Folha de S.Paulo Moda
*número doze *sexta-feira, 17 de dezembro de dois mil e quatro
Folha Online
 
Texto anterior | Índice | Próximo texto

moda / verão 2005



a emoção está no ar

Paris seduz fashionistas com desfiles criativos, feitos para marcar a história do prêt-à-porter e estimular o consumo do alto luxo

Fashionistas são, na essência, criaturas apaixonadas por moda. Então nada melhor do que roupas sensacionais, desfiles inesquecíveis e modelos maravilhosas (é proposital a adjetivação superlativa) para compor uma grande temporada. Assim foi o prêt-à-porter de verão 2005 em Paris, em outubro. É que a engrenagem fashion começa ali: na passarela. Editoras, fotógrafos e compradores se apaixonam pelas imagens e pelas peças. Essas chegam às revistas. Depois às lojas, onde se fazem então consumidas por todo o planeta. Pronto. A mágica está feita.

Moda é arte? Pode ser. É, antes de tudo, comércio, varejo. Dissimulados, os criadores de Paris tentam atender às duas necessidades: emocionar -para depois vender.

Os selecionados convidados de Viktor & Rolf estranharam um pouco o início do desfile da dupla holandesa: roupas escuras, modelos de capacete de motocicleta em preto, música apocalíptica. As garotas se posicionam ao fundo da passarela, num tableaux vivant de um futuro sombrio. Mas eis que, ao final, ocorre uma explosão pirotécnica, o palco gira e o que se vê é outro painel, igualzinho ao negro, mas em cor-de-rosa. Como uma apaixonada e idílica visão, top-models vestem looks em pink.

Enfeitadas por fitas e mais fitas de cetim, uma delas vira verdadeiro embrulho de presente; outra ganha na cabeça um chapéu que lembra a proteção para uma única rosa, aquele plástico fino. Com ironia e sensibilidade, Viktor & Rolf, os grandes iconoclastas do cenário internacional, comentam esse atual delírio romântico de caráter ainda escapista. Os exigentes fashionistas vão ao delírio. Impossível não se contagiar. Só depois percebemos que as palavras repetidas à exaustão nessa segunda parte do desfile ("love bomb, love bomb") são na realidade o nome do novíssimo perfume da grife -distribuído, na saída, aos convidados.

Desfile da Chanel no Carrousel do Louvre, sede oficial das coleções. A gigantesca sala para 2.000 pessoas está abarrotada, e cada um dos convidados só pensa em um nome: Nicole Kidman. A informação foi passada antes: ela vem. Depois de todos sentados, três lugares vazios, na primeira fila, e um enxame de fotógrafos, selvagens, à volta, esperando sua chegada. A entrada da atriz se dá pelo fundo da sala. E é absolutamente glamourosa. Nicole Kidman é hoje a maior encarnação da diva hollywoodiana, ícone principal do star system midiático. Também é sabido que de dois anos para cá a moda se abriu à cultura das celebridades. Desta vez, até Paris sucumbiu.

Karl Lagerfeld, o alemão que há quase duas décadas desenha para a maison da lendária Coco Chanel, precisa vir ao microfone pedir calma, já que até a venerada editora Suzy Menkes, do "Harold Tribune", está aboletada sobre uma cadeira para enxergar melhor a confusão. Quando todos finalmente se sentam, entram as supermodels (de um nome só) lá dos anos 80: Linda, Shalom, Naomi, Kristen, Amber, Nadja... Elas caminham sobre uma passarela de tapete vermelho, seguidas por paparazzi (falsos) aos seus pés. Tudo ao som de "Notorious", do Duran Duran, e de "Fame", de David Bowie. Vestidos longos chiquérrimos (ah, os superlativos) mostram-se imbatíveis para as ocasiões "red carpet" . Eles abrem a apresentação, seguidos de pencas de tailleurs em que o tweed vem levíssimo e jovial. A química está perfeita. Principalmente porque Nicole é também a garota-propaganda do perfume Chanel Nº5, neste momento de revitalização dos clássicos. A engrenagem gira.

Outra garota-propaganda famosa, a atriz Christina Ricci, abre a Vuitton, produzindo mais notícias do que a sofisticada displicência imaginada pelo americano Marc Jacobs para a marca. Ela só não atrai mais as atenções do que o rapper Pharrell Williams na primeira fila, que assina junto com o estilista a criação da linha de óculos da secular grife. A própria edição do desfile (o styling) persegue o visual da modelo new face Querelle, quando ela chega para trabalhar: um jeitinho de brechó, escarpin com meia soquete. Cool.

Alexander McQueen, o criador das cenas mais performáticas do Planeta Fashion, surpreendeu de novo ao transformar sua moda de verão num jogo de xadrez, com uma voz "cantando" as jogadas no som da sala, e as modelos reproduzindo os movimentos de cada personagem (cavalos, damas, peões, torres...) no palco quadriculado, como num tabuleiro, até o xeque-mate final.

Quem evitou o espetáculo mobilizou as atenções com a mais pura criação. Na Rochas, o prodígio belga Olivier Theyskens reconstrói pouco a pouco a marca, criando uma imagem de mulher adulta e contemporaneamente "raffiné". Já as garotas-descoladas-que-entendem-de-moda se enxergam nas roupas de Stella McCartney e Phoebe Philo, esta na Chloé. Visando uma mesma consumidora, as duas conjugam um novo estilo, uma elegância relaxada e descompromissada, polvilhada pelos temperos da hora: um certo hippismo anos 70, um pouco de esportivo aqui, de guarda-roupa masculino ali, jaquetinhas vitorianas... As peças -que bom- desafiam definições. Ao mesmo tempo não são "nada", ao mesmo tempo são tudo o que a gente quer.

Também acerta o alvo do que desejam as mulheres hoje a mais nova estrela da moda: o italiano Stefano Pilati, bem-sucedido na ingrata tarefa de substituir Tom Ford na Yves Saint Laurent. Pois Pilati não apenas se saiu bem da sombra pesada do texano como conseguiu imprimir sua assinatura e atualizar o vocabulário Saint Laurent de chic-ismo parisiense. Sem medo das cores fortes -elemento que Ford nunca conseguiu trabalhar bem-, usando bolinhas, silhuetas corajosas que incluíam até volumes nas saias (anquinhas estilizadas), tudo envolto numa desconcertante aura de (falsa simplicidade). Pilati encerrou a temporada de verão 2005 enchendo o coração dos fashionistas. Moda, afinal!

erika palomino

enviada especial a paris

fotos AP / AFP / Reuters

veja a galeria 1
veja a galeria 2
veja a galeria 3
Texto anterior | Índice | Próximo texto
 

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br).