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01/10/2001 - 08h04

Para economia, o passo mais importante é evitar a guerra

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JEFFREY SACHS
Especial para Folha de S.Paulo

Os custos econômicos diretos dos atentados terroristas nos Estados Unidos podem chegar a US$ 20 bilhões, segundo estimativas das companhias de seguros, mas os custos indiretos podem girar em torno de 150 vezes esse valor, conforme cálculo feito pelas Bolsas mundiais, que estão perdendo cerca de US$ 3 trilhões.

Essa diferença reflete o medo de uma ruptura global e até de uma guerra global depois dos atentados. A solução econômica não é um pacote de estímulos para a economia norte-americana, como pedem alguns economistas e políticos, mas medidas para aumentar a confiança mundial em que a atual economia global em rede continuará funcionando eficientemente e sem rupturas.

O passo mais importante é evitar a guerra. Apesar da retórica compreensivelmente exaltada, os Estados Unidos foram atingidos por um ataque terrorista maciço, e não pela primeira guerra do século 21. O maior erro seria lançar uma guerra em resposta a um ataque terrorista _o tipo de reação que levou o mundo à Primeira Guerra Mundial depois do assassinato terrorista do arquiduque Ferdinando, em Sarajevo (capital da atual Bósnia-Herzegóvina).

Em 1914, assim como hoje, a globalização parecia inevitável. Mas a Primeira Guerra impediu a globalização por duas gerações _a carnificina da Primeira Guerra foi seguida por duas décadas de ruptura econômica e pela Segunda Guerra Mundial. Não devemos jogar com a paz e a economia mundiais.

A principal lição da história econômica moderna é que vivemos em uma economia em rede global. Grandes distúrbios no comércio, nas finanças, nas viagens e na produção globais têm efeitos terríveis sobre a economia mundial. Já antes de 11 de setembro essa realidade foi mais uma vez comprovada quando os efeitos econômicos globais do estouro da bolha financeira americana foram muito mais acentuados do que se previa inicialmente, e a interligação entre os mercados se mostrou mais forte do que se acreditava.

As principais reações econômicas ao 11 de setembro devem, portanto, reforçar o quadro da globalização, comprometendo ainda mais os governos mundiais com seu sucesso, ao fazer que ela funcione para todos os países, incluindo os mais pobres. Sem isso, os investimentos comerciais e os gastos dos consumidores despencarão, e a economia mundial cairá num precipício.

Os seguintes passos são os mais necessários:

1. Os Estados Unidos devem procurar soluções diplomáticas para deter os terroristas. Se o Taleban se oferece para entregar os terroristas contra provas, elas devem ser apresentadas.

A disposição para conversar pode ser eficaz. Encontrar os terroristas e destruir sua capacidade de cometer esses ultrajes desumanos é essencial, mas ações militares _especialmente as que levam morte e destruição a civis inocentes_ devem ser o último recurso, e não o primeiro.

2. Deve haver confiança na infra-estrutura básica do comércio e do transporte internacionais. A segurança nos nódulos de comércio e viagens deve ser reforçada. Mas segurança, mesmo envolvendo ações contra terroristas, é diferente de guerra.

3. Em coordenação com outros países, ações agressivas devem romper as redes terroristas, arrasando suas finanças, sua liberdade de movimentos e as remessas de armas.

4. Os Estados Unidos e a Europa devem insistir para que a Opep evite qualquer ruptura no fornecimento de petróleo e em seus preços. Os governos da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), entre os mais vulneráveis nesta crise, devem prontamente aceitar esse tipo de compromisso internacional. Deve ser oferecida escolta militar, quando necessária, para garantir a segurança dos carregamentos de energia globais.

5. Os principais bancos centrais do planeta devem garantir ampla liquidez (recursos) aos mercados financeiros, como vêm fazendo. Com o Japão já em recessão, o Banco do Japão deve tomar medidas ainda mais agressivas, vendendo ienes suficientes para impedir qualquer nova apreciação da moeda (o dólar deve custar 120 ienes ou mais).

6. Uma nova rodada sobre tarifas internacionais de mercadorias e serviços deve ser iniciada na reunião ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio) em novembro, em Doha (Qatar), assinalando a intenção de todos os membros de perseverar no caminho do livre comércio.

Chegou a hora de os países ricos respeitarem os desejos dos pobres, e fazer essa rodada decolar. Isso exige medidas imediatas e positivas para garantir aos exportadores dos países em desenvolvimento melhor acesso aos mercados dos países ricos (especialmente para exportações de roupas e produtos agrícolas) e regras mais justas em relação aos direitos de propriedade intelectual.

7. Os Estados Unidos devem despertar de duas décadas de desatenção para as necessidades urgentes dos países mais pobres do mundo. Eles não ofereceram liderança e financiamento suficientes no combate à Aids nos países pobres; tardaram a cancelar as dívidas impagáveis dos países mais pobres do mundo (não por causa dos custos financeiros, que são desprezíveis, já que não podem ser pagos, mas porque os políticos americanos não levaram a sério as dificuldades dos pobres); e reduziram a ajuda externa a uma parcela da renda nacional menor do que em qualquer país rico.

A liderança americana no combate às epidemias de Aids, malária e tuberculose, que estão matando milhões de pessoas pobres por ano, seria um bom começo para mudar essa situação.

Como centro de uma rede global de produção, comércio e finanças, os Estados Unidos certamente têm o maior interesse no sucesso do processo de globalização. Uma guerra ampla e violenta em reação aos odiosos atos terroristas de 11 de setembro não protegeriam os interesses dos Estados Unidos ou globais.

Os resultados seriam imprevisíveis e potencialmente desastrosos para todos. A liderança norte-americana em preservar as conexões pacíficas de uma sociedade global ligada em rede é a verdadeira política exterior exigida para o século 21.

*Jeffrey Sachs, economista, é diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade Harvard.

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA

Leia mais sobre os reflexos do terrorismo na economia

 

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