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07/10/2001 - 09h11

A crise mundial e o Brasil

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MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
especial para a Folha de S.Paulo

Não sabemos ainda o tamanho do estrago que o ataque terrorista a Nova York provocará sobre a economia mundial, que já apresentava tendências recessivas. Nas fragilizadas economias da América Latina e do leste da Ásia, o impacto será desastroso, e a globalização financeira como mecanismo de captação de capitais para os chamados "mercados emergentes" é coisa do passado!

As necessidades de financiamento externo do nosso balanço de pagamentos (déficit de transações correntes mais amortizações programadas) já tinham superado as condições de oferta de crédito e de Investimento Direto Estrangeiro desde o começo do ano.

Mas o problema central que pressiona o câmbio é a rolagem da conta de capitais, que se agravou com a crise financeira global e está levando o país à beira de uma crise cambial.

A tendência a fugir do risco cambial ficou evidente quando quatro dos maiores empresários nacionais deixaram o mercado financeiro internacional, antes da reabertura de Wall Street, pré-pagando US$ 7 bilhões, que é o equivalente ao que o governo brasileiro e suas agências tinham conseguido levantar em Londres e em Tóquio para fechar as contas do primeiro semestre deste ano.

O grande capital defende-se aqui como em toda parte, mas o governo não tem capacidade de resposta porque deixou acumular passivos gigantescos em dólar, cujo vencimento pode ser antecipado dada a liberalização da conta de capitais.

Os novos bancos estrangeiros, que vieram para o Brasil para apoiar as privatizações ou os devedores nacionais, são pequenos do ponto de vista internacional e não têm poder de fogo para enfrentar uma crise financeira mundial destas proporções.

O poder volta sempre para os "big banks" norte-americanos apoiados em "rating companies" (que calculam o risco-país) e tentarão impor as suas condições na renegociação da dívida privada das grandes empresas.

Depois do pedido de socorro ao FMI, os técnicos do Banco Central tentaram melhorar os registros de movimento de capitais. Dos US$ 80 bilhões que a Standard & Poor's anuncia que a economia brasileira tem de rolar (o nosso cálculo era de US$ 75 bilhões em março com dados disponíveis em dezembro de 2000), não se sabe quanto já saiu.

O BC detectou em julho cerca de US$ 30 bilhões de créditos entre empresas e bancos privados que já teriam sido pagos e não registrados como saída. Com o aprofundamento da crise, o problema a ser enfrentado é o controle de capitais e não se pode supor que exista algum ponto de "equilíbrio" para a taxa de câmbio flutuante capaz de fechar o balanço de pagamentos, quando há passivos líquidos gigantescos e reservas líquidas mínimas.

Os economistas panglossianos dizem que o real crescentemente depreciado vai estimular o crescimento das exportações. Trata-se de uma falácia, que é desmentida pela estrutura das nossas exportações por produto e por destino. As tendências do comércio internacional não nos são favoráveis em termos de valor e de competitividade.

Boa parte de nossas exportações são commodities industriais com alto insumo de energia (custo crescente em dólar decorrente da nossa crise energética) cuja perda de vantagens comparativas piorará com a desvalorização cambial. Esta também não favorece a recuperação dos preços internacionais dos produtos agrícolas e das matérias-primas -que exportamos muito-, os quais desabaram.

As exportações de manufaturas destinavam-se majoritariamente aos países do Mercosul e da Aladi, também em crise de balanço de pagamentos. Assim o superávit comercial que o governo espera obter dever-se-á sobretudo ao tamanho da recessão e ao corte das importações.

Do ponto de vista das perspectivas de retomada do crescimento, as coisas não andam melhores. O investimento nacional e estrangeiro cessou, com exceção do obtido pela Petrobras, cujo risco é inferior ao do Brasil.

Poderá a economia brasileira atrair novos capitais de filiais estrangeiras, para uma nova substituição de importações e para aumentar o valor agregado de nossas exportações? Em tese, sim.

Para isso, seria preciso apresentar perspectivas de crescimento e de incorporação da população mais pobre -com maior propensão a consumir em reais, e não em dólares- a um mercado de massas que permitisse às filiais estrangeiras recalcular as vantagens locacionais de escala.

Entretanto isso supõe que a liberalização comercial não prosseguisse e que fossem implementadas políticas industriais e comerciais claras. As filiais vão exigir "liberdade", mas também proteção; o governo deverá exigir "controle e supervisão".

Da negociação setorial, ou mesmo caso a caso para as empresas líderes, deveriam surgir as tão propaladas "parcerias" que sugerem "cooperação" para afastar a restrição externa.

Convém lembrar que as instituições públicas brasileiras (BNDES, Banco Central, Banco do Brasil) não estão habituadas a cooperar entre si e muito menos a fazer política industrial e de comércio exterior.

Assim, a iniciativa do embaixador Sergio Amaral de criar a Camex (depois de oito anos do mesmo ministro da Fazenda e de oito ministros do Desenvolvimento), embora bem-vinda, não dá para infundir muita confiança.

Se o presidente FHC levasse mesmo a sério a consigna "exportar ou morrer" (do primeiro-ministro japonês no pós-guerra), não continuaria as negociações com a Alca, em que nossas relações, além de assimétricas em termos de "liberalização", são francamente deficitárias em termos comerciais.

Tampouco colocaria muita fé em negociações multilaterais ou bilaterais frouxas, as quais deveriam apenas adequar-se à nova estratégia comercial e industrial, e não seguir os humores dos negociadores hegemônicos, que nunca -e muito menos agora- abriram mão da sua proteção comercial.

Diante do tamanho da crise, seria de esperar que o presidente abandonasse a sua visão "renascentista" da globalização e pusesse de fato "mãos à obra" em vez de criar slogans para tranquilizar o mercado e melhorar a sua imagem de professor cosmopolita.
 

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