Folha Online Brasil 100 dias de Lula
100 dias de Lula
09/04/2003

Opinião - As novidades ainda estão no ar

ROBERTO FREIRE

especial para a Folha Online

Os primeiros cem dias da administração Lula foram marcados pela continuidade. Não houve nenhuma grande mudança estrutural em relação ao governo de FHC. O cenário de ruptura, esperado por alguns setores conservadores, facções esquerdistas e pela maioria dos eleitores, não se deu. A favor do governo: a economia mantém estáveis seus principais parâmetros, o que dá a Lula a possibilidade de formular, com mais tranquilidade, políticas mudancistas. Contra: há no ar uma certa inquietação.

Em que pese comportamentos que nos deixam preocupados -por exemplo, não temos nada contra o atual presidente do Banco Central mas, simbolicamente, creio que fosse importante mostrar à sociedade uma nova orientação para a instituição-, talvez, em um país já complexo como o nosso, muito vinculado ao mercado financeiro internacional, a prudência inicial em um governo de esquerda seria necessária. O problema é estabelecer quais os níveis de prudência, quando podemos avançar mais em reformas estruturais e em qual momento vamos executar, de forma inequívoca, um outro projeto, alternativo e desenvolvimentista, ao continuismo da política econômica do governo anterior.

Existem questões políticas sérias no ar a resolver. Em direção ao centro, é importante a ampliação da base de sustentação política do governo, e o PMDB é um parceiro a ser buscado com insistência. Na relação com os agrupamentos esquerdistas, muitos deles apoiadores do governo em primeira hora, há um potencial de crise a ser administrado. Vários partidos se formaram e se consolidaram com um discurso fortemente corporativista, nacionalista, anti-globalização, contra o "neoliberalismo" e, em especial, contra as pretendidas reformas do Estado. Eles podem, se prevalecerem concepções mais ideológicas e menos políticas, chocar-se contra o Executivo.

Aos que não morrem de amores pelo PPS, lembramos: não é o nosso caso, pois somos reformistas há muito tempo e, com certeza, estaremos na linha de frente de defesa das reformas transformadoras da sociedade e do Estado brasileiros.

Tememos possíveis desencontros no interior do governo, até mesmo porque o insucesso da gestão Lula não beneficiaria a esquerda. Pelo contrário, a tendência seria fortalecer-se um ramo do conservadorismo, de direita, presente em nosso país e que não vem, já algum tempo, conseguindo se articular como uma viável opção política e eleitoral junto à sociedade.

Parece, aquilo que era uma deficiência, a inexistência de um prévio projeto estratégico de governo, começa a ser superado com a definição das principais linhas da Lei de Diretrizes Orçamentárias e com o envio ao Congresso, ainda neste mês de abril, das reformas tributária e previdenciária. Entretanto, permanecem algumas indefinições e contradições no seio do governo e, se não são graves, pelos menos preocupam e exigem soluções mais ágeis e claras.

E as ambiguidades desses primeiros cem dias não são poucas. Elas dizem respeito, por exemplo, à área de ciência e tecnologia, em especial na questão da biotecnologia e dos transgênicos. E são visíveis, quando vozes influentes do governo, incluindo o próprio presidente, questionam as agências reguladoras como se fossem terceirização de atribuições governamentais de um lado e, de outro, defendem a autonomia plena do Banco Central, instituição que trata exatamente das mais sensíveis relações entre Estado e Mercado, ressaltando-se a moeda e o câmbio. Ora, agências expressam uma conformação moderna do novo Estado e são instrumentos públicos e avançados de regulação de setores do mercado -recentemente privatizados ou desde sempre privados. As agências, mesmo necessitando de alguns ajustes, devem ser fortalecidas.

Até agora não tivemos grandes novidades, mesmo porque a principal bandeira do governo, o programa Fome Zero, política compensatória de extração liberal e portanto incapaz de viabilizar mudanças reais, é deficiente na sua concepção e operacionalidade.

Mas as novidades continuam sendo desejadas e elas são possíveis.

Roberto Freire, 60, é deputado federal pelo PPS de Pernambuco, líder da bancada na Câmara e ex-presidente nacional do partido

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