Folha Online Brasil 100 dias de Lula
100 dias de Lula
09/04/2003

Opinião - O Brasil está mudando

JOSÉ GENOINO

especial para a Folha Online

Ao assumir o governo, o presidente Lula encontrou o país mergulhado numa grave crise econômica e a administração pública com crises de capacidade e de desempenho em várias áreas da ação governamental. A crise econômica se expressava na deterioração dos principais indicadores. Com três meses de governo, o ambiente de confiança no Brasil já é outro.

O governo Lula não só evitou o aprofundamento da crise, mas reverteu a tendência negativa dos indicadores econômicos para uma tendência positiva e está mostrando que tem mais responsabilidade fiscal que o governo anterior. Os resultados macroeconômicos obtidos no mês de março dão provas da consistência do caminho escolhido. O dólar caiu mais de 6%, e a Bovespa teve uma alta de 9,66% no mês.

O risco-Brasil caiu para menos de 1.000 pontos e os títulos da dívida brasileira (C-Bonds) continuam em franca valorização. A queda do dólar se explica pelo aumento das exportações, pelas captações externas e pela rolagem, pelo BC, de 100% da dívida cambial - US$ 3,1 bilhões. O déficit externo fechado mostra uma sinalização positiva: o acumulado dos 12 meses é de US$ 5,55 bilhões, caindo para 1,22% do PIB. O saldo comercial mais uma vez explica o bom desempenho desse indicador. O superávit comercial nos três primeiros meses é de cerca de US$ 3,6 bilhões. Já o superávit do setor público, em janeiro e fevereiro, foi de 7%, proporcionando um acúmulo de R$ 16,084 bilhões. A persistência desse caminho indica que o Brasil está controlando a inflação e que poderá baixar os juros num momento oportuno.

Começamos a construir as condições para atingir aquele ponto de chegada a que nos propusemos. No passado, o Brasil cresceu sem distribuir renda. Nos anos recentes, o Brasil nem cresceu e nem distribuiu renda. O objetivo central do PT e do governo Lula é o de crescer e distribuir renda.

Um dos instrumentos fundamentais para a retomada do desenvolvimento, com geração de empregos e distribuição de renda, será a aprovação das reformas da Previdência e tributária. As transferências do Estado, principalmente para a Previdência, para cobrir déficits, prejudicam o conjunto dos contribuintes e beneficiam mais os que estão mais bem colocados na pirâmide social. Os tributos indiretos, que respondem por mais da metade da arrecadação federal, penalizam mais os que ganham menos.

O Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de arrecadação de impostos. É o segundo país que mais tributa os salários e o que mais tributa os alimentos. No entanto, o que o Estado devolve para a sociedade não tem correspondência com essa alta tributação. Isso demostra que é necessário melhorar também a qualidade do gasto público, reorientando a destinação dos recursos. As reformas, são fundamentais para o resgate da justiça social e da justiça tributária, e decisivas para a sustentabilidade das contas públicas.

A mudança do Brasil é visível, principalmente, na gestão democrática do Estado e no relacionamento democrático do governo com a sociedade. Em nenhum outro momento da história um governo mostrou tanta disposição de imprimir um caráter radicalmente democrático na gestão do Estado e no relacionamento com a sociedade como o governo do PT e seus aliados. Prova disso são as várias práticas e medidas que foram e estão sendo adotadas com esse objetivo.

A criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social revela a disposição do governo Lula de desenvolver uma governança compartilhada com a diversidade de setores econômicos e sociais, em consonância com uma visão moderna, contemporânea e democrática de gerir a coisa pública. Trata-se de um compartilhamento pluralista, entre Estado e sociedade, da construção de diretrizes estratégicas de um projeto de construção nacional.

É visível, também, a mudança do padrão democrático do governo no relacionamento do Executivo com os outros Poderes e com os entes federados. O governo vem demostrando uma alta disposição de respeito à autonomia e de diálogo com o Poder Judiciário. Por outro lado, o presidente Lula compareceu pessoalmente ao Congresso na abertura dos trabalhos da nova legislatura. Em nenhum outro momento, em tão pouco tempo, tantos ministros do governo compareceram nas Casas do Congresso para prestar informações e esclarecimentos.

Na sucessão das presidências da Câmara e do Senado e na distribuição dos integrantes das comissões das duas Casas construíram-se consensos partidários, que levaram em conta critérios objetivos da força de cada partido. Esta é uma clara demonstração de que o novo governo se dispõe a aprofundar o caráter republicano das nossas instituições, consolidando a autonomia e o equilíbrio dos poderes.

A reunião do presidente Lula com os governadores e a sua participação, junto com vários ministros, na Marcha dos Prefeitos é uma sinalização cabal de que o novo governo quer repactuar adequadamente a Federação, no processo de aprovação das reformas. O novo governo está imprimindo uma dimensão institucional à ação política governamental na relação com prefeitos e governadores, que independente de colorações partidárias, é baseada nas necessidades e interesses públicos. O governo vem buscando também fortalecer a disposição de diálogo com a oposição, na suposição de que a busca do bem público, em determinadas circunstâncias, requer um esforço comum e conjunto de todas as agremiações partidárias.

Essa disposição se evidenciou no diálogo que se estabeleceu, entre governo e oposição, por ocasião da aprovação da PEC que regulamentou o artigo 192 e no esforço pela busca de consensos em torno das reformas da Previdência e tributária. A aprovação da PEC mostrou que o governo tem capacidade de desempenho ao resolver em três meses a aprovação de uma matéria que se arrastava por 15 anos no Congresso. O êxito obtido, a unificação da bancada do PT e da base governista e o diálogo com a oposição são fatos que fortalecem o caminho da aprovação das reformas estruturais.

O diálogo e as práticas democráticas vêm se intensificando também com diversos grupos sociais. Destaque-se a reunião do presidente com o movimento sindical e com vários grupos empresariais e o diálogo do governo com os servidores públicos e com o MST. Em suma, o governo do PT e de seus aliados acredita que o diálogo e a democracia constituem os melhores métodos para dirimir conflitos e encontrar soluções para os problemas da vida pública.

Desde a sua origem e nas suas atuações em governos municipais e estaduais, o PT vem se caraterizando como o partido que implementa políticas sociais eficazes. Os vários prêmios internacionais obtidos por programas petistas testemunham em favor dessa coerência e eficácia. O lançamento do programa Fome Zero, teve grande repercussão junto à opinião pública, inclusive internacional. Em que pesem os problemas e as críticas iniciais, naturais na estruturação de um programa dessas dimensões, hoje, o Fome Zero começa a mostrar que tem capacidade de se desenvolver com eficácia. O Fome Zero não é um programa que se restringe à esfera governamental. Ele comporta a convocação e mobilização de toda a sociedade para superar uma das principais chagas e indignidades do Brasil.

A criação do Ministério das Cidades, do Ministério da Assistência e Promoção Social, do Ministério dos Esportes, da Secretaria de Políticas das Mulheres e da Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial também constituem medidas de implementação de instrumentos públicos para superar as condições de desigualdades sociais, de gênero e de raças, que fragmentam e dilaceram a sociedade brasileira.

O PT tem consciência de que a política social necessita de uma reavaliação de todos os programas setoriais, com o objetivo de conferir-lhe um sentido de coordenação e unidade. O objetivo é criar um Brasil socialmente justo, restaurando a dignidade das pessoas, resgatando os valores éticos e morais das comunidades.

O Brasil começa a mudar também na área da segurança pública. Ao contrário do governo anterior, que se omitiu nessa área, o governo Lula assume inteiramente a parcela de sua responsabilidade, que será compartilhada com prefeitos, com governadores, com o Congresso, com o Judiciário e com a sociedade. A crise de segurança pública vem atingindo, nos últimos anos, níveis insuportáveis.

Mostrando uma disposição prática de intervir de forma eficiente na segurança pública, o novo governo está empenhado em combater de forma resoluta o crime organizado, principalmente nos focos agudos de sua manifestação, em Estados como o Espírito Santo e Rio de Janeiro. O governo vem adotando uma série de medidas emergenciais como a construção de presídios federais, a contratação de policiais rodoviários, para a Polícia Federal, de agentes penitenciários.

As áreas de infra-estrutura e serviços, como transportes, energia e telefonia, foram encontradas em graves crises. A crise e a situação falimentar de empresas privatizadas expressam um retrato cabal do modelo equivocado de privatizações do governo anterior. As agências reguladoras, impotentes, coniventes e capturadas pelas empresas reguladas, indicam a necessidade de que elas precisam passar por um processo de aperfeiçoamento. As agências devem ser mantidas, mas devem sofrer um processo de regulação, com uma definição mais clara de suas funções e instituindo sua prestação de contas ao Congresso. O governo Lula se dispõe, por meio de um planejamento democrático, a buscar soluções saneadoras para as empresas privatizadas, sem retomar o caminho da reestatização.

O governo não está parado e o Brasil está mudando. A confiança e a esperança que a população deposita no governo só fazem aumentar a nossa responsabilidade. Governo e PT devem reconhecer, sem vaidade, sem arrogância e com humildade, que as transformações históricas que o Brasil precisa, ainda estão por vir. Somente a união do povo, a articulação entre governo e sociedade e a construção de consensos entre os agentes políticos, econômicos e sociais conseguirão construir a grandeza do Brasil e o bem-estar do povo. Para alcançar esses objetivos, o novo governo será um governo do diálogo, da negociação, da construção de consensos, mas sem perder a perspectiva dos objetivos definidos. O governo Lula sabe aonde quer chegar.

José Genoino, é presidente do PT

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