Folha Online Brasil 100 dias de Lula
100 dias de Lula
09/04/2003

Opinião - Promovendo mudanças em tempo de crise

PAULO DE MESQUITA NETO

especial para a Folha Online

Nos primeiros cem dias, o governo Lula enfrentou graves problemas na área da segurança pública: o assassinato de um juiz em São Paulo e outro no Espírito Santo, e as explosões de bombas, incêndios, depredações e tiroteios provocados pelo crime organizado no Rio de Janeiro. Neste período, o governo federal adotou medidas emergenciais bastante controvertidas para conter a crise da segurança no Rio de Janeiro: mobilizou o Exército para patrulhar as ruas e intermediou a transferência do traficante Fernando Beira Mar para prisões em São Paulo e Alagoas.

Mesmo enfrentando emergências e controvérsias, o governo Lula foi capaz de adotar uma postura ativa e delineou ações de médio e longo prazo para resolver os problemas da segurança pública no país. O governo federal editou medidas provisórias visando aumentar o efetivo da polícia federal e criar a carreira de agente penitenciário federal, e anunciou a construção de presídios federais.

Lançou ainda um programa de incentivos à implantação do Sistema Único da Segurança Pública (Susp), com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), que inclui a integração operacional entre as polícias federais, polícias estaduais e guardas municipais, a intensificação da colaboração entre as polícias, o Ministério Público e o Judiciário na luta contra o crime organizado, a valorização e formação profissional dos policiais, o aperfeiçoamento do sistema de gestão das polícias, a criação de ouvidorias e o fortalecimento do controle externo das polícias, e a qualificação das perícias.

As iniciativas do governo federal são promissoras e podem contribuir de maneira significativa para melhoria da segurança pública, particularmente se associadas a projetos de policiamento comunitário e de prevenção da violência, projetos que faziam parte do programa de segurança do candidato Lula, têm o apoio da população, mas ainda não foram incluídos na agenda de prioridades do governo. Mas a realização das promessas dos primeiros cem dias particularmente a implantação do Susp e a instalação de gabinetes de gestão integrada da segurança pública nos Estados dependerá não apenas do Ministério da Justiça e da Secretaria Nacional de Segurança Pública, mas também do apoio do conjunto do governo federal, do Congresso Nacional e da sociedade civil.

Os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, da ordem de R$ 404 milhões para 2003, são valiosos, mas insuficientes como incentivo para que os governos estaduais e os governos municipais apóiem a implantação do Susp. Os Estados e municípios mostram disposição de colaborar, mas é necessário que o governo federal demonstre na prática a integração operacional que pretende promover nas esferas estaduais e municipais, condicionando a liberação de outros recursos sob controle do Ministério da Justiça e de outros Ministérios, e não apenas dos recursos do FNSP, à adoção de medidas concretas pelos Estados e municípios visando à implantação do Susp.

Além disso, na segurança pública, como em todas as outras áreas públicas, o sucesso de qualquer iniciativa de médio e longo prazo, particularmente a valorização dos profissionais do setor, inclusive através de aumentos salariais, dependerá do sucesso da reforma tributária e da reforma previdenciária, para as quais o governo Lula necessita do apoio do Congresso Nacional e da sociedade civil.

O desafio é grande. As emergências, controvérsias, resistências e escândalos no percurso serão muitos. A sociedade civil, os trabalhadores e os empresários precisam continuar a cobrar ações e resultados, como têm feito há anos, mas também fornecer o apoio necessário apoio este que o governo federal deverá fazer por merecer, promovendo as mudanças prometidas e produzindo os resultados esperados.

Caso tenha sucesso, o governo Lula demonstrará na prática a capacidade, rara na área da segurança pública, de promover mudanças democráticas e eficazes em tempo de crise -e poderá acelerar o processo de transformação do sistema de segurança pública que, apesar dos avanços realizados nos últimos anos, ainda tem muitas características herdadas do último período autoritário. Caso contrário, não conseguirá conter o crescimento do crime organizado e da violência no Brasil.

Paulo de Mesquita Neto, 41, Ph.D. em Ciência Política pela Universidade de Columbia, é pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo e secretário-executivo do Instituto São Paulo Contra a Violência

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