Folha Online 
Esporte

Em cima da hora

Brasil

Mundo

Dinheiro

Cotidiano

Esporte

Ilustrada

Informática

Ciência

Educação

Galeria

Manchetes

Especiais

Erramos

BUSCA


CANAIS

Ambiente

Bate-papo

Blogs

Equilíbrio

Folhainvest em Ação

FolhaNews

Fovest

Horóscopo

Novelas

Pensata

Turismo

SERVIÇOS

Arquivos Folha

Assine Folha

Classificados

Fale com a gente

FolhaShop

Loterias

Sobre o site

Tempo

JORNAIS E REVISTAS

Folha de S.Paulo

Revista da Folha

Guia da Folha

Agora SP

Alô Negócios

Pan-Americano 2003

Entrevistas

Domschke lembra ouro na classe finn no Pan-63

RODOLFO LUCENA
Editor de Informática da Folha de S.Paulo

"Eu não vou mais trabalhar, só vou criar galinhas", cantava o rock rural dos anos 70. Hans Helmut Domschke, que não tem nada com isso, trabalhou desde os 14 anos e hoje se orgulha da criação de galinhas caipira, soltas no pasto, sem hormônios nem química. Ele se orgulha mais ainda da medalha de ouro que conquistou no Pan de 1963, uma das tantas vitórias na vela (classe finn) obtidas por esse brasileiro nascido em Hamburgo, Alemanha, em 24 de junho de 1927. Ele chegou ao Brasil com três meses e aqui, na adolescência, aprendeu os caminhos da vela. Por causa deles, decidiu se naturalizar, disputar pelo país regatas no mundo inteiro. Acompanhe a seguir algumas de suas histórias.

Folha: O senhor nasceu na Alemanha. Como e quando passou a competir pelo Brasil?
Domschke: Meu pai era representante de uma linha de vapores alemã em Salvador, na Bahia. Eu passei a minha juventude lá em Salvador. Hoje tenho a nacionalidade brasileira, isso foi só em 52, por aí, porque justamente eu estava praticando esporte de vela e meus amigos podiam ir para a Olimpíada, enquanto eu ficava aqui porque não tinha optado ainda.

Folha: E quando o senhor começou a praticar vela?
Domschke: Eu vim para São Paulo em 1940, por causa dos estudos, com o meu irmão mais velho. Aqui tinha uma boa escola secundária alemã e assim eu evitei de ter que repetir todo o estudo, porque os meus diplomas não eram válidos aqui no Brasil. Então, com os amigos da escola, comecei a frequentar o Iate Clube de Santo Amaro e me iniciei na prática da vela.

Folha: Quando o senhor começou a competir?
Domschke: Logo em seguida, em 41 ou 42. Éramos moleques na época, a juventude, tínhamos uma turma grande, o Peter Mangas e outros, o Francisco Isoldi, que já faleceu e muitos outros. Muito boa turma. A gente corria as regatas aí da represa de Guarapiranga.

Folha: Vela é um esporte caro. Como o senhor fazia?
Domschke: Era a época da guerra (Segunda Guerra Mundial) e meu pai teve que fechar a empresa dele em Salvador. Ele também mudou para São Paulo em 42 e estávamos vivendo só de reservas. Então, eu também não tinha condições de fazer esportes muito caros, mas os meus amigos e conhecidos tinham barcos, eles me emprestavam o barco e assim eu comecei.

Folha: Tudo de forma amadorística?
Domschke: Naquela época, o profissionalismo não existia ainda. Nem lá fora. A vela era um esporte amador e acabou, pronto, não é? O espírito olímpico também era diferente de hoje. Hoje em dia, se você não é profissional, se você não se dedica exclusivamente ao esporte você tem pouca chance. Naquela época o amadorismo era importante ainda.

Folha: Logo sua turma ganhou bastante experiência. Em 1952, alguns deles foram para a Olimpíada?
Domschke: Essa turma toda é o espírito do clube, era uma amizade muito grande. Nós tínhamos um capitão de vela, que se chamava Lothário Lienert. Era da diretoria do clube, cuidava da rapaziada toda, e ele levava a gente com seriedade. Exigia que treinássemos. Nos sábados e domingos, a gente ia ao clube, dormia no clube e passava os dias na água velejando. Naquela época, sábado até meio-dia se trabalhava ainda. Eu me formei com 14 anos, praticamente, quando fechava a escola alemã. Entrei no comércio como aprendiz e fui aprendendo, estudando à noite com professores particulares e assim por diante, não é? Então, sábado à tarde e domingo o dia inteiro era o esporte da vela.

Folha: E qual foi a primeira competição importante em que o senhor teve um bom resultado e pensou que podia avançar no esporte?
Domschke: Foi no tempo da iole olímpica, era a classe monotipo olímpico da época. Um tipo de barco que foi lançado na Olimpíada de 36, em Berlim, se não me engano. Foi o antecessor da classe finn e hoje da laser. E eu me dei bem, eu tinha estrutura boa para isso.

Folha: O senhor fala estrutura, o que é? Qual o tipo físico para ser um velejador da finn?
Domschke: Altura, peso razoável e, junto com meus amigos, velejei muito. Esse negócio da Olimpíada que eu deixei de ir: eu seria tripulante. Na época, como eu não tinha barco próprio, eu velejava na proa de colegas, muito também. E se eu fosse brasileiro teria ido já antes para outras Olimpíadas.

Folha: E qual a Olimpíada que o senhor deixou de ir foi a de 52?
Domschke: Foi a de Helsinque, em 52 e mais uma ou duas depois disso. Mas depois eu já estava naturalizado. Aí depois casei etc, eu velejei um bom tempo também, larguei a Guarapiranga e velejei no mar em regatas Buenos Aires-Rio, na classe Brasil com o Eduardo Simonsen, que tinha já molecada para reformar a tripulação. Então, eu fui recomendado a ele e tudo bem.

Mais tarde, ele me deu, quer dizer, o irmão dele, o Roberto Simonsen comprou para o neto dele um barco flying dutchman por recomendação minha. Por um bom tempo velejei com ele, eu no leme e ele na proa e assim por diante. Então, tinha barco emprestado e assim foi indo.

Na época eu trabalhava na firma Máquinas Bromberg, e o dono, que também já morreu, o senhor Edgard Bromberg, ele tinha três filhas, uma delas tinha uma iole olímpica, que quase não usava e deixou à minha disposição. E eu fui aproveitando. Investi, comprei vela, mandei fazer vela etc, e depois comecei a trabalhar firme, firme, firme e foi indo. Casei em 1955. Continuei aí. Velejei um bom tempo de sharp. Comprei o meu primeiro barco próprio, em sociedade com um amigo meu, Felipe, que corria na minha proa, como tripulante.

Folha: Fale mais desse seu primeiro barco?
Domschke: Era um sharp, que chegou a ser muito forte aqui no Brasil. Foi com um sharp que eu venci pela primeira vez o Campeonato Paulista, eu não sei nem em que ano foi isso. No sharp eu fiz mais de uma vez o vice do Brasileiro.

Folha: Eram dois velejadores no sharp, não?
Domschke: No iole era um só, no sharp eram dois. No iole, por exemplo, o Joachim Roderbourg, que era o comandante do Klaus Hendriksen, ele era o bam-bam-bam no iole olímpico, e eu vinha logo atrás, sempre segundo.

Folha: Agora, o senhor falou que não participou da Olimpíada de Helsinque. O senhor chegou a participar de alguma Olimpíada?
Domschke: Não, não cheguei.

Folha: Quer dizer, se naturalizou para competir, não competiu a Olimpíada, mas acabou competindo no Pan, não é? Antes, o senhor representou o Brasil em alguma competição internacional?
Domschke: Não, nenhuma. Sabe o que é? A vela para mim era um hobby, eu gostava, os resultados não eram ruins, mas eu também não era fanático, tá? E nós estávamos em janeiro de 63, nós estávamos passando férias em Caraguatatuba.

Folha: Quando o senhor fala "nós", é o senhor e sua esposa?
Domschke: Eu, minha esposa, os amigos também da vela, mas nada de vela, lá era praia. E, eu me lembro muito bem, as eliminatórias para o Pan-Americano estavam marcadas para a semana de 25 de janeiro. Então, eu estava lá na praia, naquela época eu comprei o meu primeiro barco sozinho, só meu, que era um finn, um finn.

Folha: Em 63, o senhor comprou o primeiro barco?
Domschke: Não, não, não comprei antes, em 62. Tinha comprado há menos de um ano, acho.

Folha: O primeiro barco?
Domschke: Que não era sociedade, era meu. Foi um amigo meu que me vendeu em prestações. Eu comprei, fui arrumando, a gente mesmo pintou, lixou bem, afinou e tudo etc. Isso foi na época quando o Bruder, o Jorg Bruder, não sei se o senhor já ouviu falar dele.

Folha: Não, não.
Domschke: Ele foi tricampeão mundial na classe finn. Ele também era pessoa simples. Fez engenharia, também acho que a avó dele deu o barco de presente, foi assim, eu sei lá. Começou no Iate Clube Paulista e, como era sócio-esportista, tinha direito a um barco, então, o clube comprou o primeiro barco. Ele velejava muito, muito bem. Ele também na época tomou parte da eliminatória da finn e foi o Jorg Bruder, o Reinaldo Conrad e muitos outros ainda.

E eu estava na praia, não estava nem muito aí. Aí, o Wolfgang Rischter, ele representou o Brasil nas Olimpíadas por algumas vezes. É da minha idade também, é muito amigo meu, e ele estava junto comigo na praia. O apelido dele era Putz. Ele está vivo ainda. Estávamos na praia, íamos ficar mais uma semana. Aí esse meu amigo, o Putz, disse: "Olha, Mix (meu apelido), você tem chance de ganhar uma eliminatória dessas, por que você não vai lá e compete?" Isso foi na véspera ou antevéspera do início das regatas. E todo mundo que estava lá: "Vai rapaz, vai, pega o carro".

Eu tinha um Citroen 52, aquele carro de gangster, não é? Eu era o mecânico do carro, comprei o carro, arrumei tudo etc. A gente mexia nessas coisas, não é? Então, eu peguei o carro e voltei a São Paulo. Cheguei aqui na sexta-feira e a primeira regata era no domingo, aliás, no sábado. Bom, tirei o barco do galpão, estava todo empoeirado, arrumei etc, e deu que nessas eliminatórias deu um vento forte noroeste, que era a minha especialidade, e eu ganhei o negócio fácil.

Folha: Cada velejador se especializa ou gosta mais de algum tipo de vento?
Domschke: Ah, é, evidentemente, alguns gostam de vento médio, outros gostam de vento forte. Eu gosto do vento forte. Que tinha uma das necessidades, uma das características boas do esporte de vela é exigir agilidade e ao mesmo tempo ter força para poder fazer peso. É preciso usar o corpo, colocar o corpo para fora da borda do barco, para dar mais drive, mais velocidade ao barco. O resto é tática, é técnica, é afinamento do barco etc, que é fundamental, sem isso não dá. E o vento forte era uma das minhas especialidades, porque eu tenho 1,93 m, hoje devo ter encolhido um pouco (risos), era razoavelmente forte. Naquela época eu tinha em torno de 72, 73 quilos. O ideal seria 80. Não comia tanto e tal e muito movimento, muito esporte, não chegava mais do que isso. Hoje em dia, já cheguei a 98, agora estou com 83. E 75 anos; na época, tinha 36, também já, eu ia, bom, o tempo já passou, mas como os meus amigos me incentivaram a competir nessa, tem uma chance, vai rapaz. Eu fui.


Folha: Pegou vento bom e conseguiu?
Domschke: Peguei vento bom, ainda quebrei a retranca numa das regatas.


Folha: O que é retranca?
Domschke: Retranca é a vela que é içada no mastro e embaixo tem uma - a retranca é, vamos dizer, o pau que segura a vela na fase da esteira inferior. Em termos fundamentais é isso. Então, numa manobra, manobra num draif, que tem que virar em roda em português, a retranca da vela vai no vento em popa muda de um lado para o outro e nessa mudança deu um tranco na escolta (escolta é a corda que se usa para manobrar a retranca) e a retranca quebrou no meio.


Folha: Ficou sem vela?
Domschke: E com isso eu tive que contar ponto zero para aquela regata. Mas, como nas outras eu fui sempre muito bem, fiz três primeiros ou coisa assim. Eram quatro ou cinco regatas. Era um treinamento de duas por dia. Eu me lembro ainda, quando quebrei aquela retranca era na regata da manhã. Eu peguei o carro fui de Santo Amaro para Eldorado, lá tinha o estaleiro que fazia retrancas e fui buscar uma retranca nova, montei as ferragens e às duas e meia da tarde, quando saía a segunda regata, a próxima regata, eu já estava com o barco pronto novamente.

Folha: Eldorado o que era?
Domschke: Eldorado era a represa nova, naquela época ela estava começando a ficar suja. Havia alguns estaleiros lá.


Folha: Bom, e aí o senhor ganhou?
Domschke: Isso, do Reinaldo, de todos. Então, até veio o Bruder em mim: "Ô, amigo, você não é tão fanático, me deixa correr?" Mas, eu disse: "Não, dessa vez eu vou levar a coisa a sério". E levei a sério. Aí deixei todas as outras coisas, além do trabalho - trabalho eu tive que continuar, claro -, mas em toda hora de folga, qualquer coisa, eu estava lá treinando e afinando o barco.

Folha: O treino tem alguma coisa específica?
Domschke: Hoje em dia tem, é fisioterapia, praticamente. É fortalecer os músculos da barriga. E tudo isso, braços e tal e estar numa disposição física boa. Eu também na época, eu também parei. Todo mundo tomava uma cerveja boa de vez em quando. Eu disse: "Não vou tomar cerveja até o Pan-Americano, vou tomar só leite e vou treinar bem". Esses treinos substituíam o treinamento físico, não é. A gente saía do trabalho e ainda ia na represa e ainda velejava um pouco. Fazia o que podia, não é? Porque eu queria mostrar para essa turma. No clube, muita gente dizia: "O Domschke ganhou por acaso. Ele devia deixar o Bruder correr". O Bruder tinha fama de melhor naquela época. E ele era bom à beça. Não tenha nem dúvida. Eu acho que, se não me engano, naquela época, ele já tinha feito um mundial. Depois ele morreu num desastre de avião da Varig lá em Paris. Eu disse: "Não, eu vou mostrar para essa turma toda que dá para ganhar, e eu vou ganhar esse troço".

Folha: E como o senhor ganhou? Eram sete regatas, não?
Domschke: As primeiras foram de vento fraco. No Pan-Americano, nas primeiras Olimpíadas, a gente não corre com barco próprio, a gente recebe um barco, que são todos iguais, feitos pelo mesmo construtor. Eram construídos por Jorge Añel, um argentino que tinha um estaleiro lá em Eldorado. Ele que recebeu a encomenda dos barcos. Eram cinco ou seis barcos participantes. Era Canadá, Estados Unidos, Argentina, Uruguai, Brasil, acho que eram cinco ou tinha mais o Chile. Não, o Chile era para vir e não veio. Tinha cinco. E o favorito era o norte-americano, depois o canadense, o argentino também era bom.

Folha: O senhor estava com 36 anos na época?
Domschke: Exato, era o mais velho.

Folha: Essa é uma idade ainda competitiva, não é? Nesse tipo de esporte?
Domschke: É, dá claro, a gente estando em forma vai não é? Vai até. Eu continuei a praticar esporte a vela até 60 e poucos anos.

Folha: Certo, então como foi a competição?
Domschke: Era o mais velho da turma. Nas primeiras regatas, vento fraco. Eu também conhecia muito bem a Guarapiranga, não é? Era uma vantagem minha perante os estrangeiros. E eu estava me batendo com o norte-americano, ele em primeiro, eu em segundo, mas um perto do outro e aí entrou uma calmaria. Aí, de repente entrou um vento sul, eu me aproveitei disso, peguei as rajadas novas antes dele e fui embora e ganhei a primeira regata. Isso me animou. Me animou, me deixou com maior segurança ainda e eu ganhei quatro em seguida e fiz um segundo. Elas eram disputadas uma por dia, eu ganhei cinco das sete, eu acho que a última eu nem disputei, não foi mais necessário.

Folha: Ganhou o ouro por antecipação. E qual foi seu principal adversário lá?
Domschke: Era o norte-americano Peter Barret. Esse depois foi campeã mundial também. Não, se não me engano, ele ganhou o título olímpico em Tóquio. Foi o Bruder daqui, e ele ganhou. Isso mesmo.

Folha: E aí como foi a festa?
Domschke: Ah, até me jogaram na piscina do clube e não sei o quê. Puseram o barco dentro da piscina e fizeram um frege danado. Uma boa turma, não é?

Folha: Legal, e aí depois, o fato de ter vencido essa competição internacional, ter levado a medalha de ouro em nome do Brasil, que importância isso teve para a sua vida, para a sua carreira esportiva, para a sua carreira fora do esporte?
Domschke: Era, vamos dizer, era o fim do amadorismo e aí começou a dedicação exclusiva com um negócio ligado à vela. Por exemplo, o Bruder montou uma fábrica de mastros. Eu não tinha condições, eu tinha que trabalhar para me manter. Então, eu corria, tinha regatas etc, e acabei, depois da Olimpíada, eu fui à corrida da Argentina, fiz as eliminatórias para a Olimpíada, aquelas ganhou o Bruder, para o Japão, e eu fui o segundo.

Eu fiz ainda, bom, justamente, no Sul-Americano, em Buenos Aires, eu fui segundo também. Aí o Bruder já estava aí, heim? E eu também não tinha mais, o meu equipamento já estava um pouco cansado, eu tinha que comprar velas novas. Não comprei. Nem tinha condições. Aí depois eu vendi o finn e comprei um star. Comprei um star usado, velho, abandonado e eu mesmo o reformei.

Folha: Como é o star em relação ao finn?
Domschke: Ah, o star é o Fórmula-1 da vela. É o Stradivarius. Exige um conhecimento muito grande para afiná-lo, mas é uma maravilha de barco. E como eu tinha esse jeito todo, eu fui bem no star também, embora já tivesse mais idade etc.. Eu ganhei o Blue Star, que é o campeonato do distrito, com esse barco mesmo. Fui representar o Brasil no Mundial em San Francisco (EUA), em 1978.

Folha: Com mais de 50 anos?
Domschke: Na época, bom, lá tinha cento e tantos barcos, eu corri com um barco emprestado. E acabei qualquer coisa de vigésimo e tanto, uma coisa assim, mas foi uma boa experiência e com os recursos que eu tinha disse: "Está bom, chega. É a idade". Mas eu só fui parar mesmo em 1988.

Folha: E qual foi a última competição importante?
Domschke: Aí era mais, sabe o que é? Tinha uma turma muito boa, então, a gente mais participava pelo prazer do esporte. Os bons, a nova turma, o Torben Grael, essa turma toda já estavam aí, não é?.

Folha: O senhor lembra quando passou para o star?
Domschke: Foi uns dois anos depois do Pan-Americano. Aí um tempo demorou para eu arrumar aquele barco, não? Depois, mais tarde, em 73, eu construi um star que era todo de plástico. Hoje em dia é tudo de fibra, não? E eu fiz aqui num estaleiro em São Paulo, no Flório. Eu fiz eu mesmo o desenho do novo barco, aproveitando todas as linhas do casco, não é? E construí um dos últimos barcos de madeira construídos no mundo. E com esse barco eu me classifiquei para o Mundial.

Folha: Esse Mundial em San Francisco?
Domschke: Isso, foi com esse barco, que era praticamente projeto meu. Isso me deixou animado, não é?

Folha: Perfeito, como é que o senhor compara o esporte da sua época com a vela hoje?
Domschke: Mudou muito, sem dúvida, através do profissionalismo. Então, hoje em dia, sem recursos e sem dedicação exclusiva não se tem chance. Naquela época, um cara como eu podia ganhar e no mundo inteiro o negócio era esse. Eram estudantes de universidade, assim, o Peter Barret, por exemplo, estava estudando.

Folha: Há casos de doping na vela?
Domschke: É, mas na vela tem pouco, eu acho que se pode dizer felizmente, que praticamente não existe. Eu desconheço algum caso de doping na vela. Acho que não, se não me engano. A turma é sadia. Agora, o doping da vela talvez seja um bom drinque depois da regata, da conversa e aí dormir cedo e no dia seguinte acordar com a cabeça clara.

Folha: E como é sua vida hoje. O senhor mora em Piracicaba?
Domschke: Depois de me aposentar, eu fui empregado, depois eu fui o diretor-gerente de uma multinacional, que eu montei para os alemães na área de máquinas e equipamentos. E meu contrato era de com 65 anos terminar. Eu terminei com 60 anos, porque já tinha formado a minha - como se diz - equipe sucessora e aí também já estava mais bem de vida, tinha comprado o sítio em Piracicaba. Tinha tido problemas com a minha mulher que estava doente, se recuperou e eu disse: "Bom, vou deixar o meu colega da diretoria da Alemanha." Ele tinha mais ou menos a mesma idade que eu, também velejava, mas velejava só por esporte, não para competição, ele me disse: "Olha, eu também vou. No ano que vem eu vou também". Ele tinha um ano menos que eu. Então, tudo bem. Eu fiz isso e hoje estou lá no sítio e estou tentando fazer no sítio algo produtivo.

Eu tenho uma criação de galinhas no sistema caipira, eu fiz um curso de como fazer isso lá na Esag, em Piracicaba, e estou seguindo isso. Ovos caipiras naturais, não tem nada de ovo de gaiola. As galinhas estão soltas no pasto, todas bonitas, sem químicas, sem hormônio, sem nada disso. Tenho umas 900 galinhas agora. Não dá para ganhar dinheiro. Eu forneço principalmente para o Pão de Açúcar e eles me revendem.

Folha: O senhor vive hoje então da aposentadoria e da renda que sai?
Domschke: Da aposentadoria e, vamos dizer, das reservas, não é? Se o sítio, dá despesa todo ano, talvez, em 2003 eu consiga equilibrar, mas eu duvido. Aí tem que aumentar muita coisa, aí tem que ter mais empregados etc, com 75 anos eu não tenho vontade. É uma ocupação, eu tenho tudo no computador, tudo bem organizado, não é? Tenho que controlar, eu faço tudo, eu faço a venda, eu controlo a produção, moro no sítio, porque sem morar lá aí custa muito dinheiro. Morando lá até que dá uma contribuição para os custos fixos.

Folha: E o senhor continua praticando esporte?
Domschke: Agora não. Parei porque muitos amigos da turma não estão mais aí. Bem, o último que eu tinha, esse vive também e disse bom, agora chega.

Folha: E o barco que o senhor construiu?
Domschke: Aquele eu vendi. Levaram para Porto Alegre um belo dia e nunca mais vi o barco.

E-mail: rlucena@folhasp.com.br

Conheça o site do jornalista Rodolfo Lucena

Assine a Folha

Classificados Folha

CURSOS ON-LINE

Aprenda Inglês

Aprenda Alemão


Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).