Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
27/03/2008 - 08h53

Veja como lidar com os riscos e as necessidades específicas de bebês prematuros

Publicidade

AMARÍLIS LAGE
da Folha de S.Paulo

Quando a promotora de Justiça Sandra Massud, 36, saiu da maternidade com Stefano no colo, ela se sentia muito feliz. Mas também estava apavorada. Além de ser mãe de primeira viagem, enfrentava outro desafio: o de cuidar de um bebê prematuro. Stefano nasceu com apenas 32 semanas de gestação, quando o esperado são 40, e pesava 1,6 kg. Precisou ficar internado na UTI neonatal. Após 25 dias no hospital, enfim recebeu alta. Era o início de uma nova fase para ambos.

Situações como a de Sandra têm se tornado cada vez mais comuns. Em São Paulo, a proporção de recém-nascidos prematuros passou de 7,1%, em 2000, para 8,6% em 2006, segundo dados do Ministério da Saúde. Nos EUA, esse índice era de 12% em 2005, diz a pediatra Ana Lúcia Goulart, professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Uma das justificativas para esse índice é o fato de as mulheres engravidarem mais tardiamente e, ligado a isso, o avanço e a popularização dos métodos de fertilização artificial, que favorecem as gestações múltiplas. Afinal, quanto maior o número de bebês dividindo o útero, maior a chance de eles nascerem antes do tempo -a gestação de gêmeos dura cerca de 37 semanas, a de trigêmeos, 33 e a de quadrigêmeos, 29.

Cada semana a menos na gestação significa menos peso, menor resistência imunológica e maior risco de complicações -fantasmas que continuam a assombrar os pais mesmo quando os médicos garantem que o bebê já está forte o suficiente para ir para casa.

"Quando o pediatra disse que ia dar alta ao Stefano, fiquei com medo. Você se acostuma com a UTI, com aquele monte de aparelhos. Eu me perguntava: como vou saber se a saturação [nível de oxigênio no sangue] está boa, se os batimentos cardíacos estão adequados, se o estômago aceitou a alimentação?", conta Sandra, deixando transparecer o vocabulário técnico que os pais inevitavelmente aprendem nas UTIs neonatais. Ela não teve dúvidas: contratou uma enfermeira.

Aos poucos, descobriu que bebês prematuros precisam de alguns cuidados específicos, sim, mas aprendeu a lidar com a situação e, após três meses, abriu mão da profissional.

Cartilha

Professora de enfermagem da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto, Luciana Mara Monti Fonseca elaborou uma cartilha só com dicas para pais de bebês nascidos prematuramente -antes de 37 semanas. Uma pesquisa de mestrado defendida neste mês na instituição avaliou a eficácia do guia junto a pais e constatou que ele é considerado muito útil -principalmente quando é abordado em grupo.

"Percebemos que havia muito material com orientações para o profissional que cuida do bebê, mas não para a família", diz Fonseca. "Perguntamos às mães quais eram suas dúvidas. Verificou-se que não basta dar a cartilha. As informações devem ser trabalhadas com pais e especialistas."

No trabalho, ela procurou abordar cuidados básicos, válidos para qualquer prematuro. Claro que cada caso é único. Mas, em geral, afirma Miriam Perez, coordenadora da UTI neonatal do Hospital Barra D'Or, no Rio de Janeiro, crianças nascidas entre 34 e 37 semanas de gestação não sofrem muitos riscos. Já as nascidas com menos de 32 semanas estão mais susceptíveis a alguns problemas, como a anemia. Bebês com menos de 28 semanas estão mais sujeitos, por exemplo, a problemas respiratórios, já que seu pulmão ainda está imaturo.

Luciana Fonseca descobriu que as principais dúvidas dos pais não eram sobre aparatos tecnológicos, como ocorre nos EUA, mas sobre cuidados básicos. A pergunta mais comum: como amamentar esse bebê?

Dormir e mamar

Uma diferença perceptível entre os bebês nascidos a termo e os prematuros é que os últimos são muito mais dorminhocos. Segundo Suely Dornellas do Nascimento, coordenadora da UTI neonatal da maternidade Santa Joana, eles passam 80% do tempo no sono REM (estágio associado aos sonhos). Isso não significa, porém, que os pais estejam livres para dormir a noite toda -em vez de acordar com o choro do bebê, eles terão de acordar com o despertador.

Bebês prematuros precisam mamar a cada três horas, mas dificilmente acordam por causa da fome. Além disso, eles se cansam mais ao mamar, podendo ingerir menos leite do que o necessário. Também pode ser preciso que a mãe "ensine" o bebê a mamar -é comum que eles tenham dificuldades para aliar sucção e respiração, precisando de pausas durante a mamada.

Quanto ao leite: o materno é sempre a melhor opção, já que tem anticorpos, hormônios e nutrientes únicos. Mas bebês nascidos com baixo tempo gestacional precisam de uma força extra na alimentação.

O primeiro "reforço" vem da própria natureza: mães de bebês prematuros produzem um leite mais calórico e rico em proteínas nos primeiros quinze dias após o parto. Depois, volta à composição normal.

Para suprir essas deficiências, os prematuros precisam tomar suplementos vitamínicos -segundo Perez, pelo menos até os seis meses.

A ingestão de sulfato ferroso também é importante e recomendada a todos os bebês. No caso de prematuros, a diferença é que eles devem tomá-lo até os dois anos de idade, enquanto outras crianças devem fazê-lo até um ano, em média, diz Ana Lúcia Goulart, da Unifesp.

Após mamar, alguns bebês podem apresentar refluxo. Em prematuros, isso é mais comum, já que o esfíncter inferior do esôfago é imaturo para impedir a passagem do suco gástrico. Para João Fazio Jr., pediatra responsável pela UTI neonatal do hospital Santa Catarina, em São Paulo, o problema só é preocupante quando se torna uma doença, afetando o peso do bebê.

Para evitar o refluxo, Perez sugere colocar um travesseiro sob o colchão do bebê ou deixá-lo no carrinho inclinado, com a cabeça mais elevada.

Crescimento

A expectativa é que a criança alcance a altura e o peso esperados para a sua idade aos dois anos. O mesmo vale para o desenvolvimento motor.

Até então, é preciso fazer um ajuste cronológico. Quando um bebê que nasceu com seis meses fizer seu primeiro aniversário, ele deverá corresponder aos padrões médios criados para uma criança de nove meses, e não de doze.

O que nem todos os pais sabem é que algumas diferenças podem persistir por mais de dois anos. Crianças que nasceram com uma idade gestacional muito baixa podem, por exemplo, permanecer pequenas para sua faixa etária. Mas não se trata só de tamanho: um estudo francês chamado Epipage e divulgado neste mês mostrou que crianças nascidas com menos de 33 semanas têm mais problemas de saúde e dificuldades cognitivas aos cinco anos do que as que ficaram mais tempo no útero.

No ambulatório de prematuros da Unifesp, as crianças são acompanhadas até o fim da adolescência. Segundo Goulart, os mais prematuros têm mais riscos de desenvolver anemia, doenças metabólicas e respiratórias.

Ela ressalta que o acompanhamento para detecção precoce dos problemas é fundamental. Nesse sentido, um aspecto importante é a saúde oftalmológica: prematuros são mais susceptíveis a problemas como miopia e estrabismo.

Ainda na maternidade, deve- se fazer o exame de fundo de olho para ver se há retinopatia -- que pode causar cegueira, mas é tratável se detectada a tempo. O acompanhamento deve ser feito do primeiro mês de vida até a retina estar totalmente vascularizada --por volta dos dois ou três meses.

Outro exame importante é o auditivo --nascer com menos de 30 semanas é um fator de risco para a perda auditiva. Além disso, diz Goulart, crianças prematuras demoram mais para falar.

Sistema respiratório

De todos os riscos, um dos mais preocupantes é o de problemas respiratórios. Aliás, um grande salto nos índices de sobrevivência dos prematuros ocorreu com a introdução nas UTIs neonatais do surfactante --no Brasil, há cerca de vinte anos. Trata-se de uma medicação que impede que as paredes dos pulmões do bebê grudem uma na outra.

Outra medida importante é a administração de corticóides a mulheres em gestações com risco de prematuridade, para acelerar a formação pulmonar e cerebral do bebê.

Apesar dos avanços, a saúde respiratória dos prematuros é delicada --uma gripe pode levar a uma bronquiolite (inflamação dos brônquios) e ter conseqüências graves. " A mortalidade diminuiu, mas aumentam as morbidades. Atualmente, o grande desafio é evitar complicações", diz Fazio.

Em casa, os pais devem evitar levar o bebê a locais fechados com muita gente e mantê-lo aquecido nos dias frios, já que eles costumam ter as extremidades do corpo mais frias.

Em alguns casos, também pode ser necessário imunizar o bebê --especialmente se ele nasceu com menos de 32 semanas. O palivizumabe protege a criança contra o VSR (vírus sincicial respiratório), o principal agente de infecções respiratórias agudas em crianças com menos de um ano de idade, afirma Renato Kfouri, diretor da Associação Brasileira de Imunizações.

O calendário de vacinação deve ser seguido normalmente (sem ajustes relacionados à prematuridade).

Superproteção

Após tantas dicas, a última pode parecer um paradoxo: relaxe. Um erro comum de pais de prematuros é desenvolver uma preocupação excessiva com a saúde do filho, que acaba sendo prejudicial para ambos, afirma Goulart, da Unifesp. "O pai não deve deixar a criança insegura, tímida."

A dica dos especialistas é: se a criança já pode ir para casa, é porque ela já está estável, capaz de se desenvolver e, claro, de dar muito trabalho --como qualquer criança.

 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página