Folha Online 
Esporte

Em cima da hora

Brasil

Mundo

Dinheiro

Cotidiano

Esporte

Ilustrada

Informática

Ciência

Educação

Galeria

Manchetes

Especiais

Erramos

BUSCA


CANAIS

Ambiente

Bate-papo

Blogs

Equilíbrio

Folhainvest em Ação

FolhaNews

Fovest

Horóscopo

Novelas

Pensata

Turismo

SERVIÇOS

Arquivos Folha

Assine Folha

Classificados

Fale com a gente

FolhaShop

Loterias

Sobre o site

Tempo

JORNAIS E REVISTAS

Folha de S.Paulo

Revista da Folha

Guia da Folha

Agora SP

Alô Negócios

Pan-Americano 2003

Entrevistas

Shiozawa fala da conquista do 1º ouro brasileiro no Pan

RODOLFO LUCENA
Editor de Informática da Folha de S.Paulo

Ele foi o primeiro brasileiro campeão pan-americano de judô, vencendo na primeira vez em que esse esporte integrou os Jogos. Lhofei Shiozawa, filho de imigrantes japoneses, nasceu em uma colônia em São Paulo em 1º de julho de 1941. Com seis anos já estava no tatame, com 14 venceu o Campeonato Brasileiro. Hoje continua dedicado ao esporte, dando aulas em uma faculdade e dirigindo sua academia em Goiânia, de onde concedeu esta entrevista por telefone.

Folha: Quando o senhor começou a ter contato com o esporte, com o judô?
Shiozawa: Olha, onde eu nasci era uma colônia de imigrantes japoneses, bem pertinho da capital, em São Paulo. Lá já tinha um grupo de pessoas treinando judô. O meu irmão mais velho já se destacava nessa época, não no nível nacional, mas no Estado de São Paulo era um dos melhores. Então, na época, todos os meninos da minha idade começamos juntos.

Folha: E o senhor começou com que idade?
Shiozawa: Comecei com seis anos de idade.

Folha: E daí como é que era o treinamento para crianças dessa idade?
Shiozawa: O treinamento para as crianças não era muito puxado, era um treinamento normal, três vezes por semana, era dirigido pelo professor Tani.

Folha: E como é que o senhor começou a se destacar? Foi já como criança ou foi mais na juventude?
Shiozawa: Não, desde criança nós competíamos muito, porque o professor levava muito nas competições, fazendo intercâmbio entre as academias da Grande São Paulo. Nessa época, na categoria infantil, eu já ganhava sempre as competições. Mas, na categoria oficial, eu comecei a competir muito cedo em São Paulo pela Federação, eu comecei a competir com 14 para 15 anos no Campeonato Estadual.

Folha: E a que o senhor atribui isso? O senhor tinha tamanho maior para a idade? Ou muita força? Ou era alguma técnica? O que leva uma pessoa a ter uma aptidão especial para o judô?
Shiozawa: Olha, é uma qualidade inata, acho que Deus me deu essa qualidade. Sempre tive uma facilidade incrível. Até muitas vezes eu fazia coisas que nem eu acreditava. Então eu acredito que nasci com essa qualidade. Sempre tive facilidade e também eu gostava de competir e gostava de treinar.

Folha: O senhor chegava a lutar com adversário de peso maior que o seu?
Shiozawa: É, porque naquela época ainda não havia divisão por peso, as competições eram feitas por divisão de faixas. Na época, eu tinha mais ou menos 65 quilos e tive que lutar com adversários assim de 110 quilos, 120 quilos. Ou mais, às vezes, o dobro do meu peso.

Folha: Mas e daí? Aí não conseguia ganhar nunca?
Shiozawa: Não, dava para vencer, porque na época era normal pegar as pessoas grandes. O professor sempre falava assim: "Para ser campeão tem que treinar para enfrentar as pessoas grandes, tem que acostumar com isso, senão não dá para ganhar uma competição". Então, o professor, já no treinamento, preparava para lutas contra pessoas grandes.

Folha: E nessas competições, qual sua primeira lembrança de uma vitória importante?
Shiozawa: Ah, eu me lembro da luta final do Campeonato Brasileiro, quando eu tinha 14 anos, que seria hoje, praticamente, na categoria pré-juvenil. Mas eu participei junto com os adultos e disputei o Campeonato Brasileiro, junto com os pesados e disputei a final com um carioca, um atleta que pesava uns 100 kg, 110 kg. e consegui vencê-lo.

Isso até hoje eu lembro assim, foi uma vitória que eu nunca esqueci. Se não me engano, ele se chamava Raimundo, o sobrenome não me lembro. Era do Rio de Janeiro.

Folha: E, desde então, o senhor acumula quantos títulos brasileiros?
Shiozawa: Ah, contando todos os títulos devo acumular (entre, por equipe, por faixa, por peso), de 15 a 20 títulos nacionais.

Folha: E quando o senhor começou a participar de competições internacionais?
Shiozawa: O primeiro campeonato internacional foi em 1961, no Campeonato Mundial, em Paris.

Folha: E aí como foi? Como o senhor chegou até lá? Por que o senhor foi escolhido para participar?
Shiozawa: Olha, em 61, eu já estava com 20 anos e já me destacava assim no nível nacional em todas as faixas. Como já falei, não havia divisão de peso. Como tinha sido campeão absoluto de todos os pesos, fui escolhido para representar o Brasil no Campeonato Mundial, apesar de ser bem leve. Nessa época eu pesava próximo de 70 kg. Aí no Campeonato Mundial, quem participava, já naquela, eram os pesos pesados, que se destacavam. Tanto é que o campeão mundial desse ano foi aquele Anton Geesink, um monstro de um homem. Era holandês, foi o primeiro europeu a ser campeão mundial. Ele tinha 2 m, 1,98 m, me parece, e na época pesava 120 kg. Então, ele foi o campeão mundial e me lembro que nesse Campeonato Mundial eu perdi de um italiano, que também pesava uns 120 kg. Não peguei nenhuma classificação expressiva, não.

Folha: E aí chegou o Pan-Americano de 1963?
Shiozawa: Naquela época, eu vivia em São Paulo, e a competição foi em São Paulo, não é, os Jogos? Eu não fiquei alojado na Vila Olímpica, eu fiquei em casa.

Folha: O senhor morava em que bairro?
Shiozawa: Lá em casa, num sítio, perto da capital, mas num sítio. Graças a Deus, nesse ano nós tivemos um professor recém-chegado do Japão, o professor Yoshida. Na época, ele era muito forte, ele foi o nosso treinador, e graças a ele nós pudemos apresentar, eu, particularmente, fui muito beneficiado porque eu apanhei muito dele. Então, foi muito válido esse treinamento e graças a ele eu consegui ser campeão.

Folha: Ele veio para cá convidado pela Confederação?
Shiozawa: Não, não, ele era recém-chegado do Japão, e ele foi convidado para treinar, não a equipe toda, mas eu participei muito do treinamento, já visando o Pan-Americano. Um dos técnicos desses jogos foi o meu professor, o professor Tani, e esse professor recém-chegado era amigo dele, então o meu professor o convidou para participar do meu treinamento. Não houve assim um treinamento conjunto da equipe.

Folha: E como era o ritmo de treinamento?
Shiozawa: Na véspera da competição, foi diariamente, porque o professor puxou muito no treinamento. Na época, foi novidade para nós treinarmos assim visando um evento, fazer um treino diário. Foi dessa forma e ainda um treinamento puxado por um professor japonês, que era titular de uma universidade, acostumado com esse tipo de treinamento. Foi excelente o treinamento.

Folha: Além de treinar, o senhor estudava e trabalhava?
Shiozawa: Eu ajudava os meus pais na lavoura. Então, eu trabalhava durante o dia e estudava à noite. Como eu me destacava no judô, meus pais me dispensavam do serviço e me deixavam treinar na parte da tarde, três vezes por semana. Então, esse era o meu treinamento. Então, graças à ajuda da minha família, eu consegui, realmente, chegar aonde eu cheguei.

Folha: Com esse treinamento o senhor chegou ao Pan?
Shiozawa: Ah, eram três países. É, era Uruguai, Estados Unidos e Brasil no meu peso, não é? A primeira luta foi com o Uruguai. Com o Uruguai, não tive problema. Contra os Estados Unidos, que era Paul Maruyama, esse atleta era muito forte, tive muita dificuldade. Consegui dar uma pontuação forte logo no início, mas depois é que foi difícil porque para segurar essa vantagem não foi fácil, durante cinco minutos.

Folha: A luta foi disputada no Pacaembu, é isso?
Shiozawa: Sim, eu me lembro que o ginásio estava superlotado, que hoje é difícil no judô encher um ginásio de torcida. Eu me lembro que tinha torcida lá, com o ginásio cheio, torcendo para a gente. Foi assim uma novidade para mim.

Folha: E o que o senhor fez com aquela medalha?
Shiozawa: A medalha tem uma história assim meio estranha, meio triste até, porque quando eu me mudei aqui para Goiânia, eu trouxe todas as premiações que ganhei durante a minha vida toda. Tinha exposto numa academia, a academia que abri aqui em Goiânia, aí certo dia um ladrão entrou e levou todos os troféus e medalhas, e a medalha desse Pan estava no meio. Então, eu hoje estou sem essa medalha.

Folha: Quando o senhor mudou para Goiânia?
Shiozawa: Foi no início de 78. Na época,eu ainda não tinha a Nikey, não, era uma academia dentro de um conjunto. Depois dessa academia é que eu abri aqui no centro de Goiânia a Nikey Esporte Center.

Folha: Depois do Pan-Americano, como foi a sua evolução? O senhor ainda participou de duas Olimpíadas?
Shiozawa: É, depois, logo no ano seguinte: em 64, o judô entrou na Olimpíada como exibição, não é? Como experiência. Eu fui o único representante do Brasil para essa Olimpíada. E, nessa Olimpíada até fui bem, apesar de não ter me preparado especificamente para a Olimpíada. Eu tive a sorte de me preparar porque tinha vindo um atleta muito forte do Japão, que foi mais tarde, em 72, na Olimpíada de Munique, ele foi terceiro lugar pelo Brasil. Nessa Olimpíada de 64, ele era recém-chegado do Japão e foi o meu treinador. Então, ele foi na academia onde eu treinava lá em São Paulo e ficou hospedado até na minha casa. Nós treinamos uns 20 dias direto para a Olimpíada. Esse foi o meu treinamento. E, chegando ao Japão, pela recomendação do Ishi, eu fui treinar na faculdade onde ele treinava lá no Japão. Então, foi muito bom, isso porque lá eu tive uma preparação muito boa para participar dessa Olimpíada de Tóquio.

Folha: E aí o senhor ficou em quarto lugar?
Shiozawa: Não foi bem quarto lugar, não, porque teve dois terceiros lugares e eles me consideraram quinto lugar. Eu fui disputar a medalha de bronze e acabei perdendo nessa.

Folha: Lembra quem foi o adversário?
Shiozawa: Foi um coreano radicado no Japão, onde era professor de uma universidade. Era professor do atleta do Japão que foi campeão, do nosso peso. Então, era um coreano muito forte, que era comentado que quem seria o campeão ou seria esse coreano ou o japonês. E o japonês foi campeão.

Folha: Bom, depois disso, em 1968, no México, o judô não entrou. Só voltou em Munique. nesse intervalo, o que o senhor fez?
Shiozawa: Eu continuei disputando Campeonato Pan-Americano só de judô, não é? Eu fui campeão de peso médio várias vezes até ali, disputei também Campeonatos Mundiais, continuei com as minhas disputas.

Folha: E daí voltou à Olimpíada?
Shiozawa: Em 72. Em 72, foi lá em Munique e nessa Olimpíada não me saí muito bem, não. Já nessa época o nível era muito forte e para, realmente, classificar deveria ter uma preparação muito grande. Já praticamente tinha que ter uma dedicação exclusiva para isso, não é? E nessa época eu já estava dando aula, e era muito difícil me dedicar a um treinamento, porque eu tinha que dar aula.

Folha: O seu sustento era tirado das aulas?
Shiozawa: Isso. É difícil.

Folha: Agora, em Munique o senhor lembra do atentado? Como isso interferiu na rotina de vocês ou não, enfim?
Shiozawa: Na época, a gente nunca imaginava esse tipo de coisa, não é? E, à noite, eu ouvi muito barulho, tiros e tal, mas eu pensei que eram alguns atletas ou delegação comemorando a vitória ou alguma coisa assim. No dia seguinte, eu saí para um passeio, porque já tinha terminado meu compromisso de disputa. Aí fui dar um passeio pela Áustria, por aqueles países ali perto da Alemanha. Aí só quando a gente estava viajando é que ficamos sabendo que houve esse atentado.

Depois da Olimpíada, só continuei competindo mais um ano. Em 73, eu disputei o Campeonato Mundial da Suíça e encerrei a minha carreira.

Folha: Qual é o título que o senhor vê com mais carinho ou com mais emoção em toda essa carreira?
Shiozawa: Olha, por incrível que pareça, eu ganhei muitos Campeonatos Pan-Americanos, fui quatro vezes Campeão Pan-Americano, mas a vitória que me deixou mais feliz, me deixa até hoje assim, que ficou na memória, foi a vitória sobre esse Shiaki Ishi, que era japonês naturalizado, que conquistou o terceiro lugar na Olimpíada de Munique, no Campeonato Brasileiro. O alvo dos brasileiro era ganhar dele e o único atleta que conseguiu vencê-lo fui eu. Então, essa foi uma vitória que eu consegui, aliás, a maior vitória que eu consegui, dentro da minha.

Folha: Essa vitória foi obtida, então, em 71?
Shiozawa: Isso, foi em 71.

Folha: Ele é o pai da judoca Vânia Ishi?
Shiozawa: Isso.

Folha: E, o senhor também tem filhos que se dedicaram ao judô, não?
Shiozawa: Tenho três filhos, dois meninos e uma menina. O primeiro filho chama-se Igor Shiozawa, o segundo é Maurício, e a terceira, a menina, é Cristina. Mas só os dois meninos que fizeram judô, e os dois foram muito bem, mas até a categoria júnior, que é até 19 anos. O mais velho conseguiu ser campeão nessa categoria e o segundo, tecnicamente falando era, eu considero assim da época, era o mais técnico aqui de Goiás, mas, infelizmente, eles pararam de se dedicar ao treinamento. O mais velho, que tem 26 anos, até hoje treina, não para competir, mas na competição que ele participa, no ano passado, no Universitário ele foi vice-campeão do Sul.

Folha: Quando o senhor deixou de competir o senhor já tinha essa atividade empresarial, a academia?
Shiozawa: Sim, mas a academia não é, não me considero empresário dentro do judô. A academia, eu tenho mais como ideal para treinar as pessoas, não para fazer os campeões, mas mais visando a formação dos jovens, que é tão necessário hoje, porque o judô é um esporte indicado para essa parte de formação e educação dos jovens. Então, meu maior objetivo, assim, para ter academia, é formar os jovens a enfrentar a vida, ser campeão da vida, não só dentro do esporte. Agora, se surgir algum campeão, é consequência do trabalho que desenvolvo dentro da academia.

Folha: E já surgiu algum campeão?
Shiozawa: Já, já, vários atletas se destacaram e um que está treinando até hoje é o Joseph, do peso-pesado hoje, ele foi meu aluno e hoje ele está treinando em São Paulo. Além disso, eu dou aula na faculdade e de uma faculdade já sou aposentado, e assim já estou quase encerrando a minha carreira.

Folha: Como o senhor compara o judô da sua época com o judô de hoje?
Shiozawa: Olha, o judô antigo era muito mais técnico do que o judô atual. Hoje, eles trabalham mais a parte física, fazem muita preparação física, principalmente com os pesos e isso está atrapalhando um pouquinho o desenvolvimento da técnica. Mas, eu estou observando que hoje, no nível mundial, eles já estão conseguindo introduzir a técnica dentro dessa força que eles estão desenvolvendo. Então, estão surgindo muitas técnicas bonitas.

Folha: Bonitas? O senhor acha o judô um esporte bonito?
Shiozawa: É, antigamente era mais bonito, mas, hoje, eles estão conseguindo de certa forma resgatar esse judô. Hoje, certas competições não são fáceis de assistir, não.

Folha: O senhor acompanha os atletas de hoje? Por que o senhor também tem atividades nas entidades de judô, não é?
Shiozawa: Sim, hoje, eu estou como segundo vice-presidente da Confederação Brasileira de Judô.

Folha: O senhor acompanha os atletas, o senhor acha que tem algum que tenha mais destaque?
Shiozawa: O pessoal que hoje está na seleção brasileira, todos têm condições. Agora, tem de mudar um pouquinho o treinamento e ter mais contato nas competições. Competir mais nesse nível mundial, porque está faltando um pouquinho isso. Como o Aurélio, quando estava no auge, ele quase não parava aqui no Brasil, vivia viajando para o Japão, para a Europa, então, tem que ser assim para conseguir algum bom resultado.

Folha: E como o senhor vê o problema do doping?
Shiozawa: Os jovens, de certa forma imaturos, querem ir para o lado mais fácil. Então, não quer se dedicar, realmente, pelo esforço que o esporte exige, e vai por esse lado que, hoje, praticamente, não funciona, não é? Mas eu levo mais para a parte dos professores, que não sabem orientar direito. É por isso que os jovens entram nessa.

Folha: Qual é a importância do judô para a sua vida e qual a importância que o judô pode ter na vida das pessoas em geral?
Shiozawa: O judô para mim foi praticamente tudo, não é? Graças a Deus e graças ao judô, eu hoje sou o que sou. Creio que não só o judô, mas para qualquer pessoa que se dedica a um esporte, realmente, com seriedade, ela consegue se projetar não só dentro do esporte, mas dentro da vida profissional. O esporte leva a pessoa a ser uma pessoa forte, paciente, persistente, que dá todas essas qualidades necessárias para ser um bom profissional.

E-mail: rlucena@folhasp.com.br

Conheça o site do jornalista Rodolfo Lucena

Assine a Folha

Classificados Folha

CURSOS ON-LINE

Aprenda Inglês

Aprenda Alemão


Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).