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07/03/2003

Rosalind Franklin: Dama sombria

LUISA MASSARANI
da Folha de S.Paulo

Reprodução
Rosalind Franklin, especialista inglesa em difração de raios X
A elucidação da estrutura do DNA é considerada marco fundamental na ciência e rendeu o Prêmio Nobel, em 1962, ao norte-americano James Watson, ao britânico Francis Crick e ao neozelandês Maurice Wilkins. Mas há ainda muitos aspectos obscuros nessa história. Atores fundamentais do episódio tiveram seu papel minimizado ou até mesmo esquecido, como o de Rosalind Franklin, integrante da equipe de Wilkins no King's College de Londres.

Há até quem diga que a pesquisadora foi passada para trás: uma imagem da molécula de DNA obtida por ela com raios X permitiu que Watson tivesse o lampejo para desvendar a estrutura em dupla hélice. A imagem lhe foi mostrada por Wilkins sem consentimento de Franklin.

Uma biografia nova e equilibrada traz, agora, novos elementos para a elucidação desse episódio da ciência: "Rosalind Franklin: The Dark Lady of DNA" (A Dama Sombria do DNA) _título que alude ao apelido dado por Wilkins_, de Brenda Maddox.

A autora teve acesso à correspondência pessoal inédita de Franklin e entrevistou vários dos personagens, inclusive Watson, Crick e Wilkins. O livro reúne informações preciosas para conhecer essa personagem misteriosa, morta com câncer aos 37 anos.

Maddox retrocede até o século 18, nos primeiros capítulos da obra, para delinear a família judia em que nasceu a menina Rosalind. Na Universidade de Cambridge, onde estudava física e química, Franklin teve contato com William Lawrence Bragg, que usava a difração por raios X para revelar a estrutura de cristais. Franklin optou por seguir sua carreira explorando essa técnica no estudo microscópico da matéria.

O ponto de virada na vida de Franklin foi, alega Maddox, seu encontro com a cientista francesa Adrienne Weill, discípula de Marie Curie. Foi Weill quem, de certo modo, permitiu que Franklin tivesse a oferta de seus sonhos: um posto no Laboratório Central dos Serviços Químicos, em Paris, para onde se mudou em 1947.

Os anos em Paris consolidaram sua reputação internacional em cristalografia. De volta à Inglaterra, Franklin assumiu um posto no King's College de Londres em 1951, para analisar a estrutura do DNA, um campo novo para ela.

Desde o início, sua vida no King's contrastou com a de Paris. Franklin era independente, confiante e admirada em Paris. Já Londres era um ambiente pouco amigável para uma judia de classe média alta que apreciava a cultura francesa. No King's, sua reputação era pouco conhecida e seu trabalho, pouco respeitado. Isso no início dos anos 50, quando a participação de mulheres no meio científico ainda era pequena.

Sua primeira tarefa foi montar um equipamento de difração de raios X, com o qual obteve imagens de DNA com qualidade cada vez maior, auxiliada pelo estudante de doutorado Raymond Gosling. A situação no King’s ficou insustentável. A antipatia de Franklin por Wilkins contribuiu para a ruptura dos dois, que chegaram a trabalhar sobre o mesmo tema, mas isolados. Após dois anos, Franklin decidiu ir embora.

Até onde Franklin chegou na interpretação das imagens que obteve do DNA? Há quem diga que ela teve a intuição errada, ou que não ousou o suficiente para chegar à estrutura atualmente aceita. Watson, por exemplo, afirma que ela não soube interpretar seus próprios dados. O historiador da ciência Robert Olby defende que ela foi cuidadosa e evitou tirar conclusões apressadas. Outros afirmam que ela chegou muito mais perto do que se imagina da estrutura do DNA. O que se sabe é que Franklin obteve imagens de DNA de excelente qualidade em 1952, em especial a de número 51.

Enquanto Franklin finalizava seu trabalho no King's, Gosling tentava finalizar sua tese sozinho, sem a orientadora. Deu a Wilkins a imagem 51, que a mostrou a Watson sem Franklin saber.

Seguiu-se daí, segundo Maddox, uma série de manobras que minimizaram a contribuição de Franklin. Para demarcar prioridade, Watson e Crick escreveram um artigo para a revista "Nature". Wilkins também quis ter crédito e escreveu um texto sobre DNA para a mesma edição, sem mencionar o trabalho de Franklin. Nesse meio tempo, Franklin e Gosling também finalizaram um artigo, incluído no mesmo número. Sem saber que a descoberta de Watson e Crick partira de sua imagem 51, Franklin chegou a escrever que suas "idéias gerais" eram coerentes com o modelo deles.

Três anos depois, em agosto de 1956, o câncer de ovário foi diagnosticado. Franklin manteve sua agenda lotada, alternando períodos no hospital com idas ao laboratório e viagens a trabalho. Foi uma época frutífera de pesquisas sobre vírus, não mais DNA. Maddox define bem esse período: "Rosalind estava muito ocupada para morrer". A morte chegou em abril de 1958.

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