30/07/2004
Basquete: A primeira da fila
A modalidade estreou nos Jogos em Berlim-1936; o Brasil tem 5 medalhas
por
ANA TEREZA CLEMENTE
e
HELOÍSA HELVÉCIA
Alexandre Schneider/Folha Imagem |
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Janeth Arcain
idade 35
altura 1,80 m
peso 67 kg
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Este é o melhor momento de Janeth, segundo a própria. Melhor e mais dramático. É sua chance, talvez a última, de pegar a medalha que falta à coleção. "Fora o ouro, meus sonhos foram realizados", diz a atleta de 35 anos, verde-e-amarela desde os 16. "Será que é minha última Olimpíada? Posso estar legal em 2008, para Pequim. Tenho medo de parar de jogar. Mas a fila anda."
Janeth é o primeiro nome do basquete feminino desde que a fila andou com a aposentadoria de Paula e Hortência. Sobre a imagem de coadjuvante, diz: "Falam que nesses anos fiquei na sombra delas. Digo que soube esperar meu momento. Nunca vou ser Paula, nunca vou ser Hortência. Sou a Janeth".
É a jogadora mais experiente da seleção. Tetracampeã da WNBA (a liga feminina de basquete dos EUA), abriu a trilha para brasileiras na liga profissional americana. Chegou sem falar a língua. "O técnico desenhava tudo. As meninas faziam as movimentações, eu observava e repetia." Aos poucos, conquistou a torcida do Houston Comets, se fez respeitar.
É campeã mundial, pan-americana e sul-americana. Tem o bronze de Sydney, a prata de Atlanta. Lembra do assombro na estréia olímpica, em Barcelona: atletas que só via em TV, o refeitório gigante... "Nunca tinha visto aquilo. Deslumbradas, esquecemos de jogar."
É outra Janeth essa que parte para Atenas. Nos EUA, ficou "mais racional". Lapidada por anos de terapia, já não deprime a cada erro. "Todo o conhecimento que adquiri jogando com a Paula e a Hortência, passo às meninas. Se a gente deixa o 'eu' de lado e pensa no 'nós', todo mundo ganha."
O "eu" não é nada para Janeth, que fala dela na terceira pessoa. Não parece afetação, mas esforço para distinguir a grife e a mulher.
A grife, Janeth Arcain, dá nome à sua escola de basquete, em Santo André. A mulher além da grife gosta de navegar na internet e ir ao shopping --rara ocasião em que se arruma. "Não sou vaidosa."
Longe do flash, Janeth é "Jane", apelido no círculo restrito que inclui a empresária, Karine Batista, e a mãe, Rita --a quem atribui o ego disciplinado. "Muito atleta se perde quando tem retorno financeiro. Eu não. Não fui criada na exuberância. Aprendi com minha mãe e meus avós que as coisas passam. Podia ostentar outro carro, mas um Astra 2000 está bom."
Parece resposta à fama de "pão-dura". Também é introspectiva, diz "Magic" Paula: "Janeth reúne talento físico e técnico. Como pessoa, é reservada. Muitas vezes não sabíamos o que pensava ou queria. Mas fazia sua parte de forma eficiente".
Janeth passou os primeiros anos entre Carapicuíba e Osasco, com os avós, até a mãe arrumar emprego em São Paulo. O pai saiu de casa quando ela tinha cinco anos. "Foi tão ausente na minha vida que não tenho lembranças", diz, sem emoção. "Sabe esses quartos alugados onde lá mesmo você cozinha e põe colchão no chão? Era assim, sempre os três: eu, minha mãe, meu irmão."
Nem por isso era ruim. "Empinava papagaio, batia bola na rua. Era moleca." Ainda bem que aproveitou a infância. A saga até o pódio engoliu a adolescência, exigiu sacrifícios.
Na escola, gostava de todos os esportes. "Aí eu vi o Mundial de basquete na TV e pensei: 'legal'." Passou a ler reportagens sobre Paula e Hortência. Aos 13, tomou um ônibus sozinha e foi até o Corinthians, para tentar jogar basquete, mas o clube só tinha vôlei. A menina alta que saltava muito e batia forte chegou a jogar por seis meses, mas já sabia que tudo o que queria era arremessar.
Foi a professora de educação física quem a apresentou ao basquete profissional e ao técnico do Catanduva, no interior. Caiu direto no Campeonato Paulista, foi morar em república. "Chorava todo dia, ligava para a minha mãe, querendo voltar. Ela falava: 'Não, filha, tem que ser forte. Segue o teu sonho'."
Janeth obedeceu. Às vezes, pensa em fazer faculdade, mas repensa: "Para dizer que tenho diploma?". Às vezes, pensa em filho. "Mas, pôxa, com 35, como posso perder dois anos de carreira?" Às vezes namora, mas teve um que mandou ela optar: ele ou o basquete. "Ah, me desculpa. Fico para titia."
Depois do ouro, quem sabe. "O esporte me deu tudo, fui abençoada. Mas não deu nada que eu não merecesse."
jogo rápido
dieta
Não tenho. Adoro lasanha, frango e maionese, que minha mãe preparava aos domingos.
um medo
De parar de jogar.
sonho
Só falta a medalha de ouro.
passatempo
Navegar na internet.
pior momento
Quando meus avós maternos morreram, e eu estava viajando.
melhor momento
Agora, às vésperas da quarta Olimpíada.
uma cesta de três pontos
Para minha mãe e minha empresária.
em quem faria uma falta
Em políticos e pessoas desonestas.
música preferida
Qualquer uma, menos rock pauleira.
defeito
Confiar muito facilmente nas pessoas.