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Semana de 16.07.01 a 22.07.01

 

Negro chega à elite, mas desigualdade continua na África do Sul

Depois de sete anos do fim do apartheid, os negros da África do Sul já andam de BMW, moram em belas casas e freqüentam lojas, bares e restaurantes acessíveis antes apenas aos brancos.

O acesso à elite resulta da política de "ação afirmativa", com leis que determinaram, por exemplo, que as empresas refletissem em seus quadros a composição racial e sexual da sociedade, contratando mais negros (70% da população), mulheres (45%) e deficientes físicos (5%).

Porém, a desigualdade social prossegue. De acordo com o Banco Mundial, 13% da população tem qualidade de vida de Primeiro Mundo, enquanto 53% vivem na pobreza.

(Folha de S.Paulo)

 
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Elite sul-africana muda de cor

Sete anos de democracia racial na África do Sul mudaram radicalmente a paisagem humana em Johannesburgo. Negros confinados à periferia da cidade durante os 46 anos de regime de segregação racial (1948-1994) circulam hoje por Sandton, a área mais chique e exclusiva de Johannesburgo, com BMWs, moram nas belas casas do bairro e frequentam butiques, bares e restaurantes acessíveis antes apenas à velha elite branca.

Criar uma burguesia negra era uma das estratégias do novo governo para combater a desigualdade racial. Alçado ao poder nas primeiras eleições multirraciais de 1994, o partido Congresso Nacional Africano, de Nelson Mandela e do atual presidente Thabo Mbeki, adotou uma série de medidas, batizadas de "ação afirmativa", para promover o desenvolvimento da maioria negra.

A principal delas foi a aprovação, em 1998, de uma lei determinando que as empresas refletissem em seus quadros a composição racial e sexual da sociedade, contratando mais negros (70% da população), mulheres (45%) e deficientes físicos (5%).

A "ação afirmativa", segundo os especialistas, teve um papel importante na formação de uma nova burguesia nacional, mas não conseguiu, como esperava o governo, reduzir a desigualdade.

"Para ter impacto na desigualdade, você precisa de medidas drásticas para aliviar a pobreza. O que a "ação afirmativa" fez foi tornar as classes média e alta mais diversificadas racialmente", disse à Folha o cientista político Tom Lodge, da Universidade de Witwatersrand.

"Enquanto em 1990 a maioria das pessoas em posições de gerência ou em cargos técnicos era branca, hoje cerca da metade dessas pessoas é negra. Então, a "ação afirmativa" criou condições de mobilidade social para os negros, mas não reduziu a pobreza, que continua a mesma", acrescentou.

Pelos padrões internacionais, a África do Sul, com 42 milhões de habitantes e uma renda per capita de US$ 8.908, não é um país pobre. Está no pelotão intermediário, com bolsões de grande desenvolvimento. Mas enfrenta extremos de riqueza e de pobreza que, segundo um recente relatório da revista britânica "The Economist", são vistos apenas no Brasil.

De acordo com o Banco Mundial, 13% da população tem qualidade de vida de Primeiro Mundo, enquanto 53% vivem na pobreza.

O governo negro herdou distorções profundas do regime de apartheid, que destinava aos brancos 85% das verbas da educação e deixou uma massa de negros pobres e sem estudo. Mas a qualidade de vida da população em geral não tem melhorado.

Apesar de cidades como Johannesburgo e Cidade do Cabo contarem com ótima infra-estrutura e rede de serviços -a Cidade do Cabo parece uma cidade européia-, mais de 3 milhões de residências do país (de um total de 11 milhões) não têm eletricidade e água encanada. O desemprego atinge 30% da força de trabalho, e, para piorar, 1 em cada 5 adultos convive com o vírus da Aids.

"O governo está tentando resolver os problemas da comunidade negra", diz Lodge. "A qualidade da educação melhorou, e há tentativas de levar água e eletricidade aos mais pobres. Mas esses esforços serão inúteis se a oferta de emprego não aumentar", afirma.

Steven Friedman, do Centro de Estudos de Políticas, em Johannesburgo, acha que o grande erro do governo é acreditar que as receitas neoliberais em voga atrairão os investimentos para mover a economia. "O que faz a economia crescer é investimento em empregos, e não estamos obtendo isso, apesar dos esforços do governo para reduzir o déficit público e promover privatizações", disse Friedman à Folha.

Em relação a outros países do pelotão intermediário, a África do Sul tem recebido poucos investimentos estrangeiros diretos. De acordo com o instituto de pesquisa Economist Inteligence Unit, entre 1994 e 1999 (últimos dados disponíveis), o país recebeu US$ 32 por habitante, enquanto o Brasil atraiu US$ 106, a Argentina, US$ 252 e o Chile, US$ 333.

Na opinião de Friedman, os investidores estão inseguros em relação ao novo governo e ao rancor existente entre brancos e negros. Mas Lodge discorda. Para ele, o maior problema é a falta de liderança para promover reformas.

"Investidores estrangeiros que queremos atrair continuam preocupados com este país, com a segurança de seus investimentos, com o alto custo da mão-de-obra, com o ambiente trabalhista bastante regulamentado", salienta.

Enquanto políticos e especialistas discutem a melhor forma de mover a economia e aumentar a oferta de trabalho, a massa de desempregados vai sobrevivendo como pode ao lado de imigrantes ilegais que chegam aos milhares de todo o continente.

Muitos partiram para o setor informal, tomando as calçadas com suas barracas de frutas, de sapatos e de roupas. A nova elite negra não se mostra, no entanto, solidária com os problemas da maioria.

"Um estudo realizado na África do Sul revelou que o comportamento da elite negra é muito semelhante ao da velha elite branca. A burguesia negra não é hostil aos pobres, mas acha que cabe ao governo lidar com a pobreza. Infelizmente, a nova elite está tentando ser como a velha elite. Julga o próprio sucesso pelo tamanho de seus carros e casas e gasta grandes somas em roupas", diz Friedman.

Jovens brancos buscam trabalho fora do país

Mary, 54, uma moradora branca da Cidade do Cabo, está magoada porque o filho de 22 anos, formado em marketing, não conseguiu arranjar um emprego na África do Sul e partiu para Londres oito meses atrás.

Ela pede que seu nome completo não seja revelado, temendo ser acusada de racismo por criticar o governo. "As pessoas pensam que isso aqui é uma democracia, mas não é", disse Mary à Folha.

Mary é loira, tem olhos azuis e nacionalidade britânica. É casada com um branco sul-africano, mas o casamento nunca foi reconhecido pelo regime anterior porque Mary, embora filha de britânicos, nasceu em Gâmbia, país predominantemente negro.

Mary foi considerada "de cor" pelo regime de apartheid, que não permitia casamentos inter-raciais. Para permanecer no país, Mary precisava renovar constantemente o visto. "Sinto-me duplamente prejudicada", diz ela. "Antes eu sofria por ser considerada "de cor" e agora meu filho não encontra trabalho por ser branco", reclama. O filho de Mary decidiu mudar-se para Londres, onde trabalha em uma editora de livros.

Dados oficiais mostram que, entre 1994 e 1999, a África do Sul perdeu cerca de 9.000 brancos por ano. Mas esses números, segundo alguns analistas, não representam a realidade, porque muitos jovens estão emigrando sem avisar as autoridades. Uma pesquisa realizada em 1998 revelou que 234 mil brancos deixaram a África do Sul entre 1989 e 1997. Os dados oficiais registram apenas 82.800.

Mary diz que a "ação afirmativa", ao determinar que os negros ocupem a maioria dos cargos, reduziu muito as oportunidades para os jovens brancos que saem das universidades. Mas os analistas discordam. "O que está acontecendo é que há -e ainda haverá por muito tempo- uma grande desconfiança mútua. Os brancos ficaram com a impressão de que não há trabalho e nem se incomodam em procurar", diz Steven Friedman, do Centro de Estudos de Políticas, em Johannesburgo.

"As pesquisas mostram que o desemprego entre brancos é o mais baixo já registrado na história", observa o cientista político Tom Lodge, da Universidade de Witwatersrand. "Brancos com qualificação não estão tendo dificuldades para encontrar trabalho, mas há uma percepção errada que precisa ser corrigida", afirma.

Conseguir um emprego no exterior não tem sido difícil para os jovens brancos. Acredita-se que 750 mil sul-africanos tenham passaporte britânico, e as livrarias do país estão cheias de publicações com títulos como "Entre nos EUA", "Ache um Emprego na Austrália" e "Emigrando para Seis Países de Língua Inglesa".

Para Lodge, a emigração de jovens brancos é preocupante porque o país perde talentos de difícil reposição. Os jovens também são importantes para a melhoria das relações inter-raciais. O fim do apartheid deu poder político à maioria negra, mas não eliminou o preconceito e as suspeitas.

"Os brancos são mais polidos agora, nos tratam melhor quando procuramos emprego, mas não sabemos o que eles realmente estão pensando", diz Stanley Gova, um guia turístico de Soweto. Segundo ele, os negros perdoaram aos brancos, mas não esqueceram o apartheid.

Uma pesquisa divulgada no mês passado pelo Instituto de Justiça e Reconciliação da África do Sul mostra que muitos pensam como Stanley: 56% dos negros entrevistados acham que os brancos não são confiáveis e 50% não se imaginam tendo um amigo branco. Entre os brancos, 33% acham que os negros não são confiáveis e 19% não se imaginam tendo um amigo negro.

Segundo a pesquisa, 81% dos negros nunca comeram na mesma mesa com um branco.

Desigualdade entre os negros não gera ressentimentos

A desigualdade dentro do próprio grupo racial poderia gerar ressentimentos. Mas na Vila Mandela, uma favela de Soweto, o subúrbio negro de Johannesburgo, o clima é de euforia com a liberdade racial e há grande esperança no futuro e no governo.

Os cerca de 10 mil moradores aguardam há 11 anos para serem reassentados em algum novo conjunto habitacional. Eles vivem apinhados em barracos sem água nem eletricidade. Apenas cinco torneiras abastecem a favela, e os banheiros, cerca de 90, são compartilhados.

As condições precárias da favela não desanimam, no entanto, Beauty Zulu, 43, que vive em Soweto desde 1994, quando perdeu o emprego na Província de Kwazulu-Natal e, separada do marido, foi para Johannesburgo com as duas filhas.

Zulu trabalhava na indústria de vestuário e hoje vive de esmolas e da venda de artesanato para turistas. Mas o importante, para ela, é que as duas filhas, de 14 e de 19 anos, estão indo à escola. "Uma faz curso de computação", diz Zulu, orgulhosa.

Zulu lembra que, durante o apartheid, os negros vivam segregados e não recebiam educação adequada. Ter as filhas na escola é, para ela, a garantia de um futuro melhor.

Apesar das dificuldades, Zulu não reclama do governo. "As coisas demoram para mudar, e a pobreza não desaparece da noite para o dia", comenta.

"É preciso ter paciência", diz Stanley Gova, 29, um guia turístico de Soweto. "Precisamos dar uma chance ao governo, afinal, fomos nós que o escolhemos."

(Folha de S.Paulo)

 
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