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Capitão fala da conquista do ouro no vôlei no Pan-63

A.C.Fernandes/Folha Imagem
RODOLFO LUCENA
Editor de Informática da Folha de S.Paulo

Victor Mário Barcellos Borges faz parte da história do vôlei brasileiro, tanto pelas conquistas como pela participação em momentos especiais. Acompanhou, por exemplo, a surpresa da seleção ao ver os iugoslavos usarem a jogada conhecida como manchete no Mundial de Moscou, em 62. E liderou a seleção no Pan em que o Brasil venceu os Estados Unidos. Essa é uma das história que ele conta nesta entrevista, feita por telefone em 18 de março passado.

Folha: Victor, como começa sua história. Onde e quando você nasceu, quando começou a jogar vôlei?
Borges: Nasci no Rio de Janeiro, em 26 de junho de 1942. Meu irmão, Sérgio Barcellos, era jogador de vôlei da seleção brasileira, não é? E me inspirei nele e comecei a jogar no Rio Grande do Sul, por incrível que pareça. Meu pai era militar, servia em Santa Cruz do Sul. O primeiro time em que eu joguei foi o Ginástico de Santa Cruz. Eu tinha uns 12, 13 anos. Depois voltei para o Rio.

Folha: Naquela época você já tinha uma posição mais definida na equipe?
Borges: Não, naquela época, quando eu comecei a jogar, todo mundo fazia tudo, não é? Eu era cortador e levantador. Depois que vim para o Rio, joguei um ano no Monte Líbano, depois fui para o Flamengo, onde fui para o juvenil e, depois, para a primeira divisão.

Folha: E nessa época você não vivia do vôlei, não é? você fazia o quê?
Borges: Não, nessa época, eu estudava no Colégio Militar e jogava. Depois eu saí do Flamengo. Aí eu já era primeira divisão, não é? Eu joguei no Flamengo em 58, 59, 60, 61 e 62. Aí depois fui para a AABB (Associação Atlética do Banco do Brasil), em 63 e 64.

Folha: E foi exatamente aí que você foi convocado para a seleção brasileira?
Borges: Não, eu fui convocado ainda na época do Flamengo, em 61. No Pan, eu já era da AABB, mas minha primeira participação na seleção foi em 1961, no Sul-Americano, em Lima, quando fomos campeões, não é?

Folha: E como foi a sua participação? O que você lembra desse campeonato?
Borges: Para mim, a estréia não poderia ser melhor. Primeiro, por ter sido convocado. Você imagina: naquela época, juvenil não podia jogar na seleção brasileira. Então, eu tinha como ídolos jogadores com quem, no ano seguinte, fui jogar e, por sorte minha, fui titular do time, fui considerado o melhor do campeonato.

Folha: Em que você se destacou para ser considerado o melhor?
Borges: Não, naquela época não tinha isso, era um todo, não é? A pessoa olhava e escolhia, não é? E, particularmente, acho que no esporte coletivo isso é meio injusto. No esporte coletivo, você depende de outras pessoas. Eu sempre achei esse negócio de escolher o melhor meio injusto. Daí para a frente, eu era sempre convocado. Antes do Pan-Americano, teve o Mundial de Moscou, que foi em 62, e foi ali que nós descobrimos que existia manchete.

Folha: Ah, é? Como é que foi essa descoberta?
Borges: Antes de Moscou, aqui no Brasil era só toque, você tinha que receber o saque de toque, tudo de toque? Então, foi uma geração que tocava na bola magistralmente. Todo mundo tocava bem na bola. Quando nós estreamos em Moscou contra a Iugoslávia, se não me falha a memória, no primeiro saque que eles deram o juiz marcou dois toques nossos na recepção. Ninguém entendeu nada. O segundo também. O terceiro eles erraram. Nós fomos sacar o cara passou de manchete, e ninguém entendeu nada.

Hoje todo mundo conhece bem, porque hoje em dia vale tocar por cima, mas vale dar dois toques, antes não valia. Você tinha que tocar por cima perfeito. Aí apareceu para o Brasil a manchete, não é? E para o Brasil foi interessante: dois anos depois nós fomos para a Olimpíada de Tóquio, e lá o melhor passe da Olimpíada foi o do Brasil. De manchete.

Folha: Mas no Mundial de Moscou, como se saiu a seleção?
Borges: O que acontecia naquela época é que nós não tínhamos intercâmbio nenhum. Então, quando você ia jogar na Rússia pela primeira vez, você jogava uma vez e era muito difícil, porque naquela época os países da Cortina de Ferro é que mandavam no vôlei, não tinha para ninguém. Os Estados Unidos às vezes chegavam e tal, mas o resto do mundo, nada. A Itália não era nada. Desses países que não eram da Cortina, o Brasil era o melhor, juntamente com os Estados Unidos. E voltamos para o Pan-Americano de São Paulo, o Brasil começou a se preparar mesmo para a competição, não é? Tanto que, na época.

Folha: Com quanto tempo de antecedência?
Borges: Você não vai acreditar o que aconteceu na época. Na época existia muita política negócio de convocação. Convocaram, se eu não me engano, 45 jogadores. Quarenta e cinco jogadores e o Sami (técnico da seleção), isso porque pressionaram a Confederação, a Federação do Rio, a Federação de São Paulo, de Minas, não é? Todo mundo, como o Pan-Americano ia ser no Brasil, queria ter um representante de seu Estado. E o Sami na apresentação, eu acho que eram 45, 44, ele falou: "Tudo bem, eu aceitei esse tipo de convocação, mas esses sete vão se apresentar só daqui a dois meses. Então, eu vou treinar esse grupo aqui para tirar cinco". E assim ele fez. E nós tivemos, nesse período que nós ficamos afastados, esses sete.

Folha: Você fazia parte desses sete?
Borges: Sim, e ficamos treinando e aí, quando juntaram os outros cinco, o time ficou muito bom, muito bem treinado, muito bom para disputar um campeonato em casa. Naquela época, os Estados Unidos ainda não tinha perdido um Pan-Americano. E foi a primeira vez que o Brasil foi campeão Pan-Americano e ainda por cima derrotando os Estados Unidos.

Folha: A final contra os EUA foi então o jogo mais emocionante ou teve outro tão ou mais disputado?
Borges: Não, esse, realmente, era o jogo esperado e a hegemonia do Brasil na América do Sul era incontestável, e a dos Estados Unidos na América do Norte também. Então, a grande final esperada era mesmo os Estados Unidos e que por sorte jogamos muito bem e ganhamos.

Folha: Você lembra dos adversários anteriores? Alguma partida da qual você tenha alguma lembrança especial?
Borges: Não me lembro não, sabe? Eu me lembro muito bem da partida contra os Estados Unidos, o que nós mais treinávamos era para jogar contra os Estados Unidos. As outras, a gente sabia que ia ganhar mesmo, mas os Estados Unidos era aquela coisa. Cuba, na época, ainda não tinha representatividade, entendeu? Não tinha voleibol. Cuba veio a surgir já no Pan-Americano de 67.

Folha: E nesse jogo contra os Estados Unidos algum lance, momento mais bacana, saque, cortada, enfim?
Borges: Eu me lembro que existia um jogador norte-americano que sacava muito bem. Na antevéspera e na véspera do jogo, nós passamos o treinamento todo alguém tentando sacar como ele, na posição em que ele sacava e para nós passarmos. Teve um efeito incrível: ele não conseguiu fazer um ponto.

E nós jogávamos, o nosso time-base tinha Pedro, do Santos _ já faleceu. O Ildo, de Pernambuco, o Roque, do Rio, o Fabinho, de Minas Gerais, o Feitosa, do Rio, e eu, do Rio.

Folha: Como capitão, você era muito brigão?
Borges: Eu confesso que era um jogador brigão, reclamava mesmo, mas reclamava no bom sentido, não é? Reclamava no intuito do time ir para a frente, acreditar que dava para ganhar. Quando você não tem muito intercâmbio, as pessoas, às vezes, se inibem: "Pô, vou jogar contra os Estados Unidos, é um bicho-papão". Então, você tinha que dar uma motivação a mais, mostrar que aquilo não era bicho de sete cabeças.

Folha: Depois dessa conquista, como seguiu sua carreira?
Borges: Depois que eu saí do AABB, na época, eu joguei um ano no CIB e depois fui jogar no Santos. Aí não vou dizer que era um esquema profissional, mas já teve suas regalias, essas coisas todas.

Folha: Mas você sustentava a sua família com o vôlei ou não?
Borges: Quando fui para Santos, sim. Fiz uma proposta para eles, e conversei com meu pai. Ele disse: "Se eles aceitarem, vai". Foi bom, foi o início da minha vida. Depois do Santos, voltei a jogar no Botafogo, fiquei de 69 a 72. Depois voltei já meio coroa para jogar no Fluminense.

Folha: Nesse tempo todo, o vôlei era sua atividade profissional?
Borges: Você jogou todo esse período aí até 72 como profissional? Borges - Não, quando eu vim para o Botafogo, não. Voltei a ser amador de novo, tinha a minha empresa, trabalhava. Tinha uma empresas de promoções, eu e meu irmão. E trabalhava o dia inteiro para jogar à noite.

Aí eu dei uma parada, mas, depois, o Feitosa, que jogou a vida inteira comigo, inclusive no Santos, era técnico do Fluminense e ele me convidou: "Victor, eu estou precisando que você volte a jogar". Aí ele me convenceu, eu pedi para treinar, e combinei que, se quando chegasse o campeonato, eu estivesse bem, eu jogaria. Aí chegou na época, eu achei que dava e ganhamos o Campeonato Carioca. E aí parei, no Fluminense, em 78.

Folha: E ficou só com sua empresa?
Borges: Fiquei com a empresa e já era funcionário da Telerj. Aí comecei a ser técnico no Fluminense, que o Horta, na época, me convidou para ser o técnico. O Feitosa foi para o Minas, e o Horta me convidou para ser o técnico do Fluminense. Depois fui ser técnico do Flamengo e aí parei, achava que não era a minha praia, não.

Folha: E hoje a sua atividade qual é?
Borges: Hoje, estou aposentado da Telerj, não é? Tenho três filhos, nenhum deles foi para o voleibol. Minha esposa atual é que jogou voleibol, foi Seleção Brasileira Indoor, parou de jogar na praia, era a primeira do ranking. Ela se chama Rose Eliana dos Santos, ela é conhecida como Rose. E está comigo até hoje, lá se vão 20 e poucos anos. Nesse caminho de minha carreira ainda teve duas Olimpíadas, Tóquio e México.

Folha: Mas sua principal conquista foi o Pan. Ou você considera a participação nas Olimpíadas?
Borges: Ah, a principal conquista foi o Pan-Americano. O Brasil só foi ganhar o Pan-Americano de novo 20 anos depois. Foi ganhar em 1983, depois de 20 anos. Eu ganhei o Campeonato Brasileiro seis vezes, o Campeonato Carioca, oito, o Campeonato Paulista, duas, o Campeonato Sul-Americano, seis, o Pan-Americano, um e vice-campeão no outro. Mais a participação em duas Olimpíadas e em dois Mundiais.

Folha: Nas Olimpíadas, como foi?
Borges: Ah, foi o que tinha que ser mesmo. Não dava para ser diferente, não. O Brasil veio a crescer no voleibol depois da entrada do Nuzman, porque aí ele conseguiu intercâmbio. E para você chegar a algum lugar, você tem que ter intercâmbio, senão você não chega. E o Nuzman, com uma administração brilhante, que foi junto com outras pessoas que o ajudaram, ele conseguiu que o Brasil começasse a fazer o que o mundo todo fazia, não é? Jogar entre si. Aí fica mais fácil, não é?

Um exemplo disso, uma vez o Japão veio jogar no Brasil cinco jogos, não é? E o Brasil nunca tinha vencido o Japão. O primeiro nós perdemos, o segundo perdemos, o terceiro, quarto e quinto ganhamos. Quer dizer, você começar a conhecer os outros e fica mais fácil.

Folha: E como você compara o vôlei de hoje ao vôlei que você praticava?
Borges: O vôlei de hoje é completamente diferente. Primeiro, as regras já são diferentes. Você poder pegar um saque por cima dando dois toques é mais fácil, não é? Em compensação, a altura, a média de altura... Isso eu já dizia lá atrás: "No dia que o Brasil tiver condições de ter jogadores altos como têm os nossos adversários, vai ser difícil ganhar do Brasil". Bola eu acho que a gente sempre teve mais ou igual a eles, entendeu? Não tinha altura. Hoje em dia, o time do Brasil é tão alto quanto os deles e tendo bola... Eu acho que a parte física mudou muito, a estatura também. Eu não gostei muito desse negócio de tie-break, eles poderiam ter feito em vez de melhor de cinco sets, melhor de três sets, entendeu? Para não modificar a regra do jogo, não é? Esse negócio de saque queimado também eu acho um absurdo, mas a modernidade é isso.

Folha: Tem um outro fator aí que é o profissionalismo?
Borges: Sim, e tem o fator da televisão, que tem de respeitar. Se não aparecer na televisão, ninguém vê nada. Na nossa época, não aparecia na televisão. Agora, todo mundo vê qualquer um na televisão jogando, então... Eu sou a favor da televisão, eu acho que tem que ter a televisão mesmo, acho que tem que ter a cobertura de vocês, isso aí levanta qualquer esporte. Qualquer esporte que tenha dirigente voltado para o sucesso do esporte, entendeu? Porque tem certas modalidades esportivas no Brasil que teriam tudo para ir para a frente e não vão porque os dirigentes não estão nem aí.

Eu acho que, se o Brasil tivesse o apoio que tem atualmente, o Brasil já teria conquistado essas medalhas há muito tempo. Graças a Deus, apareceram pessoas competentes que colocaram o voleibol do Brasil lá em cima.

E-mail: rlucena@folhasp.com.br

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