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31/10/07

Empresas de TI "exportam" seus talentos brasileiros

Enquanto a maioria das pessoas ainda estará se recuperando da ressaca do Ano Novo, o recém-formado em ciência da computação pela Univesidade Federal do Rio Grande do Sul, Rafael Vanoni, 24 anos, estará embarcando para uma viagem que poderá decidir seu futuro profissional. Dia 1º de janeiro de 2008, ele seguirá para os Estados Unidos para fazer parte da seleta equipe de desenvolvedores da Sun Microsystems , no Vale do Silício - região da Califórnia famosa por reunir as maiores companhias de tecnologia da informação (TI) do mundo. Uma experiência profissional que poucos conseguem na sua idade.

Vanoni ficará alocado em uma das principais áreas da organização, a do sistema operacional Solaris, que possui código aberto e disputa com o Windows o milionário mercado de servidores. Assim como ele, alguns dos melhores talentos brasileiros ligados a atividade de desenvolvimento de software estão na mira das matrizes de multinacionais de TI ou de companhias brasileiras que se internacionalizaram para ocupar posições de destaque. Movimento que tem criado um novo problema para as empresas de tecnologia, porque agrava ainda mais a escassez de mão-de-obra no país.

Se por um lado já existia a escassez de gente para atender a demanda de novos projetos, agora será mais difícil substituir quem vai embora fazer carreira internacional ou participar de algum projeto no exterior. "É algo bastante preocupante", afirma Antonio Rego Gil, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Software e Serviços para Exportação (Brasscom). "O mercado de TI no Brasil cresce 10% ao ano, acima da média mundial". Ele alerta que 40 mil vagas ficam abertas todos os anos, boa parte ligada a atividades de desenvolvimento de software.

Escassez que deve piorar quando o modelo "offshore" - oferta de serviços vendidos por fornecedores localizados em países emergentes para multinacionais - ganhar fôlego no país nos próximos anos. A Brasscom prevê que o Brasil exportará US$ 5 bilhões em softwares e serviços em 2010. No entanto, para atingir esse patamar, será necessário formar 110 mil novos profissionais na área. Uma das iniciativas do governo e da entidade é a implantação de um projeto para formar programadores de software de nível técnico. As empresas associadas à Brasscom - como a Datasul, CPM Braxis, Itautec e Politec - se comprometeram a contratar, no mínimo, 10%.

Enquanto as ações para reverter esse quadro não saem do papel, as empresas tentam driblar o problema como podem. A CPM Braxis anunciou recentemente a contratação de 500 profissionais, entre programadores, analistas de sistemas, gerentes de projetos e arquitetos de sistemas, com conhecimento em linguagem de programação (Cobol, .Net, Java e soluções de ERP). Eles atuarão em um dos 14 centros de desenvolvimento da companhia.

Mas todo mês, segundo conta Veronika Falconer, diretora de RH da companhia, entre 250 e 300 pessoas ingressam na companhia, das quais 70%, em média, vão para a área de desenvolvimento. "Temos 400 vagas em aberto, a grande maioria na área técnica. E nosso desafio é achar gente boa o suficiente para atender toda essa demanda que temos, inclusive, para as unidades no exterior". Hoje, além do Brasil, a empresa está presente também nos Estados Unidos, México e Costa Rica.

Veronika reconhece que há dificuldade em achar gente no mercado, principalmente com domínio de linguagens de programação mais antigas, como cobol e mainframe, que deixaram de fazer parte dos programas das universidades. "Por essa razão, estamos investindo na formação lá no início que começa com os estagiários e se estende aos analistas de sistemas júnior", explica. "Com a escassez de recursos, buscamos o aluno mais cedo nas faculdades".

Solução que tenta minimizar ainda a exportação de desenvolvedores para as unidades no exterior. Isso porque as fábricas de software já atendem a projetos internacionais sob o modelo "off shore". Cerca de 12 profissionais são enviados por mês para uma de suas operações fora do país. Além disso, a CPM Braxis possui um programa específico que capacita os técnicos, sobretudo no inglês, para atuar lá fora nos centros de TI dos clientes em Cingapura (Sudeste asiático), Estados Unidos e Inglaterra.

No Brasil, hoje sobram 40 mil vagas de TI por ano, boa parte para desenvolvedores de softwares, segundo dados da Brasscom

"Mas a experiência nos mostrou que é mais fácil ensinar tecnologia do que inglês para quem tem formação técnica", ressalta Veronika. Não raro, a companhia recruta pessoas que tenham inglês, com raciocínio lógico e que queiram atuar na área de TI. Busca que envolve estudantes dos cursos de engenharia e administração de empresas. Em meio a esse cenário, quem sai ganhando é o próprio desenvolvedor que viu seu salário crescer. De acordo com a diretora de RH da CPM Braxis, eles estão 30% maiores se comparados há cinco anos. "E é claro que o perfil desse profissional também mudou. Hoje, ele precisa ter visão de negócios".

De acordo com Ricardo Basaglia, gerente da divisão de TI da Michael Page, empresas de seleção de executivos para média gerência, os salários estão valorizados para profissionais de desenvolvimento, que sempre tiveram uma remuneração pouco atraente. Agora, extremamente valorizados chegam a ganhar até R$ 12 mil mensais. "Principalmente quem é especialista na área técnica e atua em corretoras ou bancos de investimento", destaca. Para o consultor, esse aumento deve-se à dificuldade de retenção de talentos e à falta de profissionais disponíveis.

"Na área de desenvolvimento, existe um 'boom' tanto para demandas internas quanto para projeto 'off shore'", avalia. Basaglia explica que existe uma busca por profissionais com perfil diferenciado e conhecimentos em diferentes tipos de indústria. Ele afirma que a bola da vez são desenvolvedores com experiência na área financeira, raros de se achar no mercado e que até ganham "hiring bônus" - salários extras na hora da contratação. "Certamente, muitos serão disputados para ocupar posições lá fora".

Na Borland - desenvolvedora de software -, quatro brasileiros foram levados há alguns meses para a matriz nos Estados Unidos. No ano passado, esse número dobrou segundo José Eugênio Braga, vice-presidente comercial e de marketing da empresa para a América Latina. Ele diz que se a subsidiária tivesse 30 profissionais técnicos ligados a área de desenvolvimento para mandar, a matriz "importaria" todos. "O Brasil sempre foi um dos principais mercados para a corporação", afirma.

Atualmente, a empresa conta com uma equipe de 150 pessoas entre consultores e desenvolvedores. Apesar de toda essa movimentação, Braga acredita que o país deve se transformar no futuro em um grande exportador de talentos para a matriz, a exemplo do que acontece hoje na Índia. Mas o executivo diz que essa "fuga" de talentos não chega a ameaçar o escritório local, já que a empresa tem se preparado para criar substitutos. "Sabemos com antecedência quem vai embora e formamos sucessores".

Na Totvs - holding que controla a Microsiga, a Logocenter e a RM Sistemas - dos 200 profissionais que atuam fora do país - México, Argentina e Chile - 30 são brasileiros alocados em projetos. No Brasil, há um total de 500 funcionários e uma vaga de desenvolvedor é mais difícil de preencher do que a de analista de sistema. Por enquanto, a companhia continua pretendendo exportar talentos para suas unidades no exterior como uma forma de ajudá-las a crescer fora do Brasil. "No entanto, nossa meta é reforçar as parcerias com as universidades de cada país onde estamos presentes para desenvolver talentos locais", afirma Deborah de Toledo, gerente executiva de RH.

A Makesys, que possui uma fábrica de software em Sorocaba (interior de São Paulo), dobrou o tamanho da equipe de desenvolvedores para 100 em um ano e busca programadores Java para projetos nos Estados Unidos - no início do ano, mandou dois profissionais para o exterior. Entretanto, Juliana Bacaro do Amaral, gestora de RH da empresa diz que é ainda complicado encontrar desenvolvedores que tenham conhecimento avançado nas linguagens de programação .Net ou Java no mercado. "E muitos preferem, quando podem, fazer carreira internacional".

Rafael Zanoni nunca imaginou que sairia tão cedo de Porto Alegre para atuar fora do Brasil. Contratado em novembro de 2007 pela Sun, foi um dos 15 estudantes brasileiros selecionados para fazer parte do programa Embaixadores - criado há um ano nos Estados Unidos e que visa capacitar 170 universitários em 29 países - e o único do país a visitar o CEO (Chief Executive Officer) da companhia, Jonathan Schwartz. Seu desempenho chamou a atenção da matriz que fez o convite para ele trabalhar na Califórnia. "É uma oportunidade de participar de um grande projeto, que eu jamais teria aqui no Brasil", comemora.

Andrea Giardino
O Valor Econômico.