Dinheiro
encontrado no lixo
Organizados
numa cooperativa em Curitiba, catadores de lixo livraram-se
dos intermediários e conseguem ganhar por mês,
em média, R$ 600,00 _ o salário inicial de uma
professora de escola pública em São Paulo.
O negócio prosperou porque está em Curitiba,
cidade conhecida dentro e fora do país pelo sucesso
na reciclagem do lixo.
Num esforço de 10 anos, Curitiba tornou-se o município
brasileiro campeão de reciclagem: 20% de todo o lixo,
cerca de 450 toneladas por dia. Impressiona até mesmo
para os padrões de países desenvolvidos.
Uma das chaves desse desempenho está na educação.
O poder público conseguiu convencer a população
da importância de reciclar o lixo e, depois, montar
toda a operação para a coleta seletiva.
Lixo chegou a entrar no currículo escolar, conscientizando
sobre questões ambientais desde cedo. A reciclagem
é motivo para o estudo simultâneo e relacionado
das matérias tradicionais como ciências, português
e estudos sociais.
Exemplo: nas aulas de matemática, aprende-se sobre
quilos ou toneladas, usando a coleta de lixo como referência.
Ao saber que são coletadas 450 toneladas, o aluno é
convidado a discutir o que significa essa quantidade em quilos.
A educação foi intensiva mesmo com os pais,
que receberam cartilhas didáticas e acostumaram-se
a separar os restos, combinando com o sistema de coleta da
prefeitura; há dias diferentes para o recolhimento
do lixo orgânico e reciclável.
Colocar o debate ambiental em sala de aula demora, mas funciona.
Uma organização não-governamental (Ecoar)
desenvolve, há quatro anos, um programa de educação
ambiental numa escola pública em São Paulo.
Localizada no Jardim Tietê, zona Leste, a escola José
Mauro de Vasconcelos usou como pretexto detonador da preocupação
com o meio ambiente os dejetos jogados em suas proximidades.
"Aos poucos, todo o grupo docente encampou a idéia.
O programa hoje é o sistema dorsal do nosso projeto
pedagógico", diz Telma Luiza Bozzo, diretora da
escola.
As crianças são orientadas para plantar e colher
na horta, plantam árvores nas margens do rio, preservam
uma praça perto da escola, reciclam latas e garrafas.
Com o dinheiro, fazem cartões de Natal, presentes para
o Dia das Mães e dos Pais. Conseguem bancar até,
uma vez por ano, uma excursão.
Diante dos descalabrados em que se meteu São Paulo,
experiências exitosas como a de escola José Mauro
de Vasconcelos são apenas uma gota de limpeza no mar
de lixo.
A cidade produz cerca de 15 mil toneladas de lixo diariamente;
95% são levados a dois aterros sanitários.
Estima-se que, em dois anos, a capacidade desses aterros estará
esgotada. O que significa que São Paulo está
montada numa bomba-relógio de lixo.
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Reportagens:
- Curitiba
recicla 20% de todo o lixo produzido na cidade
- Educação ambiental
muda aparência de escola infantil em SP
- Ainda há solução
para o lixo de SP, conta ambientalista
- A civilidade vai limpando a sujeira
dos cães
- A sujeira que resolve
Links:
- Fundação
SOS Mata Atlântica
- Greenpeace
- Ecoar
(Pesquisa
Raquel Souza)
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Curitiba
recicla 20% de todo o lixo produzido na cidade
Raquel
Souza
Equipe GD
Curitiba,
Paraná, se destaca por ser uma das paisagens urbanas
mais bonitas do Brasil, por oferecer uma grande concentração
de parques e áreas verdes aos moradores e apresentar
um moderno sistema de transporte coletivo. Mas há um
outro elemento está colocando a cidade nos patamares
das mais desenvolvidas do mundo: Curitiba é o município
brasileiro que mais recicla lixo, com cerca de 20% de reaproveitamento.
Só para se ter uma idéia, nas principais cidades
da Alemanha, o país número um no ranking da
reciclagem, o mesmo índice é de 35%.
Com o
programa "Lixo que não é Lixo", a
prefeitura da cidade vem obtendo sucesso na coleta de materiais
recicláveis (papel, papelão, plástico,
vidro e alumínio). Atualmente, são quase 450
toneladas diárias.
O programa
foi criado, há 10 anos, com o objetivo de fazer de
todas as residências mini-usinas caseira de reciclagem.
"Fizemos um trabalho com professores das escolas municipais
e o tema virou transversal nas escolas de séries iniciais.
Os 400 mil moradores receberam cartilhas explicativas, já
contendo as datas definitivas em que os caminhões de
lixo passam nos bairros. Também foram feitas peças
publicitárias para divulgação do programa",
contou o Secretário Municipal de Meio Ambiente, Sérgio
Tocchio.
O caminhão
de lixo orgânico passa três vezes por semana nas
ruas dos bairros da cidade e todos os dias no centro. Já
o de material reciclado a coleta é feita uma vez por
semana. "A dona-de-casa faz a primeira separação
(orgânico/não orgânico) e os responsáveis
pela coleta seletiva separam os diferentes materiais",
explicou o Secretário.
Além
das campanhas educativas, Tocchio lembra que o êxito
do programa "Lixo que não é Lixo"
está relacionado ao compromisso que o governo assumiu
com a preservação ambiental. "A maior parte
dos governos ao implementar um programa como esse pensa na
relação custo/benefício. Ou seja, quanto
é que eles vão ganhar com isso".
A princípio
o programa pode parecer oneroso para o governo, mas não
foi o que aconteceu em Curitiba. A reciclagem surtiu efeito
nas economias do governo que deixou de gastar dinheiro com
a instalação de novos aterros sanitários
- com o programa foram ampliados em até quatro anos
à vida útil dos já existentes. Além
disso, Tocchio diz que começaram a surgir na cidade
novos segmentos industriais que utilizavam matéria
prima reciclada. Segundo dados da prefeitura, foram gerados,
com a implantação do programa, 3.370 novos empregos.
Incentivou-se
também a criação de uma cooperativa para
os 2,5 mil trabalhadores que atualmente vivem da coleta de
materiais reciclados em Curitiba. A "Recoopere"
foi inaugurada em 1997, e acaba eliminando a figura do intermediário
que baixava o preço do material reciclado em até
80%. Hoje os cooperados vendem diretamente aos depósitos
de sucata ou a Recoopere e conseguem ganhar em média
R$600 mensais.
Os curitibanos
que não tinham um destino para dar ao lixo tóxico
podem levar, desde 98, pilhas, baterias e remédios
vencidos para os postos que são montados mensalmente
nos terminais de ônibus da cidade.
A empreitada
começou a ser estendida a outros municípios
pelo governo estadual, que pretende atender 201 cidades do
Paraná.
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Educação
ambiental muda aparência de escola infantil em SP
Raquel
Souza
Equipe GD
"É
um trabalho lento, mas que dá resultados. Quando eu
cheguei aqui, há quatro anos, essa escola era completamente
depredada, pichada e suja. Hoje ela é uma belezinha",
disse Telma Luiza Bozzo, diretora da EMEI (escola municipal
de educação infantil) José Mauro de Vasconcelos,
no Jardim Tietê, Zona Leste de São Paulo.
Desde
1997, diretora e equipe de professores vem trabalhando a consciência
ambiental com mais de 600 alunos, entre cinco e sete anos
de idade. Além de adquirir conhecimentos sobre preservação
ambiental e reciclagem, as crianças contribuem para
mudar a cara da escola.
Batizado
de "Educação Ambiental, Horta e Qualidade
de Vida", o programa surgiu a partir da discussão
dos professores sobre a grande quantidade de lixo e dejetos
que eram jogados em um rio, próximo da escola.
Com a
ajuda da ONG
Ecoar os professores criaram metodologias para trabalhar
a questão ambiental com seus alunos. Aos poucos, todo
o grupo docente encampou a idéia. "O programa
hoje é o sistema dorsal do projeto pedagógico
da escola", contou a diretora.
As crianças
plantam e colhem na horta da escola, fazem reciclagem de papel,
latas e garrafas plásticas. A idéia trouxe benefícios
para a escola e a comunidade. Com o dinheiro da reciclagem
de latinhas é possível promover a Semana da
Criança, com atividades diversificadas, excursões
e festa. A reciclagem de papelão e garrafas plásticas
ajudam duas famílias da região. Cartões
de Natal e presentes para o dia das mães e pais não
dispensam o uso da matéria prima reciclada.
Com a
participação da ONG foi possível oferecer
oficinas para os pais e comunidade em geral sobre reciclagem
na EMEI. No ano passado, por exemplo, uma entidade assistencial
promoveu um curso de reaproveitamento de alimentos e preparo
de massas coloridas utilizando sobras. Atualmente, uma das
participantes ganha dinheiro vendendo essas massas.
Ainda
nesse semestre as crianças irão confeccionar
cartazes de alerta para a preservação do rio.
Vão plantar árvores em sua margem e a equipe
de professores pensa em adotar uma pracinha próxima
da escola. "Acho que se a gente consegue despertar na
criança o respeito com o meio ambiente, pelo menos
uma coisa boa ela vai ter dentro de si", concluiu a diretora.
O trabalho
da ONG Ecoar é feito em consórcio com o Código
Consultoria e Planejamento, e ganhou uma concorrência
pública junto à Secretaria Municipal do Verde
e do Meio Ambiente do município de São Paulo
para realizar um programa de educação ambiental
nas zonas norte e leste da cidade.
Esse programa
de educação ambiental foi financiado pela prefeitura
por exigência do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento),
como parte da contrapartida para o financiamento das obras
do PROCAV II (Programa de Canalização de Córregos,
Implantação de Vias e Recuperação
Ambiental e Social de Fundos de Vale).
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Ainda há
solução para o lixo de SP, conta ambientalista
Raquel
Souza
Equipe GD
Segundo
estimativas, a cidade de São Paulo produz cerca de
15 mil toneladas de lixo diariamente, dessas 95% são
levadas aos dois aterros sanitários existentes - que
terão sua capacidade esgotada em no máximo dois
anos. Para Décio Rodrigues, físico e coordenador
de campanhas do Greenpeace (organização não
governamental de preservação ambiental que atua
no mundo inteiro) trata-se de uma verdadeira bomba relógio.
"Daqui
a um ano e meio os caminhões de lixo não terão
para onde ir. No momento de pânico, em que os dois aterros
não comportarem mais nada, aparecerão diversos
'planos de gaveta' para novos aterros. A cidade vai virar
um caos e a Setesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento
Ambiental) vai ter que liberar concessão para novos
aterros ou correr o risco de deixar São Paulo no meio
de todo o lixo que produz", contou Rodrigues.
Segundo
ele, o assunto na cidade não é recente. Há
doze anos atrás, foi convocada uma reunião no
município justamente para tratar do assunto. Diversos
representantes de entidades não-governamentais e do
governo participaram da discussão. Entretanto, o que
se viu nos últimos anos são medidas paliativas
de ampliação da sobrevida dos aterros, nada
para conter a expansão do lixo ou efetivar planos de
reciclagem, redução do desperdício e
reutilização de material.
A ausência
de discussão, na opinião do representante do
Greenpeace, acaba dando oportunidade para que empresários
que trabalham com a questão se apropriem de possíveis
áreas de aterro para que no futuro possam vende-las
a preços altíssimos à prefeitura.
"É
inacreditável que nenhum candidato a prefeitura de
São Paulo tenha se dado conta de que colocar o assunto
em debate é de extrema importância. A ausência
de um plano piloto sobre a questão só aponta
o descaso com o assunto e o quanto as propostas deles referem-se
a um mundo irreal", reclamou Rodrigues.
O físico
aponta possíveis soluções e estratégias
para a cidade lidar com o lixo que produz. Segundo ele, há
uma fórmula que apontaria bons resultados a longo prazo:
a ER3 - Eliminação do lixo tóxico, redução,
reutilização e reciclagem de materiais.
Sobre
a redução de lixo, por exemplo, Rodrigues conta
que na Alemanha é bastante comum os cidadãos
fazerem compras com bolsas de lona evitando a utilização
de sacos plásticos, que são frágeis e
descartáveis. A periferia de São Paulo também
tem uma experiência positiva de reutilização
de embalagens - é bastante comum a venda de produtos
de limpeza a granel. "As grandes empresas também
poderiam fazer o mesmo é uma questão de consciência",
diz.
Por fim,
o ambientalista alerta que para diminuir a produção
de lixo em até 3 toneladas diárias é
necessário um plano da prefeitura, mas que esse projeto
depende também da participação de diversos
atores - "é o coletivo de cidadãos de São
Paulo que produz o lixo. Solucionar o problema depende de
várias medidas e entre elas a educação",
concluiu.
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A
civilidade vai limpando a sujeira dos cães
Animal
civilizado não deixa sujeira pela rua - e, pouco a
pouco, os bípedes que dominam o Rio de Janeiro vão
aprendendo a lição, até mesmo quando
não são os autores da porcaria. Cresce nessa
cidade o número de humanos que não deixam pelo
caminho o que seus cachorros fazem de pior.
O cenário
sempre impecável das manhãs e fins de tarde
no calçadão e na Lagoa registra saudável
mudança, nesses dias: donos de cães carregando
sacos plásticos e equipamentos para recolher as fezes
dos animais. Rotina nas metrópoles do mundo desenvolvido,
a atitude vai tomando conta do Rio.
Torna-se
menos freqüente aquele pisão desagradável,
que faz o mais pacato cidadão xingar o mundo e as estrelas.
Graças a humanos como a estudante Marcelle Alves Mattos,
19 anos, que todo dia leva os poodles Beethoven, de 7 anos,
e Champ, de 2, para passear no calçadão da Praia
do Leblon, bairro onde mora. Além de civilizada, ela
é equipada. Leva os cachorros numa mão e, na
outra, um saco e a armação plástica que
é a última novidade no ramo. "Detesto pisar
em porcaria, então não vou deixar o cocô
dos meus cachorros para os outros limparem".
Marcelle
leva Beethoven e Champ à rua três vezes por dia,
e com tanto know-how também tem do que reclamar. Segundo
ela, há um desequilíbrio na distribuição
das lixeiras da Comlurb pelas ruas do Leblon. Um obstáculo
à limpeza e ao bom senso. "Há ruas pequenas
com até cinco lixeiras e outras maiores sem nenhuma",
relata a estudante.
É
verdade - mas os humanos mais selvagens que muitos quadrúpedes
usam esta e outras desculpas para largar a sujeira no caminho.
Gerente da Pet Fantasy, loja de animais no Leblon, Giselle
Andrade conta que recolhe o que seus cachorros fazem, mas
ainda se acha uma entre poucos. "Menos da metade dos
donos de animais apanha o cocô", conta Giselle.
O advogado Cláudio Luiz Alves é da mesma tribo.
Dono do labrador Maradona, ele costuma chamar a atenção
dos que deixam o cocô pelo caminho. "O descaso
é um absurdo" - revolta-se, lembrando a lista
de selvagerias urbanas. "Essa gente também avança
sinal e joga lixo na rua. E ficam impunes porque o Rio ainda
não é Nova York. Lá, recolher as "obras"
do próprio cachorro é obrigação
prevista em lei. Quem for flagrado com o totó sem a
pá e o saco plástico pode ser multado na hora.
Assim, uma pessoa passeando com o cachorro sem nada nas mãos
é vista como um ser de outro planeta. Ou de um balneário
distante", lembra o advogado.
O site Viralata.org
, feito por donos e criadores de cães, mantém
a campanha nacional "Anti-cacas - se você catar
não vai pisar". Na pagina da organização
é possível fazer dowload de cartazes, banners
e folhetos da campanha. Os interessados também encontrarão
um manual de obrigação e cuidados destinado
a donos de cães.
(As informações
são do jornal O Globo)
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A
sujeira que resolve
Na cidade do Rio de Janeiro, há ruas inteiras em que
a produção aumenta quando o expediente acaba.
O último turno do dia, quando os escritórios
fecham, as portarias se trancam, os letreiros comerciais escurecem,
os sinais de trânsito começam a falar sozinhos
e os engravatados desertam, é dos catadores de papel.
Eles pegam no batente depois das seis horas da tarde e param
a madrugada no ermo das calçadas. Pelo uniforme de
trabalho, parecem mendigos. Andam esmolambados, comem as sobras
de restaurantes, usam as marquises como oficina, os meios-fios
como banheiro e as mãos nuas como luvas impermeáveis,
para enfiar até o cotovelo nas entranhas gosmentas
dos sacos de lixo. Pelo esforço, parecem funcionários
em dia de promoção.
Competem sem parar pelo melhor ponto na lixeira dos edifícios
vazios. São sujos, mas fazem a parte mais complicada
da limpeza urbana - a reciclagem.
Conhecem
os bairros pelo que neles se bota fora. A Barra da Tijuca
é farta em plástico de embalagem. Ipanema e
Leblon, em frasco de vidro. Em toda a Zona Sul, boca rica
é a lata de cerveja e refrigerante, usada na reciclagem
do alumínio. Cada lata pesa cerca de 15 gramas. Sessenta
e seis latas fazem um quilo. Um quilo vale R$1. No Centro,
o forte é o papel, que pesa mais, mas paga menos. Cerca
de 100 reais a tonelada. Quem consegue juntar 100 sacos de
papel branco e seco, lixo de primeira, embolsa numa noite
50 reais.
"Mas
o serviço é duro e tenso, a maioria não
agüenta aquilo cinco vezes por semana. No máximo,
quatro. Em geral, três. No fim, dá 30 reais por
dia", esclarece José Ezequiel Soares, dono da
Prainha Aparas, que há 13 anos compra o papel coletado
pelos 18 papeleiros acampados na rua do Carmo.
Vende
tudo para uma fábrica de papel higiênico em Cantagalo.
José Ezequiel perseguiu um diploma de economista até
o segundo ano da universidade. Calcula que "uns 90%"
de seus fornecedores são analfabetos. Gente como Ricardo
de Souza, 21 anos, que informa: "Isto aqui é massacre,
ralação. Chega o fim de semana, vou direto para
o baile funk". Um papeleiro
ganha entre 400 e 500 reais por mês. Como um gari da
Comlurb, a estatal de limpeza urbana no município cujo
concurso atraiu no ano passado mais de 48 mil candidatos.
Sua bagunça funciona. Graças também à
informalidade dos catadores de lixo, a Latasa, empresa multinacional,
recicla alumínio no Brasil por 240 dólares a
tonelada. Fora daqui, custa quase o quíntuplo.
Aliás,
nesse ramo, o atraso acelerou a arrancada do país para
a modernidade. O Brasil recicla 65% das latas e 50% do papel
que consome. Uma percentagem superior à americana.
"Todo mundo acha que reciclagem é uma atividade
muito lucrativa que o governo desperdiça, botando fora
seu rico lixo. Mas isso é um mito", diz Paulo
Carvalho Filho, um engenheiro que há oito anos trocou
as aulas na PUC pela presidência da Comlurb. Ele correu
mundo atrás de exemplos para seguir no Rio de Janeiro.
Na França, viu cidades onde o lixo sai das casas arrumado
em sacos específicos para cada tipo de material e embarca
em caminhões com escaninhos separados para os vidros,
o papel, a lata e o plástico. Muito bonito, mas custa
dez vezes mais que a coleta normal.
O modelo
que vingou no Rio veio de Medellín, Colômbia.
Baseia-se, lá como cá, na fartura de miseráveis
dispostos a pôr literalmente a mão na massa.
Organizados em cooperativas, eles melhoram. A Comlurb lhes
dá prensas, luvas, banheiros, bebedouros, depósitos
especialmente construídos em desvãos de viadutos,
carrinhos de mão e luvas. E tira-lhes das costas os
atravessadores. O primeiro contato com os papeleiros do Centro
quase fez Paulo Carvalho desistir do projeto. Chamara-os para
uma conversa diante de um prédio da Comlurb. Ao chegar,
encontrou a calçada tomada por uma legião maltrapilha
que empurrava carroças com roda de bilha e amarrava
cachorros nos postes com barbante. "Achei que não
haveria diálogo possível. Mas a turma sabia
falar direitinho de seus problemas", conta ele. A prova
do que diz pode ser procurada na rua do Carmo. Atende pelo
nome de Sebastião Nascimento da Silva. Tem 35 anos
e seis filhos. Desde os 15 separa papel para os compradores
de aparas. Criou a família com o que acha no lixo,
inclusive um maço de dois mil reais que tirou uma noite
do meio da porcaria.
É
capaz de falar assim: "Nosso serviço não
é valorizado, mas é importante. Senão,
vai fazer celulose como? Derrubando árvore". Mas
saber conversar não quer dizer que saibam conviver.
As cooperativas de catadores tiveram que superar uma barragem
de suspeitas. Exigia cadastrar trabalhadores recrutados entre
viciados, ex-presidiários e outros casos de alergia
crônica à
identificação oficial. Sair da informalidade
implica dividir imediatamente o que ganha com o governo federal,
dando 15% para o INSS. E é preciso adotar normas de
comportamento coletivo numa atividade habitualmente regulada
por ferozes disputas. No caso da Comlurb, essa adaptação
foi entregue aos cuidados de Elinor Brito, que antes de ser
o sociólogo da casa foi militante de partido esquerdista
no regime militar. Disciplina é com ele mesmo.
Vinte
cooperativas foram criadas no Rio de Janeiro, de Jacarepaguá
a Bangu. Sobraram 16. Quatro fracassaram, ou por ficar muito
longe dos pontos de coleta, desencorajando as adesões,
ou perto demais de favelas, que acabaram levando os bebedouros,
janelas basculantes, vasos sanitários e prensas.
A que
funcionava junto a PUC, na Zona Sul, incomodou demais a grã-finagem
da vizinhança. Em compensação, a Cooperativa
da Vargem Pequena, Coopevap para os íntimos, é
um sucesso. Garimpando o lixo da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá,
"comprou cinco caminhões de coleta", informa
o diretor técnico da Comlurb José Bulus. Até
agora, 1200 catadores de papel saíram da
clandestinidade. O engenheiro Paulo Carvalho acha que isso
é pouco para uma cidade coalhada de pobres e desempregados.
Uma vez por semana, ele sai de sua casa em Jacarepaguá
com a mala do carro cheia de lixo. São maços
de papel e papelão, sacos latas, vidros e plásticos.
Diante da sede da Comlurb, na Tijuca, entrega tudo arrumado
para um ex-mendigo que virou catador.
O presente não vale grande coisa num mercado que troca
toneladas por capilés.
Mas ajuda
a fixar a real cotação da sujeira carioca. Quem
encontra um papeleiro mergulhado no lixo do Centro da cidade
acha que viu exemplo de vocação para a imundície.
Ledo engano. Porca a sociedade que durante o dia embaralha
o lixo para ele separar durante a noite.
(As informações
são do jornal Notícia e Opinião)
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