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02/11/2000
Matisse & Picasso
LIVRO MOSTRA TRAÇO COMUM DOS PINTORES
CASSIANO ELEK MACHADO
da Reportagem Local
Durante quase meio século, dois senhores jogaram uma partida invisível de xadrez. De um lado, um espanhol chamado Pablo Picasso. Na outra ponta do tabuleiro, o francês Henri Matisse.
O jogo não teve vencedores, mas foi marcado por xeque-mates desde seus movimentos iniciais. Estimulado por Matisse a explorar a arte africana, Picasso abre a partida com um marco zero da arte moderna, "As Senhoritas de Avignon", de 1907.
Anos mais tarde, é Matisse quem movimenta suas peças de acordo com os peões de Picasso. E o cubismo do espanhol chegava às telas do artista francês.
Com metáfora enxadrista, Yve-Alain Bois definiu a relação entre "os dois grandes pintores do século 20". Um dos principais críticos de arte do mundo, o argelino radicado na França passou dez anos mapeando o avanço de cada "bispo", "peão" e "cavalo".
O estudo rendeu a maior exposição conjunta dos dois artistas nos últimos 50 anos, no ano passado, no Texas, um documentário recém-exibido na rede PBS, nos Estados Unidos, e um volumoso livro ensaístico chamado "Matisse e Picasso". Nesse trabalho, recém-publicado no Brasil pela editora Melhoramentos (R$ 89, 272 págs.), Bois se concentra nos últimos 30 anos dessa partida.
Centrado mais na análise das diferenças e semelhanças das pinturas da dupla, ricamente reproduzidas no livro, do que na vida pessoal, o crítico também recolhe farta documentação sobre o modo como um se dirigia ao outro.
"Tudo depende de um sol interno com mil raios. O resto é nada. É só por isso que Matisse é Matisse. Porque ele tem um sol interno", diz Picasso. "Em tudo o que ele faz, há sangue", diz Matisse.
Foi para falar dessa relação de "sol" e "sangue", construída "com admiração verdadeira e inveja secreta", que Yve-Alain Bois deu entrevista à Folha.
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Folha - Como o sr. definiria a relação entre Picasso e Matisse?
Yve-Alain Bois - Foi uma relação de constante mudança, o que é o mais bonito. Foi uma relação feita de admiração verdadeira, de uma inveja secreta e, sobretudo, definida desde o início por uma competitividade intensa e contínua.
Folha - Por que o sr. diz que ela era como um jogo de xadrez?
Bois - O xadrez é um jogo estratégico, o que significa que um sempre pensa nas consequências dos movimentos do outro, sempre antecipando uma resposta. Essa antecipação dá as cores do movimento das peças. Ou seja, o xadrez é diálogo. O que torna o xadrez uma metáfora ainda melhor para a relação de Matisse e Picasso é que é um jogo que implica, ao mesmo tempo, trocas rápidas e de longa duração, já que o bom jogador sempre tem em mente jogos anteriores com situações similares.
Folha - Quem o sr. pensa que teve mais influência no trabalho do outro. Picasso foi mais importante para Matisse do que o inverso?
Bois - Um dos objetivos centrais deste livro é desfazer a noção mais comum de influência. Picasso e Matisse não influenciaram um ao outro, mais eles reagiam, interagiam, contra-reagiam constantemente. Aqui a metáfora do xadrez é novamente perfeita. Você diria que um enxadrista influencia seu oponente? As reações de Picasso aos movimentos de Matisse são certamente mais diretas, facilmente visíveis e rápidas do que o inverso, mas uma das idéias que gostaria de corrigir é a de um Matisse burguês e envelhecido isolado em sua torre de marfim.
Folha - Qual a importância de Paul Cézanne para os dois "enxadristas", na sua opinião?
Bois - Ele foi tremendamente importante para ambos e de modo muito diferente. Eu precisaria de umas 20 páginas para explicar isso com detalhes. Resumidamente, para ambos Cézanne era um tipo de modelo e, de algum modo, lutavam por sua herança.
Folha - Por que o sr. pensa que Picasso e Matisse sempre rejeitaram a arte abstrata?
Bois - Isso envolve Cézanne. Ainda que Picasso fosse meia geração mais novo que Matisse, o pai deles era Cézanne e eles queriam manter um diálogo com ele ou terminar o negócio que não deixou finalizado. Eles sentiam que eram os últimos guardiões de uma certa tradição da pintura figurativa. Uma coisa interessante é que eles deixaram os pilares que tornaram a arte abstrata possível.
Folha - O artista brasileiro Cícero Dias, que tem 94 anos e foi muito amigo de Picasso, diz que foi Matisse quem sugeriu que "Guernica" fosse pintada sem cores. O sr. conhece essa história?
Bois - Nunca ouvi isso, mas não acho difícil que tenha sido assim. Picasso era muito impressionado pelo talento que Matisse tinha para colorir. Ele sabia que não tinha a mesma capacidade. Isso não significa que seu uso de cores fosse pobre, mas ele levava muito mais tempo, suava muito mais do que Matisse para criar com cores.
Folha - Qual dos dois é seu favorito? Matisse ou Picasso? Qual obra de cada um o sr. gostaria de ter pendurada em sua casa?
Bois - Meus amigos dizem que eu prefiro Matisse, que eu sou sempre mais eloquente quando falo sobre seu trabalho. Isso não é muito consciente de minha parte, mas suponho que seja verdadeiro. Sempre achei que Matisse foi menosprezado como um artista "fácil" e que ele precisava ser defendido. Se tivesse que escolher um Matisse eu pegaria a tela "Música", de 1910. Picasso seria mais difícil, mas eu acho que pegaria um trabalho cubista, como "Guitarra", de 1912.
MATISSE
1869 - Nasce em Le Cateau, França
1931 - Tem grande retrospectiva na galeria Georges Petit, em Paris
1934 - A editora Limited Edition Club lhe encomenda ilustrações para "Ulisses", de James Joyce
1936 - Expõe na galeria Paul Rosenberg, em Paris, logo depois de longa exposição de Picasso no mesmo local
1942 - Pinta "Vestido Violeta, Poltrona Vermelha de Veneza", que dá mais tarde a Picasso
1946 - Primeira grande exposição junto com Picasso, no Victoria and Albert Museum, em Londres
1954 - Morre em Nice, França
PICASSO
1881 - Nasce em Málaga, Espanha
1932 - Tem grande retrospectiva na galeria Georges Petit, em Paris
1934 - A editora Limited Edition Club lhe encomenda ilustrações para "Lisistrata", de Aristófanes
1942 - Compra "Cesta de Laranjas", pintado por Matisse em 1912
1946 - Primeira grande exposição junto com Matisse, no Victoria and Albert Museum, em Londres
1954 - Começa a série "Mulheres de Argel", na qual faz homenagem a Matisse, que havia morrido pouco antes.
1973 - Morre em Antibes, França
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