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08/03/2005

Multidoutor

Transformados em mix de psicólogo, clínico-geral e sexólogo, ginecologistas enfrentam o despreparo para tratar de questões da sexualidade feminina

por Lola Ferreira

Sérgio Zacchi/Folha Imagem
Os 30 anos de experiência garantiram à ginecologista Nara Regina de Lima Furtado autoconfiança suficiente para desempenhar sua profissão. Em seu consultório, tudo sempre foi falado sem rodeios ou pudores, e o clima de intimidade rendeu à médica algumas amigas. Essa segurança desapareceu no dia em que uma das pacientes contou que era lésbica. "Fui pega de surpresa. Tive receio de que ela me pedisse alguma orientação e eu não soubesse o que dizer", relembra Nara. "Ela esperava que eu tivesse todas as respostas. Foi angustiante."

A história de Nara não é um caso isolado. Com a valorização da sexualidade feminina e a liberalização dos costumes, deságua nos consultórios ginecológicos uma infinidade de questões antes relegadas à privacidade. O problema é que, na avaliação dos próprios ginecologistas, a maioria dos profissionais da especialidade não está preparada para atender essa demanda. Assuntos como falta de libido, ausência de orgasmo, dor durante a relação e lesbianismo são pouco estudados nas escolas de medicina ou até ignorados durante os três anos de residência em ginecologia.

"Poucas faculdades no Brasil têm na grade curricular o curso de sexualidade", constata Celso Marzano, diretor do Instituto Brasileiro Interdisciplinar de Sexologia e Medicina Psicossomática (Isexp). Os futuros ginecologistas, se quiserem, precisam se aprimorar em pós-graduações ou em cursos específicos. "Mas são poucos os profissionais que fazem isso", completa Geraldo Rodrigues de Lima, professor da Universidade Federal de São Paulo.

Segundo a ginecologista Nara, as mulheres estão mais exigentes nas questões sexuais e os médicos não acompanharam esses avanços. O desenvolvimento dos remédios para combater a disfunção erétil, por exemplo, aumentou a longevidade do sexo e a qualidade de vida de quem havia pensado em desistir do "assunto".

Quando encontra um médico preparado para ouvir suas inquietações, a mulher cria um vínculo permanente com ele -é a chamada "fidelidade clínica". Mas nem todas as pessoas têm essa sorte logo de cara. "Fui paciente do mesmo ginecologista por 22 anos. Com a falência do convênio, tive de procurar um novo médico. Está sendo um calvário", conta a manicure Margarida Soares de Almeida, 55.

Com os primeiros sinais de menopausa, Margarida consultou um primeiro ginecologista, que pediu uma série de exames. "A consulta não demorou nem cinco minutos", queixa-se. "Ele nem me examinou. Achei que a falta de tato era inexperiência, afinal o médico devia ter só 30 anos."

Com o segundo, Margarida fez papanicolaou, mamografia e ultra-som transvaginal. "Mas antes de chegarem os resultados ele me receitou hormônios. Não gostei da idéia, porque já tinha ouvido falar das contra-indicações, como o aparecimento de pêlos. Foi então que ele me perguntou: 'Você não tem mais relações, não é?'" Margarida saiu do consultório com a prescrição de uma pomada contra secura vaginal, problema que o médico intuiu que ela sofria. "Achei um absurdo ele considerar que eu não tinha mais vida sexual só por causa da minha idade", reclama.

Segundo Gerson Pereira Lopes, presidente da Comissão Nacional de Sexologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), além de não saberem diagnosticar corretamente os problemas sexuais, os ginecologistas não se sentem à vontade para perguntar como anda a vida íntima de suas pacientes. "As mulheres estão mais liberadas, mas ainda têm um pouco de vergonha de iniciar uma conversa sobre sexo no consultório. Muitas vezes, só quando o médico faz uma pergunta simples, do tipo 'como anda a sua vida sexual?', a paciente se sente autorizada a falar sobre o tema", afirma.

Esse é um dos motivos que fez a Febrasgo iniciar o projeto "Parceiros do Amor", cujo objetivo é melhorar o diálogo entre médico e paciente. "Queremos que os ginecologistas conversem mais sobre sexualidade para que saibam como proceder melhor em cada caso", conta Lopes. O projeto começou no hospital Mater Dei, de Belo Horizonte, em janeiro deste ano, com uma turma de 450 ginecologistas. São workshops e folhetos explicativos que incentivam o profissional a discutir a vida sexual de suas pacientes. Até maio, o projeto será estendido a outros hospitais mineiros e a idéia é de que a iniciativa seja implantada no Brasil todo.

Para Geraldo de Lima, a rapidez das consultas é um dos entraves no contato com as pacientes. "Geralmente, os médicos reservam, no máximo, meia hora para o atendimento, e esse tempo diminui quando se trata de paciente de convênio. Fica difícil quebrar o gelo, ainda mais quando a mulher é mais conservadora", diz.

Sérgio Zacchi/Folha Imagem
Falta de desejo

Grande parte dos ginecologistas se atrapalha na hora de lidar com as queixas mais freqüentes das mulheres, como ausência de orgasmo e diminuição do apetite sexual -este, um problema que atinge 8,2% das brasileiras. Preferem encaminhar a paciente ao psicólogo ou prescrever logo antidepressivos. O fato é que o diagnóstico dessas disfunções pode estar ligado a fatores orgânicos, como acontece em 5% dos casos, segundo o Instituto Brasileiro para a Saúde Sexual (Ibrasexo).

FRASE
"Infelizmente, tive que trocar de ginecologista quando comecei a sentir os sinais da menopausa. O primeiro médico que consultei não olhou na minha cara nem perguntou qual era o meu problema. A consulta demorou cinco minutos e ele me pediu um monte de exames. Como ele tinha uns 30 anos, achei que era inexperiência.

Resolvi passar por um segundo, mais velho. Ele pediu os exames de rotina como papanicolaou, mamografia e um ultra-som transvaginal, mas, mesmo antes de ter os resultados, receitou hormônios. Não gostei da idéia, pois já tinha ouvido falar das contra-indicações, como o aparecimento de pêlos.

Foi então que ele disse:
"Você não tem mais relações, não é?" Como não? Sou casada, claro que tenho vida sexual. Meio constrangido, ele me receitou uma pomada, dizendo que minha vagina 'deveria' estar seca e que a pomada ajudaria. Achei um absurdo. Ele não havia me examinado e já estava receitando remédios."

Margarida Soares de Almeida, 55 anos, manicure
A secretária Paula*, 43, apesar de se dar bem com o marido, não sentia vontade de transar e, quando fazia sexo, não chegava ao orgasmo. Seu ginecologista achou que se tratava de um quadro depressivo e receitou um remédio específico. "Um mês depois fui ao endocrinologista e descobri que tinha diabetes, doença que estava interferindo na libido. Fiquei revoltada, pois ingeri um remédio desnecessário e que não resolveu nada", conta. Medicamentos que têm como princípio ativo a bupropiona, como o que Paula tomou, podem levar ao aumento do desejo sexual, mas, em muitos casos, o efeito pode ser contrário, diz Geraldo de Lima.

"Já vi ginecologistas dizerem para a paciente se conformar, porque, com a idade, a tendência é de a vida sexual acabar mesmo. Outros chegam a receitar catuaba-do-norte e produtos naturais sem eficácia comprovada cientificamente", alerta Eliezer Berenstein, professor de Sexualidade Humana da Faculdade de Medicina do ABC, uma das pioneiras a incluir esse tipo de curso na grade curricular. "Resultado: a paciente sai do consultório sem resolver o problema."

TRAUMA

Ginecologista que demonstra pouca familiaridade com o tema sexo perde paciente. A jornalista Adriana Reis, 26, ficou traumatizada com a primeira visita que fez nove anos atrás a um consultório. "Ainda era virgem e tinha pouquíssimas informações sobre vida sexual. Queria transar, mas minha menstruação atrasava e eu morria de medo de ficar grávida", conta.

Adriana ficou decepcionada com o modo como a médica conduziu a consulta: "Ela foi indelicada, grosseira até, não me deu nenhuma orientação nem pediu qualquer exame. Demorei oito anos para voltar a procurar um ginecologista, porque casei e quis tomar anticoncepcional", diz.

Para a psiquiatra Carmita Abdo, autora do livro "Descobrimento Sexual do Brasil" (Sumus Editorial), as pacientes estão mais à vontade que os próprios médicos para falar de sexo. "Elas querem orientações para ter uma boa vida sexual e os médicos são quase virgens no assunto", afirma. "A mulher moderna considera o ginecologista seu clínico-geral, porque o sexo é a vitrine da saúde."

Os profissionais já estão acordando para isso. No último Congresso de Reprodução Humana, realizado em São Paulo, cerca de 30% da programação era voltada para o assunto sexo, segundo Lopes, da Febrasgo. Sinal de que os médicos começam a entender que a saúde feminina vai além do bom funcionamento dos órgãos reprodutores.

* Nome trocado a pedido da entrevistada

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