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entrevista
08/03/2005
Descriminalização do aborto, é tema de debate

O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, lançado em dezembro do ano passado, coloca a discussão sobre a descriminalização do aborto como ponto prioritário. O documento prevê que em 2005 seja elaborada uma proposta de revisão da legislação que pune as mulheres em casos de interrupção voluntária da gravidez.

A discussão pode resultar em alteração do Código Penal que data de 1940 e prevê pena de prisão para mulheres e profissionais de saúde que praticarem aborto. As exceções são para gravidez decorrente de estupro ou em casos em que a vida da gestante está em risco. Projeções de pesquisadores atestam que o número de casos de abortos clandestinos ultrapassa 1 milhão por ano no país. A estimativa supera os dados oficiais porque estima-se que somente mulheres com complicações pós-aborto recorrem aos hospitais.

Desde que o governo anunciou a intenção de discutir o tema, representantes da sociedade, como segmentos da Igreja Católica e até mesmo o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, já se manifestaram contra.

Nesta semana será definida qual a entidade religiosa irá acompanhar a discussão. A Secretaria de Políticas para as Mulheres propôs o Conic (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs) que reúne igrejas católicas, cristãs e evangélicas. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) reclamou ao presidente Lula por ter se sentido excluída do debate.

Médica sanitarista e ex-reitora da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, afirma que todos serão ouvidos, mas que o Estado brasileiro é laico. Depois de participar de um evento em Nova York onde se avaliou os dez anos da Conferência Mundial sobre a Mulher, Freire diz que as mulheres têm muito a comemorar no Dia Internacional da Mulher. "A nossa comemoração tem que ser com muito trabalho", disse.

Em entrevista à Folha Online, a ministra explicou como funcionará o grupo de discussão, quais as entidades que participarão do debate e os impactos que a possível descriminalização do aborto poderão ter na sociedade e nas relações do PT com a Igreja. Veja os principais pontos da entrevista:

Folha Online - O grupo de discussão estava previsto para começar o debate em janeiro. Por que o atraso?

Freire - A conclusão do grupo só poderia ser feita depois do retorno dos congressistas porque a terceira parte desta comissão é a representação do Congresso. Eles só retornaram no dia 15 de fevereiro. Com a questão da eleição [na Câmara] de novos líderes e a redefinição das comissões, isso trouxe algum atraso, mas até o fim do mês o grupo vai ser instalado.

Folha Online - Quais são as entidades civis que vão participar da discussão?

Freire - Temos quatro entidades do Conselho Nacional de Direitos da Mulher: o Fórum de Mulheres do Mercosul, a Secretaria Nacional de Mulheres da CUT, a Articulação de Mulheres Brasileiras e a Rede Feminista de Saúde. Vamos ter também uma entidade médica, a Febrasgo (Federação Brasileira de Gineco-Obstetrícia). Além disso teremos uma entidade religiosa. A secretaria apresentou uma proposta para que fosse indicado o Conic. Algumas conselheiras não concordaram e colocamos a questão em votação. Nesta semana a gente decide se é o Conic ou alguma outra entidade.

Folha Online - A CNBB, que já se manifestou contra a descriminalização do aborto, reclamou ao presidente Lula por ter se sentido excluída do debate. Por que ela foi impedida de participar?

Freire - A CNBB não foi excluída porque a comissão vai funcionar em regime de audiências públicas. Todos os segmentos da sociedade serão ouvidos ou por vontade de serem ouvidos ou por convocação ou convite. A CNBB certamente será um dos segmentos da sociedade a serem ouvidos. A secretaria propôs a inclusão no conselho do Conic por se tratar de uma entidade que abriga outras igrejas cristãs também. Estaríamos proporcionando um lugar nessa discussão a uma entidade que representaria várias igrejas, inclusive a

Igreja Católica. Fui conversar com a CNBB. A igreja tem a sua opinião, que deve ser respeitada pelos seus fiéis.

Folha Online - A história do PT está muito relacionada à da Igreja Católica, desde as comunidades eclesiais de base até a Comissão Pastoral da Terra, sem falar na Teologia da Libertação. A divergência numa discussão tão importante não pode comprometer a relação do PT com a Igreja em decisões futuras?

Freire - Machado de Assis dizia uma frase que eu não vou me lembrar dela exatamente como é, mas que diz mais ou menos o seguinte: nós não precisamos cantar a mesma música para dançar a mesma quadrilha. Nós não precisamos concordar em tudo para estarmos juntos. Divergir sobre um ponto, divergir sobre uma questão é normal na vida democrática. Uma coisa são os militantes do PT, o Partido dos Trabalhadores, os bispos do CNBB, outra coisa são os fiéis. O que é fundamental é que, enquanto governo, temos entendimento que o Estado é laico, isso está na Constituição e a laicidade do Estado tem que estar presente nas nossas atitudes também.

Folha Online - O país vive hoje uma grave crise na saúde. O Estado está preparado para lidar com as conseqüências de uma descriminalização do aborto em termos de tratamento ambulatorial, caso haja uma explosão de números de abortos?

Freire - Na quase totalidade dos países onde houve um processo de não criminalizar mais as mulheres pelo aborto, o número de abortos caiu dramaticamente. Junto com a não criminalização foram implementadas políticas preventivas. É o que nós estamos fazendo, estamos abrindo essa discussão, que não é para hoje nem para amanhã. Estamos implementando uma política nacional de planejamento familiar onde nosso objetivo é tornar acessíveis todos os métodos contraceptivos modernos e também as informações sobre eles, de maneira que a população possa se prevenir.

Aborto não é um método anticoncepcional. Aborto é um incidente na vida de uma mulher. Nenhuma mulher faz um aborto alegre, é sempre um momento muito traumático na vida de uma mulher. Ao contrário de apoiarmos o aborto, nós somos contra o aborto. Por isso queremos que as mulheres possam ser bem atendidas e que não sejam vítimas da ilegalidade, da clandestinidade, e que quando forem tenham todo o direito de serem atendidas nos hospitais. É isso que diz a norma técnica do Ministério da Saúde, que nós todos apoiamos, os métodos anticoncepcionais estão sendo comprados. Inclusive a contracepção de emergência estará disponível no serviço público de saúde.

Folha Online - Os cortes no Orçamento não poderiam comprometer algumas destas políticas?

Freire - Eu não tenho um "pânico orçamentário". A gente trabalha dia-a-dia fazendo a avaliação que tem que ser feita. É assim que os bons gestores trabalham, avaliando dia-a-dia as possibilidades de sua ação.

Folha Online - Este é o primeiro governo a instituir uma secretaria para tratar de políticas específicas para as mulheres. O que já foi alcançado nestes dois anos e qual será o foco da secretaria este ano?

Freire - A elaboração do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres é a que vai deixar mais lastro no futuro por ter contado com a participação de 17 ministérios e secretarias especiais. Ele materializa a reivindicação de transformar em realidade a perspectiva de igualdade entre homens e mulheres nas políticas públicas do país.

Para este ano, espero que seja aprovado no primeiro semestre o projeto de lei que encaminhamos em novembro do ano passado ao Congresso Nacional para coibir a violência doméstica contra a mulher. Nós temos ainda instrumentos jurídicos absolutamente frágeis, insuficientes para dar conta desse tipo de violência.

A idéia é que tenhamos instrumentos legais para que não aconteça o que nós vemos acontecer todos os dias. Entre a denúncia de uma ameaça e o tempo necessário para que se tome alguma providência, pelos tramites atuais, uma mulher morre.



JANAINA LAGE
da Folha Online

   
 
 
 

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