sucesso. Na primeira reunião com o presidente da empresa, o homem ganhou o emprego." O desastre aconteceu na volta para São Paulo. Na ponte aérea, feliz e relaxado, o candidato pediu um uísque. Pegler serviu-se de um, o executivo sorveu o seu, empinou um segundo, tornou-se inconveniente e, quando pediu o terceiro, a aeromoça atendeu-o com evidente má vontade. "Não acreditei quando ele passou a mão no traseiro dela e disse: 'Deixa disso, meu bem'." Em Congonhas, ao se despedir, o sujeito arrematou: "Vou dizer à minha mulher que fiquei com você até mais tarde. Quero ver minha gata". Pegler ligou do aeroporto mesmo para o Rio e afundou a candidatura. "Percebi que a pessoa que eu tinha vendido não era aquela", diz. "Havia outro dentro dele."

(Exame)

 
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