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Joana Silva fala do título pan-americano no vôlei em 1963

RODOLFO LUCENA
Editor de Informática da Folha de S.Paulo

Hoje ela talvez conseguisse apenas uma vaga de levantadora entre as "gigantes" do vôlei. Mas, em sua época de ouro, ela dominou as quadras e foi eleita várias vezes a melhor atleta brasileira --do mundo até. Joana Mary Ribeiro Freire de Carvalho Silva nasceu em uma fazenda perto de Araraquara, no interior de São Paulo, em 15 de janeiro de 1935. Mas ingressou no esporte na capital e guarda muitas lembranças felizes de suas conquistas. Nesta entrevista, ela compartilha um pouco de sua história.

Folha: Como a senhora começou no esporte?
Joana: Bom, eu morava nas Perdizes (bairro da zona oeste de São paulo) e tinha um colégio religioso lá, as irmãs eram fanáticas por esportes e patrocinavam voleibol no Colégio Perdizes. Então, comecei no Colégio Perdizes minha carreira de voleibol.

Folha: Isso com que idade?
Joana: Onze, 12 anos. Com 14 anos, eu já era da seleção paulista, imagine.

Folha: De juvenis?
Joana: Não. Naquele tempo não tinha juvenil, júnior, essas coisas que existem hoje. Era jogadora e ia para a seleção de adultos, era uma coisa só. Então, depois desse colégio, eu comecei a jogar, aí o Pinheiros me convidou para jogar. Mas eu joguei pelo Paulistano, muitos anos. Depois que eu joguei no Paulistano, eu tinha 16 anos quando fui convocada pela primeira vez para a seleção brasileira. Aí participei do Sul-Americano.

Folha: Qual foi seu primeiro adversário na seleção?
Joana: Olha, é difícil lembrar, mas tinha Argentina, Uruguai, Peru, que era a principal. Naquele tempo Peru era a mais forte. Nós ganhamos de todos. Não me lembro nem qual foi a final. Eu sei que nós ganhamos esse Sul-Americano e foi aquela festa. Esse Sul-Americano foi no Rio de Janeiro, eu tinha 16 anos, imagine.

Folha: Isso foi em que ano?
Joana: Foi em 51. Depois disso, durante muitos anos eu fui considerada a melhor jogadora de voleibol do Brasil, a jogadora do ano, atleta do ano. Todo ano, junto com o Pelé, que era do masculino, escolhiam uma do feminino. Junto com Éder Jofre, que era do boxe, no masculino, o atleta do ano. Então, fui muitos anos a atleta do ano. Eu era famosa, ouviu? Eu era famosa.

Folha: A senhora jogava em que posição?
Joana: Eu era cortadora. Hoje, acho que não seria nem líbero, com a minha altura --1,73m. Naquele tempo, eu era a mais alta de todas, eu era altíssima para a época. Não tinha gente alta, eram todas de altura média, não é? Eu era comprida, então, como eu era a mais alta era sempre cortadora. Eu era requisitada, faziam questão de me convocar para a seleção. Daí fomos campeãs Sul-Americanas. Teve um Sul-Americano no Uruguai em 56, em que eu fui também a melhor jogadora do torneio, era a capitã, era tudo isso. Depois, fizeram uma enquete de jogadoras de cada esporte no mundo, do voleibol fui eu a melhor jogadora do mundo. Imagine. Estava, saiu no jornal. Não há meio de eu achar esse recorte.

Folha: Essa enquete foi feita por quem?
Joana: Não sei, foi publicado em um jornal do Rio, eu nem sabia, quando eu vi estava lá. No atletismo, foi uma russa. No tênis, foi a Maria Esther Bueno e no voleibol fui eu. Não há meio de eu achar esse recorte, que eu sei que eu tinha fotografia e tudo, eu não me lembro. Também, faz tanto tempo, não é? E assim foi, depois eu tive meu filho, parei de jogar, depois voltei a jogar.

Folha: A senhora casou então?
Joana: Em 58, eu casei, em 59 tive meu filho e parei de jogar.

Folha: Mas, então, a senhora parou de jogar?
Joana: Um ano assim, dois, não sei, não me lembro. Depois, voltei, continuei jogando. Depois vieram essas seleções todas, inclusive o Pan-Americano. Quando eu fui campeã pan-americana, eu era já casada e meu filho tinha quatro anos.

Folha: Agora, durante esse período que a senhora estava jogando a senhor tinha alguma outra profissão, como a senhora se mantinha?
Joana: Não, eu era dona-de-casa. Com o voleibol, não tinha nada de ganhar nem um... Mal a gente ganhava o uniforme para jogar. E, ainda, às vezes, tinha que devolver para outras jogarem, imagine. Não ganhava nem um tostão, não ganhava nada. Ganhava o hotel onde a gente ia para se hospedar, o que mais? Ganhava o avião, essas coisas, a passagem e tudo isso, mas dinheiro, não tinha nada disso. Hoje, quanto elas ganham no voleibol? Salários altíssimos. Não tinha nada disso. Mas a gente fazia tudo por amor à arte mesmo. Então, eu era dona-de-casa. Primeiro, fui filha, depois passei a ser mãe e cuidando de casa essas coisas.

Folha: E os regimes de treinos como eram?
Joana: Ah, mas o treino não era como hoje, quando elas treinam quatro horas de manhã, três horas à tarde e jogam à noite. Não tinha isso. A gente treinava uma vez por dia nas seleções e, normalmente, nos clubes era duas vezes por semana, à noite. Todo mundo trabalhava. Trabalhava, trabalhava e ia treinar à noite no Pinheiros.

Folha: E o treino era só treino coletivo ou tinha trabalho físico também, musculação?
Joana: Não, tinha um pouquinho de física, não tinha nada de musculação, era um pouco de exercício, corrida. Corria e depois já fazia o treino de conjunto e era só isso. Era só isso. Aí evoluiu muito o negócio, para ser o que elas são hoje. E a última vez que o Brasil foi campeão sul-Americano foi que nós ganhamos do Peru. Depois, só o Peru começou a ganhar do Brasil, começou a ganhar, ganhar, ganhar. Aí já não estava mais jogando.

Parei, tive mais dois filhos, que eu perdi, então, tive mil problemas. Parei de jogar, depois voltei. Aí, depois de tudo isso, eu voltei a jogar como veterana no Pinheiros. Então, eu parei de jogar, depois jogamos assim como veteranas aí no Pinheiros, um time muito bom, por sinal. E foi isso, então.

Antes de voltar à jogar na primeira vez, eu tive problemas terríveis de saúde porque eu perdi filho, essa coisa toda. Até minha cunhada, a irmã dele (aponta para o marido), que foi assistir aos jogos do Pan, até chorava de emoção de me ver jogando de novo, porque achava que eu ia morrer. Mas eu fiquei bem e tudo, voltei em forma, já fui para a seleção e fui jogar.

Folha: E daí como foi o Pan? Quantas partidas?
Joana: Aí nós jogamos contra a Venezuela, ganhamos. Não perdemos nenhuma partida. Não me lembro, foi contra o Peru, contra o Canadá, tinha duas chaves, olha, não me lembro direito porque faz 40 anos isso, não é?

Mas da final eu me lembro muito bem, foi contra os Estados Unidos, que era o time mais forte. E foi bem duro o jogo. Foi forte o jogo e nós ganhamos das americanas. Ganhamos bem das americanas, de 3 a 0, porque era melhor de três sets. Não era como hoje melhor de cinco sets. Foi no ginásio do Palmeiras, estava superlotado. Superlotado. Meu pai queria ir ver o jogo, depois chegou lá, não podia entrar que estava assim (faz gesto). Daí ele falou: "Eu sou o pai da Joana". Daí deixaram ele entrar para assistir ao meu jogo.

Era assim muito rústico o negócio, não é? Mas estava lotadíssimo. Foi muito bonito. A parte melhor foi depois que a gente foi campeã e tudo, puseram lá o pódio assim, bonito, e ele dá as medalhas de ouro. Aquilo foi uma emoção linda, não é? Linda, muito bonita.

Folha: A senhora falou que as americanas eram as mais fortes. Como vocês ganharam delas?
Joana: Olha eu não sei porque. Elas devem ter ganhado todos os jogos delas, eram de outra chave, deve ter sido isso e nós ficamos na final com as americanas. E, eu lendo ali agora o único recorte que eu tenho, elas perderam uma jogadora por contusão qualquer coisa e que o Brasil ganhou, não porque jogou tão bem, foi pelos valores individuais, que eram Joana e Vera, mais uma ali que tem o nome.

Folha: Vera Trezoitko?
Joana: Vera Trezoitko, que faleceu. Então, foi por causa desses valores individuais que nós ganhamos esse Pan-Americano. Isso que eles disseram no jornal, porque eu também não me lembro os detalhes. Não me lembro se eu joguei bem, se eu joguei mal. Quarenta anos atrás, imagine.

Folha: Mas não fica uma lembrança de uma briga, um lance, um momento de uma partida ou do campeonato?
Joana: Não, isso aí era muito difícil, isso aí é muito difícil. Eu sei que uma cortada que eu dei que bateu no rosto de uma moça lá, ela caiu, não me lembro se saiu, se não saiu e era assim. Não me lembro mesmo, porque é uma coisa complicada isso, muitos anos. E foi muito bonito o jogo. Fomos muito aplaudidas. Aquele ginásio do Palmeiras, não é? Era novo, era o único que tinha assim bom para voleibol, porque os outros estavam ocupados com basquete e não sei o quê. Então, nós ganhamos muito bem esse jogo. Me lembro bem direitinho que nós ganhamos todos os sets -todos-- foi 3 a 0. E foi muito bonito o jogo, muito cheio lá o Palmeiras, todo mundo aplaudindo. Foi muito emocionante.

Folha: A senhora tinha tido já vários títulos nacionais, internacionais, esse foi o mais importante da sua carreira?
Joana: Esse foi o maior, porque depois desse eu ainda andei jogando tudo aí, mas não joguei mais pela Seleção, porque aí não dava mais. Não tinha condições de viajar.

Folha: A senhora já tinha que idade nessa época?
Campos: Eu tinha, em 63? Quantos anos eu tinha? Vinte e oito, 29 é? Meu filho tinha quatro, eu tinha 28 anos. Ah, sim, depois fui numa seleção para fazer uma turnê pelo Brasil, aí contra a seleção japonesa, que era o maior negócio de esporte de voleibol era o Japão, era o ápice de tudo. Era fantástico o Japão. Perdemos todas, não é? Porque a gente era muito inferior, não tinha ainda aquela evolução que o Japão teve.

Folha: Era inferior por quê?
Campos: Inferior no preparo físico, elas eram umas máquinas. Elas treinavam oito horas por dia, como fazem hoje aí agora, e nós não, aquelas duas horinhas por dia, só isso. Não estava aquele treinamento intensivo, aquele treino que elas tinham de oito horas por dia. Antes do jogo, elas jogavam duas horas, treinavam, treinavam e iam para o jogo. Então, coitadinhas de nós, não estávamos habituadas com essas coisas.

Aí fomos para o Rio, fomos para Minas fazer demonstrações aqui para o interior de São Paulo, o último foi aqui no Ibirapuera. Perdemos todas para as japonesas, nem víamos a bola, modo de dizer, porque elas eram uma máquinas. Depois, os outros países foram se equilibrando: Cuba, Brasil, foram evoluindo, Peru, era muito difícil o nosso treinamento perante o que elas faziam.

Depois desse Pan-americano ainda fui nessa turnê contra o Japão e depois só jogava aí como veterana mesmo. Depois passei para veterana e pronto.

Folha: Mas aí passou a jogar também em seleções?
Campos: Não, jogava pelo clube, eu joguei pelo Paulistano como veterana eu fiquei alguns anos sócia do Paulistano. Mas, quando meu filho nasceu, eu tinha saído do Pinheiros, e na maternidade me levarem a proposta do Paulistano. Aí eu fui. Eu não sei o que tinha acontecido lá um problema no Pinheiros e acho que eu estava no Paulistano quando fui campeã pan-americana. Eu ganhei uma placa bonita lá do Paulistano. Fiquei muitos anos no Paulistano. Depois parei mesmo. Aí voltei ao Pinheiros como veterana. Aí que eu comecei a jogar lá. E foi assim.

Folha: E a senhora joga ainda hoje?
Campos: Não, agora não jogo mais. Não tenho mais condições físicas. Eu comecei a nadar, eu ia nadar muito todo dia, fazia natação, nadava 500 metros todo dia, depois fazia esses jogos de veterana ia treinar um dia ou outro. Depois, parei de vez, não faço mais nada.

Folha: A senhora jogou nos veteranos até?
Campos: Até uns dez anos atrás. Meu netinho mais velho era bebezinho, eu levava no carrinho lá no Pinheiros, ele ficava lá. A gente ficava treinando, aí depois ia embora para casa e ele ia comigo para passar a tarde lá no clube. Depois disso foi, foi, aí parei. Não deu mais.

Folha: Qual é a lembrança mais positiva que a senhora tem da sua vida de esporte e qual a lembrança mais negativa?
Campos: O que eu achei mais bonito, tirando o Pan-Americano que foi muito bonito, muito bom, foi o Sul-Americano no Uruguai, que eu fui escolhida para carregar a bandeira do Brasil aquela coisa toda, era uma atleta de cada país.

Folha: A sua primeira participação?
Campos: Não, já tinha ido num outro Sul-Americano antes, esse foi em 56. Aí quando nós entramos no desfile, quando tocou o Hino do Brasil, aquilo é muito lindo. Aquilo foi para mim a maior emoção, e nós ganhamos aquele campeonato lá do próprio Uruguai que era o país-sede, ganhamos do Peru, que era o maior, ganhamos de todos. Então, aquele foi lindo, foi uma coisa fantástica. Muita emoção.

E de tristeza que eu tenho mesmo é que eu jogava pelo Pinheiros e teve uma seleção paulista para jogar um brasileiro lá no Recife. Eu estava para me casar, aquele negócio de casamento marcado, meu noivo e minha sogra doente e tudo aquilo, eu pedi dispensa da seleção. O Pinheiros ficou uma fera comigo, um dos diretores lá ficou bravo e me cortaram do Pinheiros. Isso aí para mim foi a maior tristeza da minha vida. A maior tristeza. Eu falei: "Não faz mal", porque eu era militante do Pinheiros. Eu jogava pelo Pinheiros. Isso foi uma tristeza para mim. Foi a coisa mais triste que teve no esporte. Depois passei a ser sócia, porque ele (o marido) já era sócio do Pinheiros e nós continuamos. Isso foi muito chato, muito triste, e o resto para mim foi só alegria. Cada vitória era uma alegria. Tudo para mim era maravilhoso.

Folha: Como a senhora compara o voleibol feminino de hoje e o de sua época?
Campos: Ah, é completamente diferente, completamente. Aquele, a gente jogava por amor mesmo. Todos hoje, elas jogam também, mas visam mais o trabalho delas, que é o ganho delas e jogam, jogam com vontade, porque se não tivessem não jogavam, mas é que elas têm aquelas horas só para isso, ganham só para isso. Ganham para isso e se dedicam só para isso. Treinam várias horas, mil horas, fazem musculação, fazem isso, fazem aquilo, tudo isso que eu vejo aí fazendo.

A gente, não. A gente tinha tanta vontade de jogar, ia jogar só por amor à arte mesmo, por amor ao esporte que a gente fazia. Fazia pouco preparo físico. Não tinha isso. E tinha jogos, teve um Campeonato Brasileiro aqui em São Paulo que durou quatro horas quase o jogo e a gente ganhou aquilo, a seleção paulista ganhou. Eu era mocinha, tinha uns 15, 14 anos. Eu não sei como é que a gente agüentava sem ter tanto preparo físico, mas agüentava e fazia. Fazia tudo isso.

Então, eu acho a diferença essa, que hoje elas fazem aquilo como trabalho, além de gostar, e antes a gente gostava e fazia por amor mesmo ao esporte que a gente praticava não é? Eu acho que a diferença é essa. Hoje é muito, muito mais trabalho, muito mais. Elas ganham para isso.

Folha: E qual a mensagem que a senhora, como campeã pan-americana, dá aí para os atletas de hoje?
Campos: Olha, eu me emociono em tudo quanto é jogo que eu vejo aí, sabe? Eu fico vendo jogo de tudo, de tênis, voleibol, de tudo, eu adoro ver. E eu acho que essas moças ou rapazes que estão jogando, que começaram, que gostam de jogar, que estão na seleção, têm que visar o amor ao país para jogar. Tem que ter muito amor ao país. Jogar por amor ao país. Eu acho isso: numa seleção brasileira, é preciso jogar com muito amor, porque aí vai bem. Eu acho isso só. Tem que jogar com amor. Se não tiver amor ao país pelo qual joga, não vai. Tem que ser assim, eu acho isso.

E-mail: rlucena@folhasp.com.br

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