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Pragmático, Lula se recicla como "eterno negociador"

PLÍNIO FRAGA
da Folha de S.Paulo

Na segunda semana de dezembro de 1998, Fábio Luiz, um dos cinco filhos do presidenciável petista Luiz Inácio Lula da Silva, 56, atendeu a um telefonema para o pai, que não estava. Prometeu ao interlocutor que daria o recado.

No dia seguinte, um novo telefonema do mesmo interlocutor, desta vez atendido por Marisa Letícia, mulher de Lula. O petista mais uma vez não estava no apartamento de cobertura de 186 metros quadrados em São Bernardo.

Surpreendida pelo telefonema, Marisa perguntou ao filho se havia algum recado para o pai. Fábio Luiz, então com 24 anos, que divide seus interesses entre a biologia e o teatro, tido como o mais esquecido da família, repetiu mecanicamente sem atinar o nome à pessoa: "Ah, um Fernando Henrique ligou para o pai".

Fazia dois meses que Fernando Henrique Cardoso, candidato do PSDB, derrotara Lula, candidato do PT pela terceira vez, na disputa pela Presidência. FHC queria agradecer ao petista por não ter usado o chamado dossiê Caribe (papéis comprovadamente fraudados com referências a falsas contas mantidas por tucanos no exterior) durante a campanha eleitoral.

Graças à intervenção de Marisa, FHC conseguiu, por meio do telefone celular, falar com Lula, que estava em Brasília na tarde de 10 de dezembro de 1998. Marcou um jantar para as 23h do mesmo dia, na residência oficial da Presidência.

Por irônico que pareça, no contato com FHC se esboçaria o perfil da quarta tentativa de Lula de chegar à Presidência. Ali se reforçaria a necessidade de dar primazia à figura do negociador, que Lula sempre foi, na sua estratégia política. O que hoje se traduz na obsessão pela construção de alianças para poder vencer ou governar.

Lula chegou acompanhado do então governador do Distrito Federal, Cristovam Buarque (que não se reelegera). Foram recebidos na parte mais familiar do Palácio da Alvorada, com direito a uma visita ao quarto presidencial. "Um dia você vai morar aqui", disse FHC a Lula, provocando risos constrangidos no petista. "Levei como uma brincadeira, como deveria ter levado", diz ele hoje.

Naquele momento, não havia nada que Lula encarasse como mais distante. Não tinha entendido completamente a razão do chamado do presidente, muito menos a afirmação simpática. Estava triste com a derrota de dois meses antes por uma diferença de 14,5 milhões de votos. Refletia seriamente sobre a possibilidade de não mais se candidatar.

Tinha a certeza de que errara em 1989 ao não aceitar o apoio oferecido pelo candidato derrotado do PMDB, Ulysses Guimarães. Em 1994, subestimou os efeitos do Plano Real, seguindo conselhos dos economistas do PT. Em 1998, montou uma ampla aliança de esquerda com Leonel Brizola (PDT) e Miguel Arraes (PSB), mas descobriu que precisava também do voto conservador para vencer.

A depressão pela terceira derrota consecutiva, sendo a última uma disputa na qual não queria entrar por achar previsível o resultado, fazia com que achasse arraigado no brasileiro o preconceito contra ele: um nordestino de Garanhuns (PE) que completou apenas o equivalente ao quarto ano do primeiro grau e trabalhou como operário metalúrgico.

Seu primeiro contato com a política ocorreu na eleição de 1960. A família de Lula era simpática ao candidato a presidente pelo PSP, Adhemar de Barros (1901-1969). Lula entrou em um ônibus com um panfleto de Adhemar, mas estava rodeado por simpatizantes do petebista Jânio Quadros (1917-1992). "Me fizeram descer do ônibus a pontapé", relembra.

Para Lula, o fato mais marcante de 1964, ano em que completou 19 anos, não foi o de certo modo previsível movimento militar que derrubou o presidente João Goulart (PTB) em 31 de março.

Foi sim o inesperado movimento de uma prensa vertical da metalúrgica Independência, que lhe decepou o dedo mínimo da mão esquerda. O ano estava no fim. Durante a madrugada, um colega de trabalho cochilou e soltou a prensa, no momento em que o petista torneava um parafuso.

Até os 22 anos, Lula não tinha interesse algum por política. "Eu odiava os políticos", afirma. Foi nessa época que um dos seus sete irmãos lhe arrumou uma função burocrática no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.

José Ferreira da Silva, o Frei Chico, convenceu-o a assumir uma suplência no sindicato. Dificilmente teria se entusiasmado por sua atividade ali, não fosse outra tragédia pessoal. Em maio de 1969, Lula casou-se com a tecelã Maria de Lourdes. No ano seguinte, a mulher engravidou, mas os médicos não diagnosticaram quando ela contraiu hepatite. Ela é internada, e Lula, chamado às pressas, descobre ao chegar ao hospital que mulher e filho estavam mortos.

A vida como dirigente do sindicato foi a forma que encontrou para enfrentar a viuvez prematura. Lá conheceu Marisa, também viúva e que foi pedir uma documentação do irmão. Após insistente assédio, ela se tornou a segunda mulher de Lula e é sua companheira há 28 anos.

"É ela quem corta minha unha", já disse Lula a respeito de Marisa, numa declaração que arrepiaria as integrantes da Secretaria Nacional de Mulheres, órgão partidário do PT. Marisa até hoje limita a opção do marido pela política. Lula tenta cumprir um acordo que fez com ela: dedicar ao menos os fins-de-semana à família.

Em 1975, Lula assumiu a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos, com uma base de cerca de 100 mil operários. Ali cunhou em 1978 a frase: "Se os patrões não atenderem os trabalhadores já, com negociações, serão obrigados a atender mais tarde, Deus sabe como".

É dessa época uma entrevista em que, assim como o regime militar, um repórter tentava delimitar Lula ideologicamente. "O senhor é leninista?", perguntou o jornalista. "Não, sou torneiro mecânico", respondeu.

Pôde usar essa afirmação até maio de 1981, quando foi demitido pela Villares Equipamentos. Estava afastado desde 1972 do cargo de contramestre para exercer atividades sindicais. Como foi cassado como sindicalista pelos militares em 1981, perdeu a imunidade e o emprego. Recebia o equivalente hoje a R$ 1.574,13, caso seu salário da época seja atualizado pelo INPC do IBGE.

Lula já enfrentava uma série de boatos, que contestavam, além de suas motivações ideológicas, sua origem pobre. O mais célebre deles era que vivia em uma mansão no bairro do Morumbi. Em 1979, aceitou o convite de uma revista para ir à boate Gallery, então um ícone dos ricos paulistas. Atacado, disse: "Eu quero que todo operário ganhe o suficiente para frequentar o Gallery".

Nesse mesmo ano, já era questionado sobre uma mudança no seu estilo de roupa e cobrado por usar terno e gravata: "Todo operário gostaria de andar bem vestido. Se eu pudesse, andaria sempre bem vestido".

Outra lenda envolve charutos cubanos, enviados regularmente a Lula pelo ditador Fidel Castro. Na realidade, o petista fuma cigarrilhas, não charutos. Frei Betto, amigo de Lula e de Fidel, afirma que ocorrem envios esporádicos e que o líder petista repassa os presentes a companheiros por preferir as cigarrilhas.

A falta de uma linha política clara chegou a render dissabores hoje engraçados: "Estávamos fazendo uma reunião em Madureira no Rio para discutir a fundação do PT, quando um grupo ligado ao PCB chegou à reunião. Quebraram o pau e me chamaram de agente da CIA (agência de inteligência dos EUA)", declara.

Em 1980, Lula foi o principal artífice da fundação do PT. Em discurso de saudação à criação do partido, o crítico de arte Mário Pedrosa, que havia sugerido a idéia a Lula no artigo "Carta a um Operário", publicado na Folha em agosto de 1978, tenta definir sua proposta e seus caminhos: "Partido de massa não tem vanguardas, não tem teorias, não tem livro sagrado. Ele é o que é, guia-se por sua prática, acerta por seu instinto", dizia o texto.

Poucas palavras podem definir tão bem como Lula comanda o PT do que o termo instinto, entendido como aptidão nata e contraposto à formação escolar/política tradicional.

Lula é um "assembleísta". Mais do que tomar atitudes a partir de teses ou de documentos técnicos, prefere reunir os opostos e chegar a um ponto de convergência em conversas longas. Lula vê isso como uma qualidade, apesar da crítica de que não sabe tomar decisões -uma necessidade básica da rotina administrativa.

Lula refutou a chance de tentar uma formação acadêmica, o que incluiu um convite em 1999 para ser aluno especial em um curso de extensão na University of Oxford, a mais antiga instituição universitária em língua inglesa do mundo.

Ele próprio deu, em entrevistas passadas, pistas sobre sua rejeição a esse tipo de caminho: "Sou preguiçoso para ler. Quando muito, leio o prefácio, deixo para depois e acabo não lendo", disse em 1979.

Segue seu instinto político. Argumenta, por exemplo, que em 1980 a maior parte dos intelectuais dizia não haver espaço nem razão para a criação de um partido de trabalhadores. Eles estavam errados, comemora hoje. Espera estar certo novamente ao se aliar ao PL e aceitar apoios, mesmo que venham de Orestes Quércia, Paulo Maluf ou Antonio Carlos Magalhães. "Eu sei o que é perder três eleições", afirma.

Se eleito, será o terceiro presidente com barba da história republicana -antes dele, só Deodoro da Fonseca e Prudente de Moraes, ambos do final do século 19. Será ainda o primeiro presidente sem formação militar (15) ou universitária (entre os 20 advogados, um jornalista, um médico, um engenheiro e um sociólogo).

O Lula que um dia defendeu a luta armada como uma via para que os oprimidos chegassem ao poder e a expropriação do grande capital é hoje um senhor de cabelos bem cuidados, barba aparada, ternos de corte fino e sorriso contínuo. Ainda tem de lidar com fantasmas que alimentou no passado. "Se eleito, o sr. vai fechar o McDonald's e a Coca-Cola?", perguntou um universitário no mês passado. "Se fizer isso, meus netos se rebelam contra mim", disse.


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