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força feminina
22/10/2004
No Brasil, 25% das famílias são chefiadas por mulheres

Simone Braz de Oliveira, 30 anos, cata papelão e latinhas no lixo dos condomínios ricos próximos à Cidade de Deus, onde mora num barraco de madeira à beira do Rio Grande. Com Simone, vivem o companheiro desempregado, uma filha de 11 anos e dois netos dele. É ela quem garante a comida na panela correndo atrás de doações e vendendo material para reciclagem. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, 31,9% das famílias são chefiadas por mulheres, guerreiras como Simone.

Os dados são do último PNAD, pesquisa nacional de amostra de domicílios realizada pelo IBGE entre os anos de 2002 e 2003.

“O aumento de mulheres chefiando famílias reflete as mudanças que ocorreram na sociedade. Também crescem famílias chefiadas por uma só pessoa”, analisa Clara Araújo, pesquisadora e professora de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da UERJ

Simone estudou até a segunda série do ensino fundamental. Seu companheiro é pedreiro, está sem trabalho há dois anos e, às vezes, ajuda a coletar as latinhas e o papelão. Ela não esconde que se sente desconfortável com o fato de sustentar a casa. “Quem deve manter é o homem”, opina. “Gostaria que ele arranjasse um emprego fixo, rezo todo dia para isso acontecer. Quando ele está trabalhando, não gosta que eu trabalhe”, completa.

Homens na chefia têm mais ajuda
O grupo de mulheres que chefiam famílias tem relação direta com a pobreza. O PNAD revela que 57,9% das mulheres da região metropolitana do Rio têm rendimentos que vão de meio a dois salários mínimos, enquanto os homens ocupados com os mesmos rendimentos representam 37,7%.

“Quando o homem é o chefe de família, muitos são casados e a renda familiar é a soma do trabalho dos dois. Em cerca de 95% dos casos, a chefe mulher é sozinha e tem que arcar com o ônus da vida familiar”, analisa Clara. “Ainda existe uma idéia corrente, preconceituosa, de que a renda feminina é complementar, por isso é menor”, completa.

Nelly da Cruz Lima, 65 anos, moradora da Cidade de Deus, na Zona Oeste, é responsável pela família de dois filhos e cinco netos. É diarista desde a morte do marido, quando os filhos ainda eram crianças. Dribla as dores nos joelhos causadas pela artrose para enfrentar as faxinas nas casas de suas clientes. “Já suportei muita coisa. As patroas não pagam o que vale o serviço, mas a gente aceita porque precisa”, conforma-se a diarista.

Ela é um exemplo de uma outra tendência apontada pelas estatísticas - a de idosos que ainda trabalham mesmo recebendo aposentadoria ou pensão. No Rio de Janeiro, cerca de 5,6% das mulheres e 18,1 % dos homens com 60 anos ou mais e que recebem aposentadoria ainda exercem algum tipo de atividade remunerada.

Menor escolaridade, menos emprego
Na avaliação da socióloga Clara Araújo, as chefes de família em pior situação são aquelas com baixa escolaridade e menor competitividade no mercado de trabalho. “Já procurei vagas para passar roupa, cozinhar e fazer faxina. É só o que eu sei fazer, mas não consigo”, lamenta Simone.

São justamente as mulheres que estudaram até três anos que mais sofrem com a falta de emprego - destas, somente 11% declararam ter alguma ocupação remunerada, contra 49,9% das mulheres com 11 anos ou mais de estudo.

A venda do material que recolhe do lixo rende tão pouco que Simone não sabe contabilizar quanto ganha por mês. O sustento da família precisa ainda de doações. “Sou eu quem corre atrás das cestas básicas. Quando não tem papelão para catar e nada para comer dentro de casa não sei o que fazer”, confessa a catadora.

Mulheres ganham menos 30%
A participação das mulheres no mercado de trabalho cresceu nos últimos dez anos, enquanto a dos homens se retraiu. Mesmo assim, elas ganham 30% a menos do que eles, em média. “As áreas que absorvem mais mulheres antes eram dominadas por homens. Quando elas entram, o piso salarial também diminui”, observa Clara.

Elas lideram nas categorias de trabalhos não remunerados, entre trabalhadores que produzem para o consumo próprio e entre trabalhadores domésticos, mostrando que ainda existem diferenças marcantes no tipo de ocupação entre homens e mulheres “Existe uma segregação ocupacional, campos de trabalho característicos de mulheres e homens. Mas isso está mudando, pouco a pouco”, analisa a socióloga.

A rotina do trabalho doméstico é bem conhecida por Nelly. Ela trocou o emprego de servente em um hospital, com carteira assinada, para ser diarista autônoma. “Trabalhar em casa particular é mais sossegado, não tem tanta fofoca. Eu chego, a patroa sai e não tem chateação”, revela.

A aposentada consegue realizar, em média, 14 faxinas por mês, a R$ 50 cada uma. Somando à aposentadoria, ela consegue manter as contas da casa e aposta que como diarista ganha mais do que muito homem. “Quatrocentos reais, que é o que se paga por aí, é muito pouco para quem tem filhos e mulher para sustentar”, opina.

Presença nas escolas
Mas nem todas as perspectivas são negativas. O aumento da escolaridade entre as mulheres, e o predomínio delas no ensino médio, é sinal de que as estatísticas desfavoráveis tendem a mudar. Uma das razões para elas estarem em maior número nos bancos de escola é a evasão escolar dos rapazes para ingressar no mercado de trabalho.

“A escolaridade e a qualificação profissional são aspectos importantes que contribuem para melhorar a situação da mulher”, avalia Clara.

No Rio de Janeiro, a média de anos de estudo entre a população ocupada é de 9 anos para elas e de 8,2 para eles. “Esse é um sinal importante. No começo do século passado elas não podiam nem ir a escola”, compara a socióloga.

Fernanda Pimenta Maciel tem 28 anos, está separada e com uma filha de 3 anos. Em 2002, ela trabalhava em um estacionamento e decidiu fazer um curso técnico de especialização em instrumentação cirúrgica. “Já tinha o diploma do ensino médio e estava ali, ganhando cerca de R$ 400 e sem perspectivas. Resolvi voltar a estudar”, conta. Desde agosto, ela trabalha como profissional liberal em uma equipe que realiza cirurgias em diversos hospitais.

Ela rompeu um casamento de 10 anos e banca a maior parte das despesas da filha, mas está na briga por uma pensão alimentícia para a criança.

Quando decidiu fazer o curso, Fernanda ainda estava casada. O ex-marido, que é técnico em informática, ficou assustado com a possibilidade de ver sua mulher ganhar mais do que ele. “Tem homens e tem machos. Os homens podem até ficar desconfortáveis, mas aceitam. Os machos não”, opina. Ela acredita que os benefícios de ter um trabalho próprio estão além da independência financeira: “Quem fica sem trabalho acaba tendo todo o tipo de problemas emocionais”.

Virada tem preço
Insatisfação é a palavra-chave para compreender a indisposição das mulheres com seus relacionamentos. “Para a mulher que trabalha, o marido pode acabar sendo um estorvo, porque além de não ajudar nas tarefas domésticas, ele ainda cria novas demandas que as sobrecarregam”, observa Mirian Goldenberg, doutora em antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que realizou pesquisa sobre as mudanças nos papéis de gênero, sexualidade e conjugalidade da cultura brasileira.

Aquelas que decidem dar uma virada na vida podem pagar um preço alto. Mas nem por isso devem se lamentar. “A mulher chefe de família não é vítima. O aumento do número de mulheres chefiando famílias está ligado a vários fatores. Entre eles, escolhas pessoais de romper com casamentos opressores”, enfatiza a socióloga Clara Araújo.

Uma pesquisa realizada pelo departamento de Ciências Sociais da UERJ mostra que grande parte dos homens está aberta para questões como o direito das mulheres, a participação no mercado de trabalho e reconhecem que deveriam se comprometer mais com os filhos.

Mas quando a pergunta é sobre o trabalho doméstico, a dupla jornada ainda recai sobre elas: 70% das mulheres afirmam que lavam e passam as roupas, enquanto entre os homens, o índice é menor do que 10%. “Estamos caminhando para uma mudança de mentalidade e de atitude. Mas a maneira como são compartilhadas as tarefas domésticas mudou pouco”, analisa Clara.

Saúde pública precária
Para a diarista Nelly, uma das coisas que mais comprometem a atividade profissional é a debilidade dos serviços de saúde pública. “Tinha que ter mais serviços para as mulheres e seus filhos”, reivindica.

Na opinião de Clara Araújo, os serviços de saúde afetam indiretamente as mulheres. “Se tem alguém doente, uma criança ou um idoso, é ela quem vai para a fila perder o dia todo de trabalho, arriscando o seu emprego” avalia.

Não ter onde deixar os filhos também é um empecilho para a mulher que busca trabalho. “Tem vezes que não vale a pena trabalhar e ter que pagar alguém para olhar a criança”, justifica a catadora Simone.

Para Fernanda, a ajuda da mãe e da ex-cunhada são fundamentais quando não dá tempo de apanhar o filho na creche. “Trabalho mais tranqüila sabendo que posso contar com a ajuda delas”, reconhece.

“Segundo uma pesquisa da ONU, vai levar cerca de 400 anos para termos igualdade de gêneros no mundo todo”, avalia Mirian. Para a antropóloga, a tentativa de conciliar o papel de mãe, dona-de-casa e profissional acaba comprometendo o investimento na carreira. “Elas se auto-excluem do mercado de trabalho, querem entrar na competição de uma forma mais light e valorizam outros papéis além do profissional”, observa.


As informações são do site Viva Favela.

   
 
 
 

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