Amores
possíveis
Depois
de suavizar a tensão da rotina administrativa da cidade
com três taças de vinho e beliscar cubos de chocolate
cobertos com caramelo, servidos de sobremesa, a prefeita Marta
Suplicy permitiu-se pensar em voz alta: "O poder é
um perigo para a alma".
Na condição
de mulher e psicóloga que ocupa um dos cargos mais
importantes do país, ela dizia estar consciente de
que a luta política brutaliza as relações
afetivas. Os poderosos são alvejados pelos adversários
e bajulados pelos subalternos.
Respiram
a lógica fria do poder, na qual sobressaem o cálculo
e o interesse. "Difícil manter o afeto desinteressado",
comentou, sabendo como é ainda mais complicado, nesse
jogo, preservar a vida pessoal, muitas vezes reduzida a munição
para tirar votos ou transformada em fonte de fofocas para
a imprensa.
Poucos
dias depois dessas reflexões, Marta e Eduardo, um dos
casais mais charmosos da cidade de São Paulo, anunciaram
o fim de um casamento de 36 anos. O impacto vai muito além
das colunas sociais: ambos, por seu encanto e por sua credibilidade,
acabaram tocados pelo sonho de chegar à Presidência
da República.
Experientes
analistas rapidamente decretaram o fim dos anseios presidenciais
de Marta. Já seria um fato inusitado uma mulher no
Palácio do Planalto, transpondo preconceitos machistas.
Ainda mais surpreendente seria uma divorciada afrontar as
tradições de uma nação católica.
A análise
faz sentido. Ela pode perder politicamente, mas, a julgar
pelas estatísticas paulistanas, ficou mais com a cara
da cidade que governa. É cada vez maior o número
de mulheres que avançam nos guetos masculinos -política,
por exemplo-, conseguem sustentar-se por conta própria
e assumem a chefia das famílias. Em São Paulo,
a escolaridade das mulheres já supera a dos homens.
Ganham,
na marra, os direitos, mas passam a viver os conflitos causados
pelas dificuldades de combinar família com trabalho;
realizam-se com os progressos profissionais, mas angustiam-se
com as distâncias afetivas, principalmente em relação
aos filhos. Graças à autonomia obtida no trabalho,
não precisam submeter-se à supremacia dos maridos.
Marta
torna-se espelho da crescente legião de mulheres independentes
que, em nome do afeto, preferem a inconveniência da
separação à conveniência forçada
do matrimônio.
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