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Entrevistas

Ralph Conrad relembra título na vela no Pan-63

RODOLFO LUCENA
Editor de Informática da Folha de S.Paulo

Os irmãos Conrad contam suas medalhas a mãos-cheias. São ouros internacionais, pódios olímpicos, primeiros lugares no Brasil. Sempre na água, em vários tipos de barco. No Pan de 1963, Ralph e Reinaldo formaram a dupla vitoriosa no snipe.

Nesta penúltima entrevistas com os brasileiros vencedores no único Pan disputado no Brasil, Ralph relembra suas conquistas e as vitórias do irmão mais velho. Mas não pôde exibir o ouro: como aconteceu com o velejador Klaus Hendricksen e o judoca Lhofei Shiozawa, já entrevistados nesta série, os troféus de Conrad foram roubados.

"Houve um assalto quando eu morava com minha mãe. Levaram todos os meus prêmios. Os caras vêem as medalhas, acham que é ouro mesmo, levam. Ficou uma ou outra. Mas a medalha do Pan foi roubada." Ficaram as memórias.

Folha - Qual era sua função na dupla do snipe e qual é a diferença entre o proeiro e o timoneiro?
Ralph Conrad - O snipe é um barco que a gente chama de monotipo. Tudo é padronizado: tamanho, peso etc. Todos os barcos são basicamente iguais, como no stock car, motores iguais, cascos iguais... Você entra basicamente com a tua vela ou conjunto de velas.

Há dois tripulantes. Quem comanda o barco, segura o leme e a vela principal chama-se timoneiro --segura o timão. O outro é o proeiro. Este acompanha as manobras que são definidas pelo timoneiro, como mudar de lado, mudar as velas, as posições... Também faz o contrapeso (embora os dois façam o contrapeso, é um barco que exige muito preparo físico) e fica responsável pela vela da frente.

O snipe tem duas velas: a da frente se chama buja, e a outra é a maior e se chama mestra.

No Pan de 1963, o Reinaldo foi o timoneiro e eu fui o proeiro. Normalmente, a vela é um esporte que você tem variações de vento, variações de rajadas, de correntezas, então uma equipe boa é aquela que discute assim a tática: vamos mais para aquele lado, vamos mais perto daquela montanha, que tem uma rajada ali, vamos fugir da correnteza. Então, isso foi uma das forças que a gente teve, o entrosamento.

Folha - Mas irmãos não são mais conhecidos até por brigar mais do que...
Ralph - É isso mesmo. Quando a gente começou a velejar, lá no Iate Clube Santo Amaro, havia outros dois irmãos que também velejavam. Nós brigávamos, de tapa às vezes. E os outros também. Então, decidimos trocar, eu fui velejar com o irmão do outro e vice-versa. Aí você passa por uma fase de transição, você cresce... No Pan-Americano, eu tinha 19 anos e meu irmão, 21. A gente já estava na faculdade, então a briga era menor. A gente brigou muito dos 8 aos 14 anos.

Folha - Você começou a velejar quando?
Ralph - Comecei a competir em 56, com 12 anos. Antes a gente tinha um barquinho a remo e botava umas velas de pano, de saco. Queria acompanhar lá na represa os velejadores, até que, num Natal, meu pai nos deu um barquinho, que hoje praticamente não existe, o pinguim. Era um para dois tripulantes na faixa de 100 kg, 120 kg. O segundo barco foi o snipe.

Folha - Seu pai profissionalmente era o quê?
Ralph - Era engenheiro. Meu pai nunca praticou vela, mas nos estimulou muito. No esporte e no estudo, meu pai era uma pessoa exigente, mas extremamente profissional. Se a gente precisasse de um livro na escola, ele se virava para conseguir, não importa onde. Antigamente isso era muito difícil. Trazer um livro de fora era complicadíssimo e a vela também. Ele sempre foi um tremendo dum pai.

Além disso, estudei em colégio estadual, que era era extremamente rígido e bons naquela época. Tive um professor de ginástica que foi do Exército e realmente me ajudou. Vários esportistas de vôlei, de natação e de outras áreas foram ao colégio dar palestras. Ele era durão com a gente e acho que o condicionamento físico devemos muito a ele.

Folha - Além do preparo físico, que fatores contribuíram para que vocês se tornassem competitivos internacionalmente?
Ralph - Bem, havia muitos bons iatistas. Mas a gente tinha uma curiosidade. Como a vela é um esporte que mexe muito com engenharia, aerodinâmica, hidrodinâmica, condições do fluxo de água, de vento, e meu irmão se formou em engenharia aeronáutica e eu em mecânica, a gente estudava muito como aperfeiçoar a vela, como posicionar a vela e onde você se senta no barco para poder surfar uma onda. E sempre treinando... Antes do Pan, nunca tinha competido diretamente com meu irmão, sempre tive um barco e sempre competimos um contra o outro.

Folha - O senhor competia em qual categoria?
Ralph - Snipe também. Ele tinha um proeiro dele e eu tinha o meu. Em todos os Campeonatos Brasileiros, corri sempre contra o meu irmão.

Folha - E como vocês se saíam?
Ralph - Ah, eu ganhei só uma vez dele, o resto ele ganhava tudo. Mas fizemos dobradinha algumas vezes, ele campeão e eu vice.

Folha - Vocês ganharam quantos Brasileiros?
Ralph - De snipe, uns oito.

Folha - Ele sete e você um.
Ralph - É. Em outras categorias também ganhamos. O Reinaldo foi medalhista olímpico três vezes no flying dutchmen, e eu fui reserva dele. O Brasil sempre se destacou muito na classe snipe. É de longe o país que mais conquistou títulos. Por que isso?
Primeiro porque era um barco econômico, bem construído, de madeira, e havia boas marcenarias... E havia no Brasil uma grande disputa entre Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Muito depois, a partir da década de 70, o Nordeste começou a ter bons velejadores. Então, o Brasil, em Pan-Americanos de snipe, teve “n” medalhas de ouro.

Folha - Voltando ao Pan de 1963, vocês estavam competindo separadamente... Como vocês decidiram se unir?
Ralph - Começamos quando eu tinha, deixa ver, 16 anos, quando aconteceu o primeiro Campeonato do Hemisfério Ocidental, em 1961, no Rio de Janeiro. O Reinaldo foi o primeiro e eu, o segundo. Decidimos velejar juntos no Campeonato do Hemisfério Ocidental de Brasília e nos demos muito bem, ganhamos. Quando você tem dois tripulantes que pensam, têm táticas e experiências diferentes e se juntam, às vezes dá discussão, mas na somatória sempre foi muito positivo.

Folha - Vocês iam porque eram convidados?
Havia uma disputa classificatória?
Ou era pelo ranking?
Ralph - Sempre por classificação. Para o Pan, o pessoal fazia uma eliminatória específica. Em 1963, o Reinaldo ganhou e eu fui o segundo, e nós decidimos unir a força e velejar juntos.

Folha - Vocês resolveram correr juntos, os seus parceiros também formaram outra dupla... E como foi a disputa do Pan?
Ralph - Foram sete regatas, uma por dia, com um dia de intervalo. Funcionava mais ou menos como na Fórmula-1, com uma série de regatas e uma pontuação numa escala, em que o primeiro tem mais vantagem, o segundo um pouco menos... Você podia descartar uma.

Folha - Entre as regatas teve alguma mais importante, mais empolgante, mais difícil?
Vocês ganharam todas as etapas?
Ralph - Nós éramos bastante ecléticos, andávamos bem desde os ventos fracos, que exigem mais técnica e experiência, até os ventos fortes, que exigem mais preparo físico. Nós tivemos muito sucesso nesse Pan: das sete regatas, ganhamos seis. A gente estava com muito bom preparo mental e físico e treinamos bastante.

Folha - O que representou para vocês essa medalha? Vocês já tinham várias medalhas internacionais, foi mais uma?
Ralph - Foi muito especial, porque foi conquistada dentro do nosso clube, foi muito alegre. O clube fez uma integração com as crianças pequenas e os sócios. Foi muito bonito. Eu respeito e gosto muito da bandeira brasileira, então, foi muito bonito vê-la subindo. Foi um desses anos de ouro para mim, tinha entrado na faculdade, estava careca.

Folha - E vocês ganharam alguma além da medalha? Dinheiro, mulheres, emprego?
Ralph - Mulheres?
(risos). Na Olimpíada do México, os brasileiros eram assediados por meninas, que nooossa... Mas no Pan-Americano isso não deu muito, porque a gente estava com a namorada, não teve muita colher de chá. Dinheiro, nunca existiu. Teve uma época que tinha uma verba da Loteria Esportiva para os esportes amadores. Nós nunca tivemos patrocínio. Hoje mudou completamente o conceito do esporte.

Folha - Mas vocês precisavam manter seus barcos. Quem pagava? Quanto vocês gastavam nisso?
Ralph - O snipe era um barco muito popular no Brasil porque era muito barato.

Folha - Mas barato quanto?
Ralph - Em termos comparativos com o valor presente, custaria o equivalente a um terço de um Fiat Fire, uns R$ 4.000 ou R$ 5.000. Hoje, você multiplica isso por três ou quatro, por causa de dólar e outros fatores. Um jogo de velas não chegava a um jogo de pneus de carro e durava, no mínimo, de seis meses a um ano. Então, se você tinha um trabalho --naquela época existia emprego--, um engenheiro podia perfeitamente ter sua família e ter um snipe. Aí, o dólar subiu, os equipamentos começaram a ficar mais sofisticados. Os barcos eram de madeira; hoje são de fibra de vidro. As velas eram de poliéster, hoje são de dineker. Hoje uma vela custa, sei lá, US$ 1.000 o jogo; antigamente, era US$ 200. Com os preços da época, muitos podiam ter acesso e isso fez com que o Brasil se tornasse um grande campeão de snipe. Quando entrou o Fórmula-1, o flying dutchman, por exemplo, também o esporte era bancado. Meu irmão gastava fortunas no flying dutchman.

Folha - Como foram as carreiras de vocês depois do Pan-Americano?
Ralph - Continuamos a velejar no snipe até como segundo barco até 1975, mais ou menos.

Folha - Isso ainda em nível competitivo internacional?
Ralph - Sim, sempre. A gente nunca passeou de barco, sempre queria competir. O Reinaldo, em 1964, já foi para o flying dutchman, ganhou o ouro no Pan de Guadalajara. Eu fui para o 470, que era um flying dutchman um pouco menor.

Folha - E conquistas? Vocês ganharam o ouro em 63, o Reinaldo ganhou no México...
Ralph - No snipe, ganhei quatro vezes o Campeonato do Hemisfério Ocidental _Canadá, Uruguai, Brasília e Estados Unidos. O Reinaldo ganhou três vezes, porque o Reinaldo não pôde ir a Montevidéu e quem foi comigo foi o João Pedro Reinhart. Corremos o Mundial de 63, na França, e perdemos, ficamos em segundo. Quem ganhou foi o Sguark, o Erik Schmidt, que são os tios do Torbe e do Lars Grael. Em Olimpíadas, o Reinaldo foi para quatro e ganhou prata e bronze, mas já no flying dutchman. Eu só fui uma vez, para o México (1968), mas não competi, fui reserva.

Folha - Em toda sua carreira, tem alguma regata especial, alguma medalha que você veja com mais carinho, que traga mais emoção?
Ralph - Para mim, acho que foi o Campeonato do Hemisfério Ocidental, na classe Finn. Fomos eu e o Bruder (outro velejador brasileiro) para Miami e eu ganhei. Foi no ano da Olimpíada... Eu estava no topo do meu preparo, e o Bruder era um grande velejador, deixou muita história. Voltei superfeliz porque, além de ganhar dele, fiquei em primeiro. Isso criou um problema sério para o Comitê Olímpico, porque era uma fase eliminatória da Olimpíada e teoricamente eu poderia ter ido no lugar dele. Mas, como ele teve outros antecedentes na Finn, preferiram dar o lugar para ele. Achei certo, não reclamei, porque ele tinha mais condições. Eu era o segundo, quer dizer, eu até estava correndo melhor, mas achei que ele tinha mais base para competir. E a primeira medalha que você ganha na vida é importante.

Folha - E qual foi essa?
Ralph - Foi de pinguim, no Campeonato Paulista de 56...

Folha - Em 56, você tinha 12 anos. Você nasceu quando, exatamente?
Ralph - Nasci em 30 de agosto de 44, em São Paulo, e o Reinaldo nasceu em 31 de maio de 42. Essa primeira medalha foi num Paulista. Tinha um monte de marmanjo, uns velhos de 18 anos, e a gente ganhou deles. A referência muda muito, não é? Velho para mim hoje é acima de 70.

Folha - O que é o mais importante para quem veleja?
Ralph - É o prazer. Você pratica junto com a natureza e aprende a ser ético. A vela é um esporte extremamente ético. Na época, se a gente fazia alguma coisa errada, não cruzava a linha de chegada, a gente se autodesqualificava.

Folha - Mas hoje em dia não tem muita gente dando chapéu nas regatas?
Muda a ética quando tem muito dinheiro envolvido?
Ralph - Isso mudou muito. Na época, a vela era um esporte essencialmente amador. O futebol sempre foi profissional, mas o basquete começou com a história dos auxílios, ajuda de custo de alimentação e aí criou-se, vamos dizer, o esportista marrom, que não era profissional, mas tinha ajuda de custo e tudo. Acho que isso tirou muito do esporte em geral. Hoje, para você ser alguma coisa, você tem se dedicar, largar tudo e ter um subsídio, patrocínio forte. Se você quer chegar à Olimpíada, você tem de ter patrocínio. Na minha época, não: meu pai exigia que a gente fosse bom aluno.

Folha - Vocês treinavam quanto tempo? Quanto por dia ou por semana?
Ralph - Esse era o problema, o condicionamento básico já é muita perna. A gente andava de bicicleta todo dia, como garoto. Fazia na escola uma ginástica muito puxada. Eu jogava basquete no Banespa, meu irmão estava no ITA. Não existiam academias, só tinha a orientação do professor na escola, o resto era na galega: a gente montava um caixote de madeira e fingia que estava fazendo contrapeso, para treinar abdome, essas coisas. E treinava todo fim de semana.

Folha - Aí no barco?
Ralph - No barco, eu era realmente fanático.

Folha - Vocês seguiram a carreira até 75, o que te levou a parar de competir?
Ralph - Você começa a ter família... Nós paramos de competir em 90 e poucos, quer dizer, a gente continuou competindo, mas em outras classes, na star, em barcos que admitem pessoal com menos preparo físico. Enfim, dá para enganar, mas você já não está no pique da garotada. Acho que dá para ir a uma Olimpíada até uns 40 e poucos anos, dependendo do preparo. O Robert Scheidt, por exemplo, é um fenômeno, acho que vai para a Olimpíada até com 50 anos. O último Mundial que competi foi na Noruega, em 87 (com 43 anos), numa outra categoria. Acho que era de 5,5, um barco maior.

Folha - E fora do mundo da vela? Qual é a sua atividade profissional hoje?
Ralph - Comecei a trabalhar na empresa de um velejador, o Ernesto Reibel, que foi presidente de Iate Clube, de 66 até 75. Aí, abri a minha empresa de equipamentos e engenharia, até 95. E, de 95 para cá, tenho atuado mais em engenharia de projetos de fábrica. O Reinaldo se formou no ITA, eu me formei na Politécnica e à noite fiz física. O Reinaldo trabalhou sempre em engenharia. Ele sempre foi extremamente inteligente, até hoje é diretor-presidente de uma empresa chamada J.P. Engenharia, que foi a maior do Brasil. Eu tenho quatro filhos, um menino de 29 anos e três meninas de 25, 24 e 20.

Folha - Algum deles na vela?
Ralph - Todos velejaram o Optimist, mas ninguém seguiu para frente. O filho do Reinaldo --o Reinaldo tem um filho só, Mark-- é um dos cobras do windsurf no Brasil. Nós, eu e o Reinaldo, somos separados. Eu separei no ano passado. Meu irmão separou antes, casou pela segunda vez. Meus filhos moram comigo, velejam, mas não para competir. Porque tivemos muitas crises financeiras nas décadas de 80 e 90, Plano Collor, Plano Real. Isso para a vela foi muito mau. A engenharia também perdeu muito valor e o custo dos equipamentos aumentou. Então, a gente não tinha mais condições de bancar quatro filhos. Então, hoje elas gostam de academia, fazem esporte, mas não profissionalmente.

Folha - O senhor tem alguma mensagem para os esportistas de hoje?
Ralph - Acho que velejar faz muito bem para a cabeça. Quem tem a cabeça cheia entra num barco, dá uma velejada e volta superarejado, muito legal. Para a moçada, sem dúvida, o esporte previne de se meter em drogas, de beber demais, de fumar. Então, não só a vela, mas a gente deve incentivar os jovens, principalmente os pobres e carentes, a praticar algum esporte. Esses centros comunitários que existem hoje acho muito bacana. Praticar esporte faz bem para a pessoa, para a sociedade, tem de ser assim.

E-mail: rlucena@folhasp.com.br

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