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Propagandas
de cerveja violam as regras do código de auto-regulamentação
publicitária do CONAR, segundo o julgamento dos adolescentes
O alerta é
resultado de pesquisa realizada no Departamento de Psiquiatria
da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). O estudo
está sendo financiado pela Fapesp (Fundação
para a Pesquisa do Estado de São Paulo) e coordenado
pela professora do Departamento de Psiquiatria Dra. Ilana
Pinsky e pelo advogado e aluno de pós-graduação
Alan Vendrame.
Os resultados do estudo apontam que as propagandas de cerveja
violam grande parte das regras do código brasileiro
de auto-regulamentação publicitária destinadas
a disciplinar o conteúdo das propagandas. Das 16 regras
incluídas na pesquisa, 12 foram violadas, segundo o
julgamento do público adolescente. Os dados serão
apresentados, no início de junho, em Budapeste, durante
importante congresso europeu sobre políticas públicas
do álcool (33rd Annual Alcohol Epidemiology Symposium
of the Ketil Bruun Society), e no mês de julho, no 30thAnnual
Scientific Meeting of the Research Society on Alcoholism,
em Chicago.
De um total de 32 propagandas de televisão de cerveja
e bebidas ICE, veiculadas no verão 2005/2006 e durante
os jogos da Copa do Mundo de futebol da Alemanha, foram selecionadas
as 5 mais populares e conhecidas entre os adolescentes, todas
de cerveja e de marcas diversas.
Um grupo de 282 adolescentes, estudantes do ensino médico,
após assistir a cada uma das 5 propagandas, respondeu
um questionário construído com base nas regras
do código-brasileiro de auto-regulamentação
publicitária do CONAR, destinadas a disciplinar o conteúdo
das propagandas. Cada regra foi coberta por, no mínimo,
uma questão. As respostas indicavam a ocorrência
de violação ou não de cada uma das regras
avaliadas, sem que os adolescentes soubessem que estavam julgando
de acordo com as regras do código.
Dados que chamam a atenção são os que
se referem às regras destinadas a proteger crianças
e adolescentes do conteúdo das propagandas. Considerando-se
o conjunto das cinco propagandas avaliadas, todas as regras
desta parte do código foram violadas. Para se ter uma
idéia, as regras 2 (a propaganda não será
dirigida a crianças e adolescentes) 2c (os anúncios
não deverão usar linguagem, recursos gráficos
e audiovisuais pertencentes ao universo infantil) foram violadas
em todas as propagandas. A regra 2c1 (deverão evitar
a exploração do erotismo) foi violada em 4 das
5 propagandas.
Ressalte-se, ainda, que a regra de idade mínima para
personagens e atores dos comerciais (25 anos) obteve altos
índices de violação em 3 propagandas.
Dessa maneira, a grande maioria dos adolescentes consideraram
que os atores dessas propagandas tinham menos do que 25 anos.
Regras destinadas a proibir as propagandas de incentivar o
consumo abusivo e irresponsável de álcool foram
significativamente violadas. As mais violadas e que merecem
destaque foram a 3 (a publicidade não deverá
induzir, de qualquer forma, ao consumo abusivo e irresponsável
de bebidas alcoólicas), a 3b (não devem dar
a impressão de que o produto está sendo recomendado
ou sugerido em razão de seus efeitos sobre os sentidos)
e 3h (não se utilizarão de imagens, linguagem
ou idéia que sugiram ser o consumo do produto sinal
de maturidade ou que contribua para o êxito profissional,
social ou sexual).
A regra que foi julgada violada por quase unanimidade dos
adolescentes-juízes foi a 2c2 (as propagandas não
conterão cena, ilustração, áudio
ou vídeo que presente a ingestão do produto.
Não conterão cena, ilustração,
áudio ou vídeo que apresente a ingestão
imoderada do produto). No caso de uma das propagandas, 97,5%
dos adolescentes responderam que houve violação
a essa regra.
As únicas regras não violadas foram a 3d (não
devem associar positivamente o consumo do produto à
condução de veículos), 3e (não
devem encorajar o consumo em situações impróprias,
ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis), 3f
(não associarão o produto ao desempenho de qualquer
atividade profissional) e 3g (não associarão
o produto a situações que sugiram agressividade,
uso de aramas e alterações do equilíbrio
emocional).
No atual contexto brasileiro das propagandas de bebidas alcoólicas,
os achados desta pesquisa se mostram importantes.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), órgão do governo federal brasileiro
promoveu, no último ano, uma série de audiências
públicas sobre as propagandas de cerveja. Chegou-se
ao consenso de se proibir a veiculação destas
propagandas em TV, no horário entre 8h00 e 20h00, com
o objetivo de proteger o público de crianças
e adolescentes da influência das mensagens (www.anvisa.gov.br).
Nos próximos 180 dias, a ANVISA vai editar uma resolução,
contendo a proibição.
Embora a regulamentação, por parte da ANVISA,
seja uma tentativa positiva do governo brasileiro de disciplinar
as propagandas de cerveja, importante ressaltar que os dados
do presente estudo revelaram que, independentemente do horário
de veiculação, o conteúdo das propagandas
avaliadas foi julgado como atrativo ao público adolescente,
além de incentivar o consumo abusivo e irresponsável
de álcool. Aparentemente, a limitação
da veiculação em determinados horários
não evita, necessariamente, a exposição
de crianças e adolescentes às propagandas de
cerveja, principalmente após as 20h00.
Além disso, observou-se que a imposição
de regras, sem a efetiva fiscalização de cumprimento,
prejudicou a eficácia normativa, proposta pela auto-regulamentação
brasileira.
Também foi possível presenciar, nos últimos
meses, uma série de debates no âmbito do Congresso
Nacional (poder legislativo). De um lado, há quem defenda
a restrição total das propagandas de bebidas
alcoólicas e os que defendem restrições
parciais, porém, impostas por lei e submetidas, em
decorrência, ao controle judicial. Ambos, em geral,
sob os mesmos fundamentos, de que as propagandas de bebidas
alcoólicas influenciam e incentivam os jovens a iniciar
o consumo de álcool cada vez mais precocemente e a
consumir com mais intensidade, fatores reconhecidamente associados
a problemas importantes de saúde pública.
De outro lado, as indústrias de bebidas, juntamente
com setores da publicidade e propaganda, defendem a eficácia
do controle ético e da auto-regulamentação,
afirmando a desnecessidade de edição de leis
e, portanto, do controle público ou judicial, para
regulamentar e controlar as propagandas de bebidas alcoólicas.
Isso porque o controle ético funcionaria e, portanto,
as propagandas obedeceriam as normas da auto-regulamentação
(Narchi, 2005).
Os dados levantados pela pesquisa mostram uma outra realidade.
De fato, é possível afirmar que as propagandas
de cerveja avaliadas violaram, de modo significativo, os dois
princípios norteadores das regras do código
brasileiro de auto-regulamentação publicitária,
voltados ao conteúdo das propagandas: proteção
a crianças e adolescentes e a proibição
do induzimento ao consumo abusivo e irresponsável de
bebidas alcoólicas. Não há razão
para supor que as violações encontradas sejam
exclusivas às cinco propagandas analisadas. De fato,
a maioria dessas propagandas era parte de campanhas das respectivas
marcas de cerveja, com conteúdos semelhantes que ainda
são veiculadas na televisão até hoje.
É importante ressaltar que as 5 propagandas escolhidas
representam as mais vistas e apreciadas por adolescentes,
o que torna a violação do código ainda
mais alarmante.
Veja o resultado da pesquisa em porcentagem
Pesquisa na íntegra:
Beer
ads on brazilian television: an evaluention of violations
of the self-regulated code
Does
alcohol advertising influence youth’s relationship with
alcohol? A study among 6th and 7th grade Brazilian students.
As informações são parte da pesquisa
realizada no Departamento de Psiquiatria da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo).
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