Folha Online Brasil 100 dias de Lula
100 dias de Lula
09/04/2003

Opinião - À espera da mudança

PAULO PEREIRA DA SILVA

especial para a Folha Online

É claro que cem dias não é um tempo que permita qualquer julgamento extremado. Mais sensato é avaliar um governo de cem dias com considerações podem ser proveitosas para definir os próximos passos, já que refletem a voz de setores organizados da sociedade e do próprio cidadão.

Então, vamos às considerações: Quando este governo foi eleito, recebeu nas urnas o sinal claro de que a população estava insatisfeita com a fórmula ineficaz "juros altos, excesso de impostos, cortes nos gastos sociais", cujos resultados gravíssimos foram uma longa recessão e um desemprego que só fez piorar ao longo dos anos. Além disso, já no final do último governo o remédio amargo deu sinais de não ter mais forças nem para combater a doença para o qual foi criado, com a ameaça da volta da inflação.

Outro fato de máxima importância é o fato de o governo eleito ter recebido o aval popular para tocar de uma vez as grandes reformas (tributária, da Previdência, política, agrária, sindical e trabalhista) que seu antecessor não havia realizado. Os motivos finais dessas reformas são justamente livrar o Brasil da armadilha em que se encontra. Nas duas reformas mais urgentes, é vital criar um sistema tributário que cobre de forma justa, que tenha mais condições de combater a sonegação e que libere a capacidade de produção; e uma reforma da Previdência que feche o gargalo maior das contas públicas, adotando um sistema sem privilégios e que permita ao Estado equilibrar suas contas e recuperar a capacidade de investir.

À luz desse quadro, vamos analisar como foi o governo nesses cem dias. Nas primeiras reuniões do Copom, para definir as taxas de juros, a taxa aumentou na primeira reunião, aumentou na segunda e permaneceu assim na terceira, resultando em uma taxa maior do que a maior parte do último governo. Quanto ao investimento social, embora seja louvável a adoção do Programa Fome Zero, na prática o que também se viu foi um corte sensível no orçamento. Quanto aos impostos, encontram-se na mesma situação da Previdência: a urgência apregoada no discurso de posse parece ter perdido a força. Agora, temos que caminhar na velocidade de um "navio", como afirmou o presidente Lula.

Em poucas palavras, a sensação popular é muito mais de continuidade do que a da mudança pela qual a eleição se deu.

Volto a ressaltar que não se trata de sonegar um crédito ao novo governo. Apenas é importante que se faça um alerta, para que o ímpeto pelas reformas, com a participação fundamental da sociedade e dos trabalhadores, a vontade de arregaçar as mangas e fazer, um serviço completo, sem remendos - enfim, para que a chama pelas reformas urgentes e necessárias se mantenha aceso. O caminho para mudar o Brasil exige coragem e atitude. A sociedade se dispõe a trilhar esse caminho, mas precisa encontrar no governo um aliado, e não um entrave.

Pois qualquer palavra do presidente Lula só terá força se confirmada por atitudes práticas. De nada adianta o presidente se dirigir a milhões de brasileiros e pedir união para reerguer o país e, no dia seguinte, o Copom anunciar uma alta de juros que reforce o desemprego e a recessão. De nada adianta o governo explicar que o sentido dos altos juros é vencer a inflação se no dia seguinte se anuncia novo aumento das tarifas públicas, como a luz, o gás e a gasolina. Mais do que palavras, o que precisamos é de ações.

Após cem dias, o governo Lula chega agora a um momento em que sua capacidade de realização vai ser posta à prova. Em que a sua capacidade de negociar com o Congresso será decisiva. E, principalmente, o seu diálogo com a sociedade será avaliado em termos mais práticos do que meramente retóricos. Trata-se, portanto, de um instante decisivo não só para o governo mas para o Brasil, que não pode mais uma vez ver frustrada suas expectativas.

Por isso, a sociedade brasileira tem sido sábia e responsável em manter o voto de confiança que foi dado. Que o presidente Lula e sua equipe façam por merecer esse voto. É tudo o que o Brasil mais precisa.

Paulo Pereira da Silva, o Paulinho é ex-presidente da Força Sindical

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