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Social
15/12/2006
Tráfico de drogas é trabalho, diz pesquisadora

Julia Dietrich
especial para o GD



"O tráfico de drogas é um trabalho. Embora informal e ilegal, o tráfico tem regras, obrigações e um contrato a ser cumprido. E, como qualquer atividade capitalista, precisa garantir sua estruturação para manter com segurança o consumo e ponte com seu consumidor. O jovem que entra no tráfico conhece bem o contrato que assina, porém esse mesmo lugar que pode lhe custar a vida, é o que lhe mantém vivo." A corajosa afirmação é da doutora em psicologia e pesquisadora do Instituto de Saúde de São Paulo, Márcia Feffermann, organizadora e palestrante da mesa Juventude e Sociedade do Trabalho, parte do Seminário Juventude, Violência e Políticas Neo-liberais, realizado na cidade de São Paulo.

Segundo a pesquisadora, os jovens se inserem no tráfico porque nele encontram um espaço de continência, responsabilidade, trabalho e referência. "Trabalhando com escolas públicas, ouvi de muitas meninas que não estão propriamente inseridas no tráfico, inúmeros elogios aos rapazes que carregam fuzis. O tráfico garante status de poder e garante dinheiro que permite a inserção social, ainda que fictícia, pelo consumo."

Segundo ela, a violência juvenil se organiza pela vulnerabilidade de suas vítimas e agressores, construindo uma situação de duplo-risco pela baixa escolaridade e falta de inserção no mercado de trabalho que leva ao consumo de entorpecentes como o álcool e as drogas e à integração em grupos de reconhecimento social, manifestadas nas gangues e no tráfico por ilusões de consumo e poder.

"Entretanto, não há relação direta entre pobreza e violência. Existe sim uma violência de Estado que se manifesta ora hiper poderoso na sua atuação coersiva, ora omisso na sua responsabilidade social," garante a pesquisadora, observando que, no país, as leis perderam seu poder normativo, criando um vácuo para que pequenos grupos possam atuar. "Todos se sentem vulneráveis e todos buscam atacar," explica.

Um exemplo claro dessa teoria é o recente caso-denúncia, envolvendo os policiais aposentados no Rio de Janeiro. O jornal O Globo desse final de semana denunciou as milícias que atuam com carta branca do Estado para prender e coagir jovens envolvidos ou suspeitos de envolvimento no tráfico de drogas para garantir a segurança dos Jogos Pan Americanos de 2007. "Esses policiais não podiam ter esse tipo de poder, ainda mais, legitimado governamentalmente. É uma situação que constrói um medo social," explica.

A pesquisadora aponta que o jovem é a vitrine que exacerba essas relações, fomentadas pelo preconceito, medo e raiva, afirmando que a sociedade se organiza para julgar todos os jovens pobres, especialmente os negros, como perigosos.

Em sua opinião, para pensar na construção de políticas públicas, é preciso compreender a complexidade das relações sociais que perpassam e se refletem nos jovens, desmistificando os preceitos negativos e preconceituosos propagados pelos meios de comunicação. "Um exemplo disso, foi o Jornal do Brasil ter retirado a tarja dos olhos do menino que podia estar envolvido no tráfico. Amparados por uma falsa motivação de segurança nacional, expuseram violentamente um jovem, rompendo com os próprios princípios legais da imprensa," diz ela que observa que a mídia só ampara o discurso burguês, perdendo a capacidade de compreender, entender e até mesmo ver o outro.

Para ela, os jovens que estão no tráfico, embora sejam cunhados como os propagadores da violência, são os que mais morrem por homicídios. "Eles valorizam a força e ignoram e repudiam a fragilidade do outro, reproduzindo os modelos que o próprio capitalismo constrói e propaga nas relações sociais, de consumo e trabalho," explica.

Segundo os dados obtidos na pesquisa de Fefferman, esses jovens são vistos como ameaça para todos, pois denunciam as características exacerbadas da sociedade de consumo."Eles precisam ser astutos para garantir a sobrevivência. São compulsivos porque a lógica do capital é essa e são cruéis porque são vítimas de inúmeras e constantes humilhações, produtos dessa invisibilidade governamental e, em contrapartida, intensa, visibilidade para a polícia," diz

"É impossível pensar em melhorar a situação do genocídio de jovens, se continuarmos a impor de cima para baixo as ditas políticas públicas e sem consultar e entender a imensa capacidade que eles têm de construir e transgredir modelos que, embora continuem reproduzidos pelos governos e entidades, estejam completamente esgotados," conclui.

   
 
 
 

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