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entrevista
29/10/2004
Historiador inglês critica cota racial

O historiador inglês Peter Burke, 67, em visita ao Brasil, faz críticas à adoção do sistema de cotas raciais no país e defende que o critério de reserva de vagas na universidade deveria ser exclusivamente econômico.

Professor aposentado da Universidade de Cambridge e um dos principais especialistas em história cultural, Burke diz temer que o Brasil perca sua identidade de país mestiço.

"Lamentaria se o Brasil se tornasse um país onde ou você é negro ou é branco, como acontece nos EUA", disse ele ontem à Folha, em Caxambu (MG), onde está para participar do 28º Encontro Anual da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que acontece até amanhã.

Atualmente escrevendo um livro sobre o antropólogo Gilberto Freyre (1900-1987), Burke descreve sua primeira impressão ao encontrar o autor de "Casa Grande & Senzala" e apologista da miscigenação brasileira. "Eu o assisti dando uma aula na Inglaterra, nos anos 60. Ele falou sobre miscigenação. E me lembro de achar que ele era bastante branco, parecia português. Achei engraçado: tão europeu, e lá estava ele elogiando a mistura."

A seguir, trechos da entrevista.

Folha - Quais eram suas expectativas quando Lula foi eleito e qual sua impressão sobre seu governo até agora?
Burke - Não tinha grandes expectativas. Tenho certeza de que ele gostaria de mudar bastante o país, mas é sofisticado o suficiente para saber que não pode fazer as coisas rapidamente. E que a primeira prioridade era não destruir a confiança financeira [internacional]. Então está sendo mais conservador do que gostaria, e eu não estou nem um pouco surpreso com isso.

Ao agir cautelosamente, você age com maior eficácia, quando grandes mudanças estão ocorrendo. E me parece que agora, na educação, provavelmente aconteça uma reforma universitária, que inclui a discussão sobre as cotas. Se ele fizer isso, será uma grande mudança.

Folha - O que o sr. pensa da adoção de cotas no Brasil?
Burke - Como uma pessoa de fora, me parece muito estranho, dada a história do Brasil, que alguém queira ter esse sistema de cotas no país. Afinal de contas, me contaram todas essas histórias maravilhosas sobre ninguém aqui saber qual a sua cor, porque a aparência física pode não demonstrar se você tem sangue africano ou o que quer que seja.

Os mórmons americanos tinham essa regra que pessoas negras não podiam ser bispos da igreja. Quando vieram ao Brasil, não puderam decidir quem era negro, e modificaram a regra. O que é importante, a meu ver, é que os pobres tenham cota. O critério deveria ser econômico. Pode muito bem acontecer que muitas dessas pessoas sejam negras, mas é melhor ter o critério econômico.
Lamentaria se o Brasil se tornasse um país onde ou você é negro ou é branco, como acontece nos EUA.


Folha - O sr., pessoalmente, consegue distinguir com facilidade quem é branco de quem é negro no Brasil?
Burke - As aparências enganam. Você pode ser bem branco, e ainda assim ter uma avó negra. Estou agora escrevendo um livro sobre Gilberto Freyre. Não significa [a dificuldade de dizer quem é branco e quem é negro] que vamos aceitar a idéia de "democracia racial". Vou discuti-la criticamente, e tentar entender como ele chegou a dizer isso.Eu o assisti dando uma aula na Inglaterra, nos anos 60. Ele falou sobre miscigenação. E me lembro de achar que ele era bastante branco, parecia português. Achei engraçado: tão europeu, e lá estava ele elogiando a mistura.

Folha - O sr. acha que esse discurso da miscigenação é apenas ideológico no Brasil?
Burke - Não somente. Foi usado ideologicamente. Eu nunca teria usado o termo democracia racial. É uma metáfora infeliz. Mas há mais miscigenação aqui do que em outros lugares, e isso teve algumas das conseqüências positivas que ele sugere.

Folha - E o sr. acredita que isso não deveria ser perdido?
Burke - Exatamente.


RAFAEL CARIELLO
da Folha de S.Paulo

   
 
 
 

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