Para
economista, é preciso supervisionar o que ocorre na
sala de aula no Brasil; problema também afeta escola
particular
"Por que alunos cubanos vão tão melhor
na escola do que brasileiros e chilenos, apesar da baixa renda
per capita em Cuba?" A pergunta norteou estudo do economista
Martin Carnoy, professor da Universidade Stanford, que filmou
e mensurou diferenças entre atividades escolares nos
três países. No Brasil, o professor encontrou
despreparo para ensinar e atividades feitas pelos alunos sem
controle. "Quase não há supervisão
do que ocorre em classe no Brasil."
Para ele, o problema também atinge a rede particular.
"Pais de escolas de elite pensam que estão dando
ótima instrução aos filhos, mas fariam
melhor se os colocassem em uma escola pública de classe
média do Canadá." Carnoy sugere filmar
o desempenho dos professores. "Não basta saber
a matéria. É preciso saber como ensiná-la."
Ele esteve no Brasil na semana passada para lançar
o livro "A Vantagem Acadêmica de Cuba", patrocinado
pela Fundação Lemann.
FOLHA - O que mais chamou a sua atenção nas
aulas no Brasil?
MARTIN CARNOY - Professoras contratadas por indicação
do secretário de Educação do município,
que dirigem a escola e vão lá de vez em quando;
60% das crianças repetem o ano, e professoras pensam
que isso é natural porque acham que as crianças
simplesmente não conseguem aprender. Fiquei impressionado,
o livro [didático usado na sala de aula] era difícil
de ler. Precisaria ter alguém muito bom para ensinar
aquelas crianças com ele. Ficaria surpreso se qualquer
criança conseguisse passar [de ano]. Vi escolas na
Bahia, em Mato Grosso do Sul, em São Paulo, no Rio...
[entre outros].
FOLHA - Qual a metodologia do estudo?
CARNOY - Como economista, usei dados macro para explicar as
diferenças entre os países nos testes de matemática
e linguagem. Fizemos análises com visitas a escolas
e filmamos classes de matemática e analisamos as diferenças
entre as atividades em classe. Há uma grande diferença,
pais cubanos têm renda baixa, mas são altamente
educados, em comparação com os do Brasil. O
estudo foi finalizado em 2003 e depois comparamos Costa Rica
e Panamá. Na Costa Rica, há coisas engenhosas,
aulas com duas horas, em que se pode realmente ensinar algo.
Supervisionar a resolução de problemas de matemática
e, principalmente, discutir resultados e erros. Os alunos
cubanos têm aulas acadêmicas das 8h às
12h30. Depois, almoço. Voltam às 14h e ficam
até as 16h30, quando têm uma sessão de
TV por 40 minutos. A seguir, artes e esportes, mas com o mesmo
professor.
FOLHA - Ter o mesmo professor durante quatro anos (como os
cubanos) é uma vantagem?
CARNOY - Quatro anos, pelo menos. Mas os alunos não
mudam de um ano para outro. No Brasil, se alunos e professores
mudam muito de escola, como fazer isso? Se a ideia é
tão boa, se funciona, deveríamos fazer algo
para que pelo menos professores não mudassem tanto.
FOLHA - Qual a sua avaliação sobre a proposta
da Secretaria da Educação do Estado de São
Paulo que vincula o aumento de salário à permanência
do professor na mesma escola e à aprovação
em testes?
CARNOY - Sugeri ao secretário Paulo Renato que acrescentasse
um teste: filmar o professor, como no Chile. Professores de
outra escola avaliam os videoteipes. Professores podem ser
bons nos testes, mas péssimos para ensinar. Se você
tiver um professor experiente que foi bem ensinado a ensinar
e teve um bom desempenho com os alunos, a diferença
é visível em relação a uma pessoa
sem experiência, como eu. Profissionais que viram as
fitas disseram que há grande diferença entre
o professor cubano e o brasileiro.
FOLHA - A Secretaria da Educação pretende oferecer
curso de treinamento de professores de quatro meses. Em Cuba,
dura 18 meses, para o nível médio. O que é
importante num treinamento?
CARNOY - [Em Cuba] São oito meses para a escola fundamental.
Mas são para os professores que não foram à
faculdade. Você deve se lembrar que houve escassez de
professores, com o incremento do turismo, que atrai pelo pagamento
em dólares. Tiveram de produzir muitos professores,
muito rapidamente. Então, pegaram os melhores estudantes
do ensino médio e lhes ofereceram cinco anos de universidade
nos finais de semana. O que é importante nesses cursos
de treinamento é ensinar como dar o currículo,
como ensinar matemática. O Estado deve estabelecer
padrões claros, como na Califórnia. Isso é
o que tem de ser ensinado em matemática no terceiro
ano. No Chile, há um currículo nacional, mas
não ensinam aos estudantes de pedagogia como ensinar
o currículo.
FOLHA - O sr. dá muita importância ao diretor...
CARNOY - E também à supervisora, que em muitas
escolas no Brasil não fazem nada, não entram
em sala. Em Cuba, diretores e vice-diretores ou supervisoras
assistem às aulas. Nos primeiros três anos de
serviços de um professor, eles entram muito, ao menos
duas vezes por semana. São tutores que asseguraram
que a instrução siga o método e o nível
requeridos pelos padrões estabelecidos.
FOLHA - Os bônus a professores, como ocorre no Estado
de São Paulo, são um bom caminho?
CARNOY - Não há boas evidências de que
esse sistema de estímulo funciona. O modelo usado em
São Paulo, em que todos os professores ganham mais
dinheiro se a escola atingir a meta, pode funcionar. Tentaram
isso na Carolina do Sul, no final dos anos 80. Foi um grande
sucesso por poucos anos e, depois, deixou de sê-lo porque
não houve mais melhora. Eles só atingiram um
certo limite e não conseguiram mais progredir. Há
o efeito inicial do esforço e depois, quando as pessoas
têm que saber melhor como aprimorar o desempenho dos
alunos, nada acontece. E não existe mais na Carolina
do Sul. O que tem sido feito, em geral, nos EUA não
é bônus, mas punição. Se a escola
fracassa em atingir a sua meta em três anos, como na
Flórida, os estudantes podem receber vouchers e frequentar
escolas particulares, em vez de públicas. A forma como
estão fazendo em São Paulo não é
a melhor. Eles medem neste ano como a segunda série
aprende e, no próximo, quanto a segunda série
aprende. Mas não os mesmos alunos. Escolas pequenas
têm mais chance de receber bônus do que grandes.
Se a escola cai, não há punição.
Só não recebe bônus. Não estou
defendendo punição, só digo que eles
[bônus] são mal mensurados. Você pode fazer
como em São Paulo, mas não dar bônus todo
ano, e sim a cada dois anos. E aí poderá ver
o que se ganhou com os alunos que se mantiveram na escola
e ter as médias, mas com as mesmas crianças
através das séries. O problema da falta de professores
é mais grave porque é sobretudo um absenteísmo
autorizado, não é ilegal. Em Cuba, professores
e alunos faltam pouco. É tudo controlado.
FOLHA - Melhorar o ensino público provocaria uma avanço
na educação como um todo, inclusive nas escolas
particulares?
CARNOY - Pais de escolas de elite pensam que estão
dando ótima instrução aos filhos, mas
fariam melhor se os colocassem em uma escola pública
de classe média do Canadá. Mesmo os melhores
docentes brasileiros são menos treinados do que os
de Taiwan. Os melhores professores no Brasil têm em
média desempenho abaixo da média do professorado
de países desenvolvidos. Investir e melhorar a escola
pública, que é a base de comparação
dos pais, elevaria o resultado das melhores escolas particulares
também. Professores são bons em pedagogia, mas
não no conhecimento a ser ensinado. Não treinam
muito matemática e não sabem como ensiná-la.
FOLHA - O que do modelo cubano não pode ser transposto
considerando que Cuba vive sob ditadura?
CARNOY - Há, de fato, uma falta de criatividade [no
ensino]. Não se pode questionar, ser contra a Revolução.
Mas as crianças sabem que estão aprendendo o
esperado. São bons em matemática, sabem ler
bem e aprendem muita ciência, mesmo nas escolas rurais
ou de bairros urbanos de baixa renda. O Brasil tem a capacidade
de enfrentar esses problemas [ter crianças bem nutridas,
com bom atendimento médico]. Por que em uma sociedade
com uma renda per capita que não é tão
baixa não se faz isso? Acho que tem de ser construído
um sistema de supervisão, com pessoas capazes de ensinar
e treinar novos professores a ensinar. Os professores no Brasil
estudam muito linhas de pedagogia e menos como ensinar. Podem
esquecer tudo aquilo de Paulo Freire, um amigo. Devem ler
sua obra como exercício intelectual, mas queremos que
professores saibam ensinar.
FOLHA - Não é possível conciliar na
América Latina bom ensino com autonomia, democracia?
CARNOY - A melhor escola é a que tem professores com
democracia. Mas temos de ter um acordo de quais são
os nossos objetivos. Tony Alvarado é um supervisor
em Manhatan que trocou metade dos professores e dos diretores
para melhorar a qualidade das escolas. Ele disse aos professores:
"Este é o programa. Vão implementá-lo
comigo ou não? Têm uma semana para pensar. Se
não quiserem, são livres para sair".
FOLHA - No Brasil seria mais difícil...
CARNOY - Seria muito mais fácil! Um quarto do professorado
muda de escola todo ano! Em Nova York, não se demitiu.
Alvarado mandou-os para outros bairros. Precisa, no início,
de um certo autoritarismo. Porque alguém tem de dizer
o que fazer no início. E depois, sim, há uma
democracia. Os diretores devem se preocupar com os direitos
das crianças. Em Cuba, é o Estado. Aqui, os
sindicatos de professores preocupam-se com os direitos dos
associados - e estão em certos em fazê-lo. Mas
e as pobres crianças que não têm sindicatos
para defender seus direitos à educação?
Maria Cristina Frias
Roberta Bencini
Folha de S.Paulo
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