Hospital
de brincadeira
Mesmo depois de curadas, crianças preferem ficar no
hospital, cercadas de doentes, a voltar para casa. Esse é
o resultado inesperado - e trágico - de uma experiência
feita no Hospital Santa Marcelina, no Itaim Paulista, bairro
no extremo leste de São Paulo, região contaminada
pela violência.
Convidada
para chefiar o atendimento infantil do hospital, a pediatra
Fernanda Maria Guimarães, formada pela Universidade
de São Paulo, logo sentiu o drama mais agudo da crise
familiar, que na maioria das vezes é clandestino. "Inúmeras
crianças chegam aqui com sinais de maus-tratos domésticos."
O hospital atende 9.000 crianças por mês.
Acostumada
a trabalhar na periferia, a pediatra aprendeu uma simples
lição de saúde pública: "A
violência chegou a todas as idades. E a criança
é a parcela que mais sofre".
Como os
pacientes já chegam traumatizados pela violência
doméstica, Fernanda pensou num jeito de amenizar o
ambiente da internação. "Elas vivem num
mundo mágico, em que se buscam as brincadeiras. Eu
não queria que esse mundo se perdesse num hospital."
Saiu pedindo
ajuda para montar uma brinquedoteca. Não queria, porém,
que surgisse um espaço rudimentar, simplório,
apenas porque sua clientela é pobre -ela queria um
espaço capaz de entreter também crianças
ricas, com brinquedos sofisticados, de última geração.
Além
dos brinquedos, no hospital voluntários dedicam-se
à narração de histórias, úteis
especialmente para quem não consegue se locomover.
Da brinquedoteca,
surgiu a videoteca. "Além dos filmes infantis,
queremos aumentar o número de vídeos educativos.
Isso pode fazer com que nossos atendidos aprendam de forma
lúdica sobre o que estão passando e, assim,
evitem sustos na hora da operação."
O projeto
teve, porém, um efeito colateral. Muitas crianças,
mesmo depois de receberem alta, não querem voltar para
casa, onde não encontram nenhum estímulo e,
muitas vezes, impera a violência. "Muitos deles
vêm de favelas da região, onde não existem
espaços de lazer. Mas, infelizmente, não dá
para acolher", lamenta a pediatra. Só a doença
social explica o fato de o hospital ser mais acolhedor do
que a casa.
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