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*número cinco *sexta-feira, quatro de abril de dois mil e três
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moda / vintage

a invenção da elegância brasileira

dona gabriela implanta o new look em são paulo

Chegamos ao Brasil no final de dezembro de 1945. Eu era uma grã-fina preparada para ser tradutora. Salvatore Ferragamo era meu sapateiro em Florença, onde eu morava. Quando soube que eu vinha para o Brasil, me deu a representação de seus sapatos -sem que eu pedisse. Mandou os sapatos pelo meu irmão e eu decidi tentar. Meu marido abriu uma firma de importação e exportação. Em 47, depois de um ano que eu vendia sapato, comecei a pensar na tecelagem. Também em 47, Dior lançou o New Look. Ele foi o inovador: mudou completamente a linha, fez as saias rodadas... Durante a guerra, era tudo tailleur e uma coisa mais masculina. Todo mundo aqui estava cheio de grana e não tinha um metro de tafetá, já que o presidente Vargas tinha proibido a importação de artigos de vestuário. Vargas só deixava importar as máquinas (que meu marido continuava importando pela firma, que tinha capital dos Matarazzo, dos Crespi, dos Pignatari, dos morganti -os ítalo-brasileiros com grana). Mas eu não podia mais importar sapatos.

Meu marido soube que muita seda pura estava presa nos bancos, tomadas comocaução dos italianos, japoneses e alemães, que criavam casulo da seda e exportavam seda pura. Era seda de primeira.

Meu marido ligou as duas coisas: sabia que tinha essa seda e sabia que todo mundo precisava do tecido. Eu sabia comopodia ser o tafetá, sem nunca ter visto fazer. Minha mãe se vestia na Chanel, eu fazia parte da família de uma gente elegante. Não conhecia a máquina, nunca tinha visto um tear, mas sabia o que era preciso fazer com ele. Então começamos essa pequena fábrica. Em dois anos, já estávamos com 122 teares. Durante um ano e meio fabricamos só tafetá. Tafetá em fio tinto, furta-cor...

Aqui se faziam festas maravilhosas, com uma riqueza de meios que agora a gente esqueceu. O Brasil se divertia bastante, era gente que não tinha passado pela guerra. As mulheres que tinham meios se vestiam de modo muito elegante. Hoje, suas netas nem se comparam a elas, super bem-cuidadas. Tinham mãos e pés pequenos, via-se que não os tinham usado muito.

Várias tecelagens levavam nomes de santos. Eu e meu marido éramos muito brincalhões. Daí falei: "Vai precisar de muita constância para continuar essa fábrica, teremos que lutar bastante". Ele disse: "É, então vamos chamar Santa Constância". Demos risadas e resolvemos chamar de Santaconstancia.

Escrito com a minha letra.

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