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07/03/2003

James Watson: o gênio difícil

ALESSANDRO GRECO
da Folha de S.Paulo

Reprodução/Internet
James Watson, vencedor do Nobel em Medicina ou Fisiologia de 1962
Escrever a biografia de James Watson, 74, co-descobridor da estrutura de dupla hélice do DNA, é um trabalho ingrato. Watson é um mito vivo. Seus colegas cientistas sentem na pele a personalidade difícil de Watson e têm por ele um misto de admiração, pelo talento científico, e exasperação, por seu comportamento explosivo e pela língua afiada.

No cinquentenário da descoberta, o jornalista americano Victor McElheny encarou o desafio. Ex-repórter do jornal "The New York Times" e gato escaldado no quesito biografias de cientistas difíceis _seu livro anterior foi sobre o físico Edwin Land, inventor da fotografia instantânea, mais conhecida como Polaroid, e encrenqueiro de primeira_, McElheny escreveu "Watson and DNA: Making a Scientific Revolution" (Watson e o DNA: Fazendo uma Revolução Científica).

McElheny dedicou três anos ao livro, entrevistou os principais colaboradores de Watson e fez uma extensa pesquisa em revistas e periódicos sobre Watson, mas ele e seus familiares não foram entrevistados. O resultado é uma biografia da vida científica de Watson, com uma pitada da visão de McElheny sobre seu biografado —o autor conhece Watson há mais de 40 anos e trabalhou com ele por um curto período no Cold Spring Harbor Laboratory.

O Watson que emerge no livro não tem nada daquilo que se espera do homem que mudou a história do século 20 ao fundar a biologia molecular, avó do Projeto Genoma Humano. "A primeira coisa que chama a atenção em Watson é sua aparência desalinhada e seus maneirismos estranhos de fala, com uma voz que diminui conforme vai falando, e o sorriso sobre coisas que ele imagina serem engraçadas, mas que muitos que o ouvem falar simplesmente não conseguem escutar. Ele parece tímido e distraído e altamente intuitivo", disse McElheny à Folha. A dificuldade de se comunicar quando fala em público não se reflete no seu trabalho diário. "Watson é extremamente meticuloso em seu trabalho. Não é o tipo de líder solene. Não é o capitão do time ou uma figura paternal. Ele está sempre pressionando seus colegas para irem em frente o tempo todo com a intensidade de um adolescente", conta McElheny.

A falta de cordialidade já estava presente na autobiografia de Watson, "A Dupla Hélice", escrita em 1968, quando tinha 40 anos, em que começa dizendo, ao se referir ao parceiro na famosa descoberta: "Eu nunca vi Francis [Crick] numa postura humilde".

Talvez o mais chocante em Watson seja o fato de ele ser sempre sincero, inclusive em relação ao seu papel na descoberta da estrutura do DNA. "Eles (Watson e Crick) não eram experimentalistas, mas biólogos teóricos trabalhando com suposições. Então era natural para Watson dizer que 'não era ciência muito difícil, somente uma maravilhosa resposta' que se mostrou 'tão correta quanto a (teoria da) evolução'", afirma McElheny.

A busca por respostas e a capacidade de se dedicar a encontrar várias delas ao mesmo tempo permeou a carreira de Watson e fez dele uma espécie de ímã que atraía jovens e talentosos cientistas, alguns deles ganhadores, anos depois, do prêmio Nobel. "Ele não parece se importar com rankings ou idade. Se uma idéia interessa a ele, ele pula dentro dela imediatamente. Se uma idéia lhe parece estúpida, ele também irá dizer que acha isso diretamente."

A convivência diária com o "Calígula da biologia", que McElheny sentiu na própria pele, tem seu preço. "Watson não é pessoa fácil de se trabalhar, mas mesmo assim as pessoas querem estar ao lado dele para conversar sobre ciência e outras coisas, apesar de correrem o risco de vê-lo explodir."

O tipo de estresse gerado por Watson entre seus colegas de laboratório criou um fenômeno interessante. A rotatividade em seu laboratório era grande. "Jovens cientistas somente conseguiam trabalhar perto dele por poucos anos _era exaustivo e, além disso, Watson queria colocar as pessoas para fora para abrir espaço para pesquisadores mais jovens, prontos a fazer a próxima coisa importante", diz McElheny.

A necessidade sempre premente de criar novos espaços para seus estudantes levou Watson a largar seu posto em Harvard para dirigir o Cold Spring Harbor Laboratory em 1968. Uma aposta arriscada, pois o cenário era desolador. O laboratório, que havia reunido na primeira metade do século 20 os mais brilhantes pesquisadores para seus cursos de verão, vivia uma situação financeira e estrutural delicada. O dinheiro era curto, os prédios precisavam de reforma e o trabalho de pesquisa de cientistas como Barbara McClintock, ganhadora do Nobel de Medicina de 1983, era mantido a duras penas.

Sua primeira ação foi mudar o foco de pesquisa do laboratório para o câncer. Ele acreditava que assim iria acelerar a transição da biologia molecular de uma área que estudava bactérias para o estudo de células mais complexas, como as de animais e plantas. A aposta se mostrou correta em todos os aspectos.

Suas habilidades não impediram o grande cientista de fracassar como administrador em sua última grande empreitada: dirigir o Projeto Genoma Humano. Ele foi "demitido" da direção do projeto após ocupá-la por menos de quatro anos (1988-1992). Curiosamente o livro falha no mesmo ponto. O capítulo contém três erros de edição (falta um trecho de uma citação entre aspas e dois trechos aparecem repetidos). A edição, no entanto, é bem cuidada _tem fotos e um cronograma da vida de Watson.

O texto faz jus ao gênio científico do biografado. McElheny fez um serviço exemplar ao apresentar os meandros da personalidade do cientista. No final da entrevista por e-mail à Folha, o autor comenta, no estilo Watson, o que o biografado achou da própria biografia. "Entendo que ele gostou do livro, mas tem algumas correções a fazer."

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