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06/06/2006
-
10h39
FLÁVIA MARREIRO
enviada especial da Folha de S.Paulo a Santiago
Pela terceira vez em cinco dias, a presidente do Chile, Michelle Bachelet, foi ontem a público falar da crise provocada pelos protestos de estudantes no país. Dessa vez, para atender a principal reivindicação dos secundaristas, o governo prometeu enviar até hoje ao Congresso um projeto de reforma da lei educacional do país.
Ontem, os estudantes convocaram uma greve geral, que foi acompanhada por universidades e paralisações pontuais de funcionários públicos. Foi mais um dia de confronto entre grupos de secundaristas, manifestantes infiltrados e a polícia. No começo da noite, a avenida da sede do governo, o Palacio La Moneda, estava fechada pelas manifestações, e já havia 163 detidos.
"Essa greve hoje não é necessária. Os estudantes fizeram sentir suas demandas, que classifiquei como justas e legítimas", afirmou Bachelet de manhã, após anunciar o envio da reforma educacional ao Congresso.
Apesar de mencionar a reforma, a presidente não se opôs a um ponto-chave da lei atual, a chamada "liberdade de ensino", que permite que colégios públicos e privados escolham seus currículos, entre outras coisas. Segundo os estudantes, a permissão provoca desníveis entre a educação da maioria da população e da elite de 930 colégios privados do país. "[Enviei] um projeto de reforma da Constituição para consagrar o direito de todo cidadão a uma educação de qualidade, direito que, no meu juízo, não se opõe à liberdade de ensino", declarou.
O ministro do Interior, Andrés Zaldívar, criticou a oposição por "jogar lenha na fogueira". Os dois partidos de direita que se opõem à Concertação, de Bachelet, aproveitaram a debilidade inesperada do governo --que assumiu há menos de três meses-- para pedir que a presidente não viaje aos EUA e à América Central na quinta-feira, como programado.
Além disso, a oposição decidiu convocar o ministro da Educação, Martín Zilic, para prestar explicações aos parlamentares. É a primeira vez que esse tipo de convocação é feita. "Quero que a direita atue mais para buscar a paz e a conciliação neste país, antes de pretender jogar mais lenha na fogueira", disse Zaldívar.
Fator-surpresa
Os analistas concordam que o governo foi pego de surpresa pela crise, após uma troca de poder sem sobressaltos, dentro do próprio partido, em março.
"Era um problema imprevisível e apareceu muito cedo. O governo teve que improvisar soluções", diz Marta Lagos, diretora do centro de estudos de opinião Latinobarometro.
Para ela, é surpreendente que haja uma mobilização com esse impacto no país, que sofre desde a volta de democracia, em 1990, "uma espécie de pânico com imprevistos e conflitos". "Havia um consenso social de como deveria ser a reconstrução da democracia, sem sobressaltos. Tudo foi feito de maneira programada e estruturada nos governos da Concertação. Por causa da memória dos tempos autoritários, a sociedade chilena exibia uma espécie de pânico com os imprevistos, os conflitos. E esse é o primeiro movimento que nasce da base da sociedade e ganha simpatia."
Para Lagos e para o analista Patricio Navia, professor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Nova York, esse ressurgimento de instrumentos de pressão sobre o governo foi produzido pela própria presidente.
"Bachelet privilegiou o discurso de liderança inclusiva e falou de igualdade de oportunidade. Isso preparou o terreno para que os estudantes pudessem se mobilizar", diz ele. "É o que sempre acontece na América Latina. Se um governo acena com mais liberdade para usar instrumentos democráticos, há um "destape", abre-se a caixa de demandas e, perversamente, isso se volta contra o governo da vez", completa Lagos.
Mas por que os estudantes? Para Patricio Navia, o grupo tem condições melhores de organização. "Os estudantes são usuários concentrados do sistema educacional. É mais fácil que eles se organizem do que os usuários do sistema de saúde ou habitacional", explica.
Controle da agenda
Os analistas afirmam que o governo perdeu a autonomia sobre a agenda que pretendia impor nos primeiros meses de governo. "Creio que o governo atuou de forma reativa. Subestimou a natureza e o alcance do movimento e se equivocou entregando o tema ao Ministério da Educação, que se demonstrou incapaz de resolvê-lo. Só na quinta, na TV, Bachelet retomou o controle da situação. A demora permitiu que o movimento crescesse", diz Navia.
"A educação não estava entre as prioridades. Bachelet estava falando dos mais velhos, e o dique estourou do outro lado. Os estudantes conseguiram captar uma grande frustração no Chile de hoje, que é a desigualdade e a ausência de mobilidade social. Daí a simpatia que atraíram", afirma Lagos. O problema agora, diz ela, é passar a reforma pelo Congresso, pela direita.
A adesão de setores do funcionalismo e do sindicalismo --que o governo acusa de "instrumentalizarem" o movimento estudantil-- é natural para Lagos. "O sindicalismo no Chile é muito fraco, pontual. Foi destroçado na ditadura e não pode se recuperar na democracia. Agora, vêem uma chance de protestarem também."
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enviada especial da Folha de S.Paulo a Santiago
Pela terceira vez em cinco dias, a presidente do Chile, Michelle Bachelet, foi ontem a público falar da crise provocada pelos protestos de estudantes no país. Dessa vez, para atender a principal reivindicação dos secundaristas, o governo prometeu enviar até hoje ao Congresso um projeto de reforma da lei educacional do país.
Ontem, os estudantes convocaram uma greve geral, que foi acompanhada por universidades e paralisações pontuais de funcionários públicos. Foi mais um dia de confronto entre grupos de secundaristas, manifestantes infiltrados e a polícia. No começo da noite, a avenida da sede do governo, o Palacio La Moneda, estava fechada pelas manifestações, e já havia 163 detidos.
"Essa greve hoje não é necessária. Os estudantes fizeram sentir suas demandas, que classifiquei como justas e legítimas", afirmou Bachelet de manhã, após anunciar o envio da reforma educacional ao Congresso.
Apesar de mencionar a reforma, a presidente não se opôs a um ponto-chave da lei atual, a chamada "liberdade de ensino", que permite que colégios públicos e privados escolham seus currículos, entre outras coisas. Segundo os estudantes, a permissão provoca desníveis entre a educação da maioria da população e da elite de 930 colégios privados do país. "[Enviei] um projeto de reforma da Constituição para consagrar o direito de todo cidadão a uma educação de qualidade, direito que, no meu juízo, não se opõe à liberdade de ensino", declarou.
O ministro do Interior, Andrés Zaldívar, criticou a oposição por "jogar lenha na fogueira". Os dois partidos de direita que se opõem à Concertação, de Bachelet, aproveitaram a debilidade inesperada do governo --que assumiu há menos de três meses-- para pedir que a presidente não viaje aos EUA e à América Central na quinta-feira, como programado.
Além disso, a oposição decidiu convocar o ministro da Educação, Martín Zilic, para prestar explicações aos parlamentares. É a primeira vez que esse tipo de convocação é feita. "Quero que a direita atue mais para buscar a paz e a conciliação neste país, antes de pretender jogar mais lenha na fogueira", disse Zaldívar.
Fator-surpresa
Os analistas concordam que o governo foi pego de surpresa pela crise, após uma troca de poder sem sobressaltos, dentro do próprio partido, em março.
"Era um problema imprevisível e apareceu muito cedo. O governo teve que improvisar soluções", diz Marta Lagos, diretora do centro de estudos de opinião Latinobarometro.
Para ela, é surpreendente que haja uma mobilização com esse impacto no país, que sofre desde a volta de democracia, em 1990, "uma espécie de pânico com imprevistos e conflitos". "Havia um consenso social de como deveria ser a reconstrução da democracia, sem sobressaltos. Tudo foi feito de maneira programada e estruturada nos governos da Concertação. Por causa da memória dos tempos autoritários, a sociedade chilena exibia uma espécie de pânico com os imprevistos, os conflitos. E esse é o primeiro movimento que nasce da base da sociedade e ganha simpatia."
Para Lagos e para o analista Patricio Navia, professor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Nova York, esse ressurgimento de instrumentos de pressão sobre o governo foi produzido pela própria presidente.
"Bachelet privilegiou o discurso de liderança inclusiva e falou de igualdade de oportunidade. Isso preparou o terreno para que os estudantes pudessem se mobilizar", diz ele. "É o que sempre acontece na América Latina. Se um governo acena com mais liberdade para usar instrumentos democráticos, há um "destape", abre-se a caixa de demandas e, perversamente, isso se volta contra o governo da vez", completa Lagos.
Mas por que os estudantes? Para Patricio Navia, o grupo tem condições melhores de organização. "Os estudantes são usuários concentrados do sistema educacional. É mais fácil que eles se organizem do que os usuários do sistema de saúde ou habitacional", explica.
Controle da agenda
Os analistas afirmam que o governo perdeu a autonomia sobre a agenda que pretendia impor nos primeiros meses de governo. "Creio que o governo atuou de forma reativa. Subestimou a natureza e o alcance do movimento e se equivocou entregando o tema ao Ministério da Educação, que se demonstrou incapaz de resolvê-lo. Só na quinta, na TV, Bachelet retomou o controle da situação. A demora permitiu que o movimento crescesse", diz Navia.
"A educação não estava entre as prioridades. Bachelet estava falando dos mais velhos, e o dique estourou do outro lado. Os estudantes conseguiram captar uma grande frustração no Chile de hoje, que é a desigualdade e a ausência de mobilidade social. Daí a simpatia que atraíram", afirma Lagos. O problema agora, diz ela, é passar a reforma pelo Congresso, pela direita.
A adesão de setores do funcionalismo e do sindicalismo --que o governo acusa de "instrumentalizarem" o movimento estudantil-- é natural para Lagos. "O sindicalismo no Chile é muito fraco, pontual. Foi destroçado na ditadura e não pode se recuperar na democracia. Agora, vêem uma chance de protestarem também."
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