Folha Online 
Cotidiano

Em cima da hora

Brasil

Mundo

Dinheiro

Cotidiano

Esporte

Ilustrada

Informática

Ciência

Educação

Galeria

Manchetes

Especiais

Erramos

BUSCA


CANAIS

Ambiente

Bate-papo

Blogs

Equilíbrio

Folhainvest em Ação

FolhaNews

Fovest

Horóscopo

Novelas

Pensata

Turismo

SERVIÇOS

Arquivos Folha

Assine Folha

Classificados

Fale com a gente

FolhaShop

Loterias

Sobre o site

Tempo

JORNAIS E REVISTAS

Folha de S.Paulo

Revista da Folha

Guia da Folha

Agora SP

Alô Negócios

São Paulo, 450 23/01/2000

Não temos cidadãos, temos paulistanos

MARCELO COELHO
colunista da Folha de S. Paulo

Gilberto Dimenstein está de férias. Ocupo o lugar dele para falar sobre São Paulo. Tenho o pressentimento de que ele não vai concordar muito comigo. Dimenstein é um otimista, gosta da cidade e participa de ações comunitárias para melhorá-la.

Já minha opinião sobre São Paulo é muito... paulistana: pessimista, mal-humorada e pouco solidária. Reflete, aliás, a atitude da maioria dos entrevistados, segundo o Datafolha.

Moro na Vila Madalena, bairro ótimo. Do meu apartamento, tenho uma linda vista sobre um valezinho e, no horizonte, piscam as torres das emissoras de TV. O problema de lugares com vista bonita é que eles são cheios de ladeiras. Já não sou de dar grandes caminhadas, e tantas subidas e descidas me desencorajam.

Há algumas semanas, entretanto, eu estava andando pelo bairro. Esfalfava-me por uma encosta difícil, quando me chamaram, a meio quarteirão de distância.

Era o Gilberto Dimenstein. Ele trabalha com várias escolas da região. Disse-me que todo dia dá grandes caminhadas pelo bairro.

Aí entendi melhor o seu gosto pela cidade. A pé, uma pessoa vive mais sua cidade, tem mais contato com o meio.

Parece bobagem? Não sei. O cotidiano da classe média, em São Paulo, resume-se a sair de casa para o trabalho, em geral de carro, e a passar a maior parte das horas de lazer no shopping. Caminha-se apenas nos parques cercados ou na esteira ergométrica.

Suspeito que isso faça diferença. A diferença consiste no seguinte: não saímos, nunca, de espaços privados. O espaço público é praticamente desconhecido do paulistano médio.

O carro é o espaço privado por excelência, onde nos incomodam para vender chicletes e pedir esmolas. O shopping, resguardado, não permite o acaso, o sol, a sombra; não tem habitantes, tem consumidores. Da casa e do trabalho, não precisamos falar.

O resultado é que uma das maiores cidades do mundo termina sem ter vida urbana digna desse nome.

Quem vai a Buenos Aires, para não dizer nada dos países desenvolvidos, sabe que na rua "acontecem as coisas". O habitante, o citadino, é alguém que sente a cidade como sua e, ao mesmo tempo, a sente como sendo de todos os demais.

Aqui em São Paulo, não tenho a cidade como algo que seja ao mesmo tempo próprio e geral. De meu, tenho meu carro e minha casa. O resto ou é hostil, ou é algo a meu serviço, como um shopping ou um clube.

Talvez por isso a cidade seja um reduto da mentalidade mais privatista, egoística, amedrontada e dura de que se tem notícia no Brasil. Que o paulistano seja pouco solidário, como indica a pesquisa do Datafolha, não é surpresa. Seu cotidiano é inteiro dominado pela lógica da vida privada.

Não é culpa do paulistano, claro. A cidade reflete problemas de insegurança, de capitalismo selvagem, de desigualdade social que só poderiam dar nesse egoísmo, nessa mesquinhez... Nesse descontentamento que mesmo os privilegiados sentem sem parar.

O pior não é que o paulistano seja pouco solidário. Acho isso remediável. O pior é que o paulistano é pouco cidadão.

Pois a situação clássica de cidadania, para voltar à descrição que fiz alguns parágrafos acima, a propósito de Buenos Aires, é aquela em que o interesse privado, o raciocínio individual, de alguma forma se combina com a idéia de que há algo coletivo em jogo.

O balanço entre vontade geral e vontade particular é, desde o século 18, o fundamento da vida política, da vida urbana. Repito com duas palavras diferentes --"pólis", "urbs"-- aquilo que sempre identificou cidade com cidadania, com urbanidade, com civilização, com política.

Quando Maluf é eleito e quando a Câmara Municipal se compõe de escroques, o que vemos é uma espécie de elogio do interesse privado sem cidadania. O eleitor não é ingênuo. Escolhe pessoas que sabe serem corruptas, porque representam o máximo de interesse privado, e o mínimo de interesse público, que ele próprio reconhece como seu reflexo mais autêntico.

Em São Paulo, os momentos de manifestação popular, de protesto, de vida política, ou se dão em casos de grande comoção nacional (as diretas-já, o impeachment de Collor) ou se fazem em torno de interesses muito particulares.

Nesse último caso, ocupa-se a avenida Paulista. O trânsito fica horrível. O paulistano médio reclama. Buzina. Não sai de seu casulo.

Certa vez, no Rio, parei numa lanchonete do centro para tomar um café. Ao meu lado, um senhor negro, de bigodinho aparado e chapéu verde-escuro, punha adoçante na xícara. Pensei, um pouco arbitrariamente: "eis aí um cidadão". Eu não estava longe do que na época se chamava de "Brizolândia", zona de pedestres aberta à panfletagem e a protestos de todo o tipo. Eu era um cidadão, também. Aqui, não temos cidadãos. Temos paulistanos.

Assine a Folha

Classificados Folha

CURSOS ON-LINE

Aprenda Inglês

Aprenda Alemão


Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).