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12/06/2005 - 09h35

Ação cobra rombo de R$ 2,8 bi no IPI de cigarro

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FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
da Folha de S.Paulo

Mais uma legislação coloca sob suspeita a Receita Federal por editar regras tributárias para favorecer empresas ou setores. Desta vez, a suspeita recai sobre o setor de cigarros.

Na última quinta-feira, uma ação popular deu entrada na Justiça Federal em São Paulo pedindo ao setor a devolução de R$ 2,8 bilhões aos cofres públicos.

Esse é o valor que as indústrias de cigarros deixaram de repassar do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) ao governo, de junho de 1999 a maio deste ano, após mudança na forma de cobrar o tributo com o decreto nº 3.070, de 1999, no governo FHC.

A ação acusa a União de omissão; o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, por participar da elaboração do decreto; e o atual secretário, Jorge Rachid, por dar cumprimento à regra. A 18 fábricas de cigarros, a ação pede a devolução do IPI que deixou de ser recolhido no período.

Até maio de 1999, o IPI sobre os cigarros era cobrado sobre o valor de venda no varejo. A participação desse imposto representava 41,25% do preço de um maço que custasse R$ 4. Isto é, o IPI recolhido era de R$ 1,65 por maço, segundo cálculos dos escritórios de advocacia Morozetti e Lopes Monteiro, que movem a ação.

Com a mudança da base de cálculo do IPI, que passou a ser fixado em reais por maço (vintena) e varia de acordo com o tipo de cigarro, o peso desse imposto caiu para 22%, considerando o mesmo maço de R$ 4, que, com a nova regra, paga hoje R$ 0,88 de IPI.

O argumento do governo com a edição do decreto era o de combater a sonegação de impostos no setor e, com isso, elevar a receita. Mas não foi o que aconteceu.

Em 1999, a indústria de cigarros recolheu R$ 2,28 bilhões de IPI --R$ 3,53 bilhões corrigidos até abril deste ano pelo IPCA--, segundo informa o site da Receita Federal. Em 2004, o recolhimento do IPI do setor somou R$ 2,30 bilhões (valores nominais), ou R$ 2,36 bilhões atualizados.

Suspeito

"É surpreendente e suspeito que [a Receita] tenha, na contramão da busca incessante [do governo] por recursos financeiros, reduzido o IPI incidente sobre o cigarro, em aberto favorecimento à indústria do produto, especialmente as gigantes do setor, Souza Cruz e Philip Morris", segundo o texto da ação que está na Justiça.

Souza Cruz e Philip Morris são as empresas que mais ganharam com a nova forma de cobrança do IPI, segundo informam os advogados que movem a ação, porque são as que comercializam cigarros mais caros.

Antes, as empresas eram obrigadas a recolher o imposto sobre o faturamento. Com a mudança na fórmula de calcular o IPI, pagam um valor fixo sobre as unidades vendidas. Dessa forma, o imposto acaba tendo um peso maior para as fábricas que vendem cigarros mais baratos.

"Na medida em que tributa igualmente produtos com valores de venda diferentes, [a nova regra] reduz a tributação do produto com maior valor agregado, como são os cigarros produzidos pelas grandes multinacionais, Souza Cruz e Philip Morris, com a conseqüente redução da competitividade dos produtos de menor valor agregado [os dos demais fabricantes]", diz o texto da ação.

Um ex-funcionário do alto escalão da Receita que trabalhava no órgão na época da elaboração das regras para mudar a base de cálculo do IPI informa que as grandes empresas do setor tinham acesso "fácil" e "direto" a Everardo. As empresas e o ex-secretário negam.

"Malabarismo jurídico"

A ação questiona ainda o fato de a mudança na base de cálculo do IPI ter sido feita por meio de decreto, quando, segundo os advogados, a Constituição estabelece que essa alteração deve ser feita por meio de lei complementar (complementa o que já está na Constituição e exige maioria absoluta do Congresso para sua aprovação).

A Constituição também determina que alíquotas fixas do IPI, como as estabelecidas para o setor de cigarros, devem ser instituídas por lei ordinária (criada pelo Poder Legislativo).

A Receita fez um "malabarismo jurídico". Ela "elaborou e submeteu às autoridades superiores minuta de decreto desacompanhada de Exposição de Motivos [como determina o artigo 25 do decreto nº 2.954, de 1999), ao que se sabe", diz o texto da ação.

A mudança na base de cálculo do IPI para o setor de cigarros fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo os advogados. Como houve renúncia fiscal, como entende a ação, a alteração na regra tributária deveria ter vindo acompanhada da estimativa de seu impacto --leia-se perda de receita-- no Orçamento. "Nesse caso, houve renúncia fiscal sem o cumprimento de exigências estabelecidas na legislação."

Tributaristas consultados pela Folha confirmam que as fábricas de cigarros foram beneficiadas pelo decreto nº 3.070 --especialmente as grandes. Mas entendem também que o cálculo do IPI sobre o volume vendido é o mais adequado para os setores com alto índice de sonegação.

Clóvis Panzarini, ex-secretário estadual da Fazenda de São Paulo, concorda. "Cobrar esse imposto [o IPI] sobre o volume é uma maneira de combater o subfaturamento de empresas do setor."

"Ilegal"

Na análise dos advogados Waldir Luiz Braga e Waine Domingos Peron, integrantes da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-SP, o decreto que autorizou a mudança na forma de cobrar o IPI sobre cigarros é "ilegal".

"Um decreto, por definição, só pode regulamentar uma lei. Não poderia ter mudado radicalmente a base do cálculo. O segundo equívoco cometido é que esse decreto vai buscar validade numa lei [nº 7.798, de 1989] que se refere ao setor de bebidas; não tem nada a ver com cigarros", afirma Braga.

Os tributaristas questionam ainda a redução do IPI para um setor que não é considerado essencial --um dos princípios que fazem parte do conceito do IPI.

"Essa política tributária é equivocada. Não estamos falando de uma redução para os setores de medicamentos ou de alimentos, que são de fato essenciais. Além de perder em arrecadação, o governo aumenta seus gastos porque estimula o consumo de um produto que causa malefícios à saúde. Tem mais gasto público com o aumento da freqüência dos fumantes aos postos de saúde", afirma Braga.

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre a Philip Morris
  • Leia o que já foi publicado sobre a Souza Cruz
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