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03/10/2001 - 08h55

O'Neill perde poder e prestígio após atentados

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JOSEPH KAHN
do ''The New York Times''

Pouco após os ataques terroristas, Paul O'Neill, 65, o secretário do Tesouro dos EUA, recebeu os jornalistas e descreveu de que maneira os atentados tinham prejudicado a economia e o que o governo faria para limitar os danos.

O'Neill leu uma declaração breve e depois deixou a sala sem responder a perguntas. Um funcionário do Tesouro explicou mais tarde que a Casa Branca havia exigido uma postura unida quanto à economia devido ao momento delicado do país.

O secretário do Tesouro, que ganhou a reputação de dizer o que pensa e de se afastar da linha adotada pelo governo quanto a diversas questões, se viu desempenhando papel menos importante quanto à política econômica do que diversos de seus predecessores recentes. Ele não só sofreu restrições impostas pela Casa Branca como viu diversos outros funcionários do governo interferindo no território do Tesouro.

O'Neill, um homem mutável e muitas vezes irritado, iniciou o trabalho com o objetivo de quebrar as tradições e mudar políticas que perderam contato com a realidade que ele conheceu como executivo-chefe da Alcoa. No processo, incomodou colegas de governo e líderes republicanos e causou dúvidas entre muitos críticos quanto à sua capacidade de administrar a economia.

Quando nomeado para o posto, há dez meses, O'Neill disse que "seus dias de excentricidade se acabariam". Mas na verdade mal tinham começado. Ele questionou o axioma da era Clinton quanto a manter o dólar forte, contestou a linha da administração quanto ao uso de cortes de impostos para tirar a economia da recessão e expressou desdém pelas operações de resgates a países emergentes.

Sob pressão para que adotasse medidas de reforço da confiança, depois dos ataques, O'Neill, aos olhos de muitos críticos, improvisou e causou problemas. Questionado se a economia estava a caminho da recessão, ele disse que não acreditava nisso. A maior parte dos analistas do setor privado concorda com o economista-chefe do FMI, que na semana passada classificou a recessão como "certeza" para os EUA.

Um comentário publicado pelo "The Wall Street Journal" na semana passada acusava O'Neill de desperdiçar sua credibilidade e classificava sua previsão de que os mercados de ações estariam de volta às alturas dentro de 12 a 18 meses como "um surto de exuberância irracional".

Mesmo quando está certo, ele tende a se pronunciar antes que o governo esteja preparado para transformar suas palavras em medidas práticas. Esse hábito foi criticado, em um momento em que a instabilidade dos mercados e da economia aparentemente necessitariam de uma mão firme no comando, e não de um iconoclasta.

"Ele era o executivo-chefe de uma grande empresa, o capitão do navio, e continua a se comportar dessa maneira", diz o senador Charles E. Grassley, do Iowa, o líder dos republicanos no Comitê de Finanças do Senado. "Ele deveria estar agindo mais como uma espécie de diretor financeiro de alcance nacional."

As atitudes excêntricas de O'Neill muitas vezes dão resultado, acrescenta Grassley. O secretário do Tesouro questionou a falta de incentivo econômico de curto prazo no plano de corte de impostos original do governo e pressionou a Casa Branca para que oferecesse restituições imediatas de impostos. Chegou a mencionar em público a idéia de eliminar os impostos pagos pelas empresas, sem que o presidente aprovasse a idéia, mas agora outros funcionários do governo adeririam a essa campanha pela redução dos impostos das corporações como parte de qualquer novo pacote de estímulo.

Embora não haja sinais de conflito entre Bush e O'Neill, o presidente dispersou a responsabilidade pela política econômica. Após os ataques terroristas, Bush deu a O'Neill a tarefa de rastrear os ativos financeiros de Bin Laden.

Mas Josh Bolten, vice-chefe do gabinete civil da Casa Branca, foi apontado por Bush para comandar um novo "grupo de consequências domésticas", com a tarefa de coordenar os esforços da administração para combater os efeitos econômicos dos ataques terroristas. Enquanto isso, Lawrence B. Lindsey, o principal assessor econômico da Casa Branca, e Donald L. Evans, o secretário do Comércio, têm papéis-chave no planejamento dos cortes de impostos e na coordenação do apoio às linhas aéreas.

O'Neill não parece ter desempenhado papel decisivo em definir os termos do pacote de estímulo no Congresso. Na semana que se seguiu aos ataques, os legisladores realizaram uma sessão fechada na qual receberam Lindsey, o presidente do Fed, Alan Greenspan, e Robert Rubin, secretário do Tesouro do presidente Clinton, para discutir as medidas de estímulo. O'Neill não foi convidado.

Ainda que O'Neill venha aparecendo regularmente em público desde o ataque, alguns funcionários do governo questionam, a portas fechadas, sua eficiência.

Os críticos dizem que ele foi petulante quanto à situação da economia em um momento em que deveria ter trabalhado para reconfortar os investidores. Seu desempenho, dizem, representa contraste com o da equipe de segurança nacional do governo. Embora funcionários da Casa Branca descartem a idéia de substitui-lo em meio à crise, pessoas próximas ao governo dizem que a frustração quanto ao seu desempenho vem crescendo.

"Ele é o único membro do gabinete que não conseguiu até agora interferir de maneira persuasiva no diálogo nacional", diz um republicano. "O desapontamento é generalizado na Casa Branca."

O'Neill atribui essas queixas às "camadas de cinismo" que existem em Washington.
"Fico desapontado por aparentemente não haver popularidade para pessoas que dizem a verdade", disse. "Quando faço algo que é incomum, as pessoas dizem que não é assim que se joga."

Seus defensores no Congresso dizem que, como Greenspan, prefere fatos a teorias. Quando não há fatos suficientes, sai à procura.

Embora muitos economistas concordem com o seu desejo de interromper as operações de resgate aos países em desenvolvimento, alguns o culpam por tentar impor um novo modo de agir do dia para a noite.

Ainda que tenha sofrido pressões, O'Neill demonstra poucos sinais de que esteja disposto a se tornar o político acomodado que tanto despreza.

Quando um amigo perguntou recentemente se o seu hábito de pensar em voz alta não poderia causar-lhe problemas, O'Neill foi caracteristicamente franco.

"O presidente ainda não me mandou calar a boca."

Tradução de Paulo Migliacci

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