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08/03/2005

Corpo em evidência

Antropóloga fala da transformação do corpo em um valor e critica o investimento de tempo, dinheiro e energia na busca da forma perfeita

por Ana Tereza Clemente

Divulgação
"Não existe nada pior do que um rosto esticado, sem movimento, inflado com botox"

Há quatro anos, quando deu início a um estudo quantitativo com 1.279 pessoas da classe média do Rio de Janeiro, onde mora, a antropóloga santista Mirian Goldenberg, 48, centrou suas pesquisas em temas inquietantes para o universo feminino, como corpo e sexualidade. Desde lá, vem investindo na "construção social do corpo no Brasil", como gosta de dizer.

Autora de 11 livros, entre eles "Nu & Vestido" e "De Perto Ninguém é Normal", ambos publicados pela editora Record, Mirian escolheu a trajetória de Leila Diniz como tese de doutorado. Publicada em 1995, com o título "Toda Mulher É Meio Leila Diniz", a tese discutia as acusações que a atriz sofreu por ter uma vida sexual diferente das mulheres de sua geração.

Nesta entrevista, a professora do programa de pós-graduação em sociologia e antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) fala sobre como a beleza do corpo é um imperativo para (quase) todas as mulheres.

A sra. diz que o corpo de Leila Diniz era voltado para o prazer e para o livre exercício da sexualidade. Depois, na geração seguinte, a mulher preferia esconder as imperfeições. Como se chegou a essa obsessão pela estética de hoje?
A beleza sempre foi e sempre será importante. O que analiso nos meus dois últimos livros é como o corpo se tornou um valor na cultura brasileira nas últimas duas décadas. Um determinado modelo de corpo: magro, belo, jovem e "definido". Quando digo que o corpo se tornou um valor, estou dizendo que ele se tornou mais importante que outros valores. As pessoas investem tempo, dinheiro, afeto e energia para conquistar o corpo perfeito. Aqui, o corpo é roupa. As pessoas estão mais preocupadas em usar uma roupa que exiba o corpo do que em escondê-lo, e esta é uma grande diferença se compararmos com outras culturas, em que a roupa serve para disfarçar os defeitos.

Quando a beleza ocupou lugar de honra na vida da brasileira? A sra. afirmaria que quem não é bonita e não tem o corpo sarado não pode ser feliz?
A valorização de nossas supermodelos a partir da década de 90 fez com que a cultura da magreza, da juventude e da beleza adquirisse mais força. Ser modelo passou a ser uma aspiração legítima das meninas e um desejo das mulheres. Todas querem ser lindas, magras e jovens como Giseles, Isabelas, Yasmins. É o que o antropólogo francês Marcel Mauss chamou de "imitação prestigiosa", você imita quem tem prestígio em sua cultura: as modelos, as atrizes siliconadas e plastificadas, as mulheres e os homens de sucesso.

Não é muito sedutor ter milhares de cremes à venda, inúmeros tratamentos para embelezar o corpo? Com tanto assédio do mercado, é difícil alguém querer exibir celulite, rugas ou barriga saliente.
Em seu livro "O Mito da Beleza", a feminista americana Naomi Wolf chamava a atenção para a ineficácia desses cremes e dizia que todos irão envelhecer. As rugas são inevitáveis. E não existe nada pior do que um rosto esticado, sem movimento, sem vida, inflado de preenchimentos ou botox. Poucas mulheres conseguem resistir à enorme pressão da ditadura da beleza. As poucas que eu costumava dar como exemplo de resistência, Preta Gil e Tati Quebra Barraco, que se diziam gordinhas mas gostosas, fizeram lipoaspiração. Realmente, é difícil resistir, mas me parece que é mais do que nunca necessário criticar e transformar essa cultura que tem trazido tanto sofrimento.

A sra. diz que a apologia do corpo perfeito é uma das mais cruéis fontes de frustração feminina e considera a obsessão por esse corpo um retrocesso no processo de emancipação feminina. Por quê?
Dou o exemplo de Leila Diniz porque ela se tornou um ícone de liberdade feminina por viver sua sexualidade e sua afetividade fora dos padrões da época. Leila amou e foi amada por dezenas de homens e sua imagem grávida é lembrada até hoje. Compare a imagem de Leila com a de Gisele. Veja o corpo livre e feliz de Leila com o corpo rígido, magro e disforme das mulheres de hoje. A busca pelo prazer é o que caracterizava Leila. A busca pela perfeição e a permanente insatisfação chamam a atenção nas mulheres de hoje. Não é um retrocesso?

Não encarar as rugas e outros sinais não tão visíveis da maturidade seria apagar a própria identidade?
No mesmo "O Mito da Beleza", Naomi Wolf compara o ato de apagar as rugas das mulheres a negros que apagassem sua cor, sua história, suas conquistas. Por que as marcas da idade não podem ser sinais de maturidade e beleza? Por que só a juventude é bela? Quem acha uma mulher magérrima bela? É algo que pode, e deve, ser transformado.

Quem melhor simboliza a mulher brasileira hoje?
Em 1986, (o sociólogo pernambucano) Gilberto Freyre escreveu "Modos de Homem & Modas de Mulher". Neste livro, ele dizia que a mulher brasileira era baixa, com bunda grande, cintura fina, pele morena, cabelos cacheados: Sônia Braga. Dizia, com tristeza, que esse modelo de mulher estava sendo europeizado pela mulher loira, alta, grande, de cabelos lisos: Vera Fischer. Esse processo só se agravou nos anos 90. A mulher brasileira hoje é a maior consumidora de tinta loira. As inglesas, por exemplo, deixam seus cabelos brancos ao envelhecer, mas a brasileira não pode. Ela é criticada por se deixar envelhecer.

Essa obsessão feminina por não ter flacidez nem rugas atrapalha o relacionamento amoroso?
Muito. No meu último livro, mostro vários depoimentos de homens e mulheres, como as que fogem do sexo ou se escondem do parceiro para que ele não perceba as imperfeições, ou homens reclamando das mulheres que não se entregam ao sexo por medo de que descubram sua celulite.

Em suas pesquisas, foi decepcionante descobrir que aquilo que a mulher mais inveja em outra mulher é a beleza, o corpo e a inteligência, nesta ordem?
Descobri que a maior parte das mulheres inveja a liberdade dos homens e que os homens não invejam nada na mulher. Este dado fala muito da cultura brasileira. As mulheres se percebem sem liberdade, e os homens não desejariam ser mulheres, posição ainda desvalorizada em nossa cultura. O que sobra para as mulheres invejarem em outras mulheres? Beleza e corpo, porque acreditam que é isso que as mulheres de sucesso têm.

A sra. diz que a mulher está aprisionada nesse rígido padrão de beleza. Ela não ganhou autoconfiança, não tem mais auto-estima hoje?
Ao contrário, as mulheres estão extremamente inseguras e insatisfeitas. Buscando imperfeições e detalhes em seu próprio corpo. Fugindo de relações ou exigindo demais de si mesmas e de seus parceiros. Outras coisas, como trabalho, realizações, dinheiro, deram mais confiança à mulher. Essa busca de perfeição só tem trazido problemas. As que aceitam melhor seu corpo e sua aparência me parecem mais satisfeitas e realizadas.

Qual seria o ponto de equilíbrio?
Viver em paz com o próprio corpo e a aparência, aceitar a inevitabilidade do envelhecimento, cuidar de sua saúde física e mental e aproveitar toda a liberdade conquistada.

Como a sra. se mantém bonita? Está feliz com o que o espelho revela?
Sou de Santos e sempre gostei de caminhar na areia, pensar na vida, tomar decisões. É como uma meditação. Estou com 48 anos, nunca fiz plástica ou qualquer outro procedimento. Só passei a usar filtro solar diariamente a partir dos 40. Gosto do meu corpo. Quando olho o conjunto da obra fico bastante satisfeita.

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