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21/12/2005

Veneza - Reflexos da manhã

por Ruy Castro

André Klotz
Acordar numa cidade que não a nossa é sempre uma experiência e, não importa muito de onde você venha, acordar em Veneza é, quase sempre, uma experiência difícil de superar. Principalmente se você também passou ali a noite e a madrugada anteriores -o que significa que, ao contrário de 99% dos turistas, você chegou a Veneza para ficar alguns dias e, se não se cuidar, seu coração pode escapar pela sua boca no alto da ponte dos Suspiros e rolar para dentro do canal.

Carla Aranha/Folha Imagem
As fachadas, com suas românticas varandas, são uma marca tradicional da cidade. Clássico também é o carnaval que acontece durante dez dias seguidos em fevereiro
Mas, enfim, você acabou de acordar em Veneza, já se maravilhou com o cenário visto pela janela do hotel e saiu para dar uma volta. O histórico Caffè Quadri, na Piazza San Marco, com o mar de mesas na calçada, parece ideal para tomar, com toda a calma do mundo, o primeiro expresso da temporada. São dez horas da manhã, o céu é de um azul alucinante e, milagre, a praça está quase vazia. Entre bocejos, meia dúzia de turistas alimentam outra meia dúzia de pombos. Os pombos também estão bocejando. O silêncio cobre a praça, envolve a basílica de 900 anos e conforta as poucas almas ao seu lado no café.

Ali, naquele próprio Caffè Quadri, há 150 anos, Balzac e Stendhal costumavam sentar-se às mesas ao ar livre, talvez buscando inspiração para seus livros. Quem sabe se capítulos inteiros de "Pai Goriot", de Balzac, ou de "A Cartuxa de Parma", de Stendhal, não foram bolados na mesma mesa em que você se sentou, entre goles de uma delícia introduzida pelo Quadri em fins do século 18: o caffè alla turca, precursor do nosso expresso. No tempo de Balzac e Stendhal, a dose ainda era tão forte quanto generosa -o café vinha em canecas e levava o dia todo para ser tomado. Claro que, ao fim do dia e da caneca, devia estar intragável, de tão frio e amargo, o que pode explicar o pessimismo que os dois escritores às vezes punham em seus romances.

Mas, enfim, ali está você, na sala de visitas de Veneza, e o sossego impera. Mas não por muito tempo. Dez da manhã é quando os "vaporetti" começam a desovar levas de turistas. Hordas e hordas -150, 200, 300 de cada vez- por minuto! É o estouro da boiada. Japoneses, americanos, alemães, o que você quiser, brotam do cais em bandos, como soldadinhos de chumbo, olham para cima e para os lados e, respectivamente, exclamam coros de "wow!", "ohnnn!" e "putzig!". À frente de cada pelotão, a 80 km por hora, segue marcialmente uma guia, de braço levantado e empunhando uma bandeirinha, para que ninguém do grupo se perca e se junte sem querer a outro grupo de turistas paraguaios ou afegãos. E com razão, porque são 70 mil turistas por dia em Veneza, vindos de toda parte.

Só o comportamento é igual. Eles chegam, espalham-se como formigas pelos "canalettos", pontes e vielas, cruzam os canais nos vaporetos, motoscafos e gôndolas, galopam pelos museus, igrejas e edifícios históricos, infestam as lojinhas de souvenirs e disputam camisetas de gondoleiros nos camelôs como se, embora esteja ali há 1.500 anos, Veneza fosse acabar no dia seguinte. Bem, essa hipótese não está descartada -ao peso desses exércitos que marcham de tênis e botas sobre ela, não admira que a cidade esteja afundando.

E o pior é que a grande concentração é na Piazza San Marco. Do seu, até há pouco, delicioso posto de observação no Caffè Quadri, não há mais o que observar. Não só todas as mesas ao redor foram subitamente tomadas, como a praça ganhou uma platéia de comício. Ao meio-dia há mais turistas do que pombos, e eles já estão jogando milho uns para os outros -os turistas, quero dizer. E, então, seis horas depois, como que obedecendo a um invisível relógio de ponto, todos os turistas se enfiam nos barcos e vão-se embora também em massa.

Mas, já? -dirá você. Sim, a média de permanência dos turistas em Veneza é de seis horas -tempo em que eles precisam ver tudo. Mas, o que é ver tudo em Veneza e, mais ainda, em seis horas? É uma façanha, considerando- se que outros escritores como Goethe, Mark Twain, Proust, Hemingway, Ezra Pound e Mary McCarthy passaram um bocado de tempo lá, nos séculos 18, 19 e 20, e não viram tudo. Charles Dickens definiu-a como "a única cidade que tinha medo de descrever" -medo de não lhe fazer justiça- e ele também não viu tudo. Lord Byron morou anos em Veneza e Henry James visitou-a 14 vezes -e nem eles chegaram a ver tudo. Mas não vamos subestimar o turista contemporâneo.

Eu, por exemplo. Quando concluí que a única variedade em torno da Piazza San Marco estava na cor das bandeirinhas das guias de excursão, peguei o motoscafo (uma simpática lancha para cinco ou seis passageiros) e cruzei o Grande Canal rumo ao Dorsoduro -que, como o nome indica, oferece reduzidas possibilidades de o turista molhar os pés. É a zona comparativamente seca da cidade, e que, por isso, atrai muito menos gente. Os poucos turistas que se aventuram pelo Dorsoduro o fazem por conta própria, não em manadas, o que o torna deliciosamente passeável.

André Klotz
Como o poeta Robert Browning em 1885 e o compositor Cole Porter em 1921, desci perto do Ca’ Rezzonico e fui direto para o próprio. O Rezzonico é um "palazzo" do século 18, defronte ao canal. A diferença é que eles o adentraram para morar nele, enquanto eu tive de me contentar em visitá-lo, já que ele é hoje um museu. Os dois imprimiram sua marca no Rezzonico: Browning, para não deixar dúvidas, morreu nele, em 1889, ao passo que Cole, 30 anos depois, agitou-o pelas festas que dava ali -festas para as quais convidava seus 800 amigos mais íntimos, e os salões continuavam vazios, o que dá uma idéia do tamanho dos ambientes. Mas não é só o tamanho: alguma coisa nos tetos e paredes do Rezzonico faz com que, ao passar por aqueles espelhos e se ver refletido de tênis, jeans e camiseta, você se pergunte, como eu, se não estará mais bem vestido para um rodeio do que para Veneza.

Flanando pelo Dorsoduro, perdendo-se naquele dédalo de ruelas, você refaz os caminhos de George Sand em "Abril em Veneza", de Charles Dickens em "Um Sonho Italiano" e de Thomas Mann em "Morte em Veneza". Se tiver uma cabeça mais de cinema (por que não?), pode refazer também os românticos caminhos de Katharine Hepburn em "Quando o Coração Floresce" (1955), de Florinda Bolkan em "Anônimo Veneziano" (1970), de Julie Christie em "Um Inverno de Sangue em Veneza" (1973) e de Woody Allen e Julia Roberts em "Todos Dizem Eu te Amo" (1998) - todos esses clássicos foram rodados ali. E, se tiver paciência para procurar uma ruinha escondida, a Rio Terrà Canal, atrás do Campo de Santa Margherita, você chegará a um ateliê de máscaras, um dos muitos que há em Veneza. Mas esse, chamado Mondo Novo, não é um ateliê qualquer. Foi onde Stanley Kubrick comprou as terríveis máscaras venezianas dos personagens de seu último filme, "De Olhos Bem Fechados".

Mas Veneza exige olhos bem abertos, e como foi que não pensei nisso antes? Fazer expedições literárias ou cinematográficas pode ser a melhor maneira de explorar uma cidade sem ter de disputar espaço a cotoveladas com 515 turistas por metro quadrado. Por algum motivo, eles não se interessam por esses lugares que, no passado remoto ou recente, atraíram tanta gente criativa e/ou louca. Ah, sim, por não querer se misturar a eles você provavelmente será chamado de esnobe e de metido a sebo.

E daí? Você está em Veneza, onde a piedade matou minhas ninfas e ninguém peca por ser esnobe ou metido a sebo. E cujas manhãs merecem que você as compartilhe com outros venezianos honorários tão esnobes e metidos a sebo quanto.

André Klotz
No passeio de gôndola, vale pechinchar para conseguir um preço melhor. Em geral uma volta pelos canais custa US$ 40
Melhor época

Veneza é encantadora o ano todo. O período mais movimentado vai de abril a outubro, quando milhares de turistas tomam a cidade. Essencial lembrar que a bagagem deve ser a menor possível: malas com rodinhas são as ideais.

Hotéis

Hotel Cipriani
Giudecca 10
Tel. (00/xx/39/041) 520-7744 Referência mundial de charme e estilo, ele hospeda celebridades e tem a única piscina da cidade. Diárias a partir de US$ 600 (para casal).

Hotel Danieli
Castello 4.196
Tel. (00/xx/39/041) 522-6480
Na Piazza San Marco, o Danieli é outro cinco estrelas deslumbrante, com suítes com vista para o Grande Canal e quadros de grandes mestres nas paredes. Diárias a partir de US$ 400 (para casal).

Marconi
San Polo 729
Tel. (00/xx/39/041) 522-2068
Três estrelas bem localizado, ao lado da ponte do Rialto. Os 26 apartamentos reformados oferecem conforto. Diárias a partir de US$ 80 (por pessoa).

Restaurantes

Harry's Bar
Calle Vallaresso 1.323
Local legendário onde foi criado o drinque bellini (espumante e suco de pêssego) e o carpaccio, ainda hoje servido com o molho original: maionese, caldo de carne e mostarda.

Osteria da Fiore
Calle del Scaleter, San Polo 2202
Casa tradicional, é famosa por seus risotos -irretocáveis. O casal proprietário, Maurizio e Mara Martin, recebe os clientes com a deliciosa hospitalidade italiana.

Não deixe de ir

Coleção Peggy Guggenheim
Palácio Venier dei Leoni, 701, Dorsoduro
Um excelente conjunto de obras de arte do século 21 numa locação deliciosa.

Escola Grande de San Rocco
Ela abriga coleção de Jacopo Tintoretto.

Igreja de Santa Maria Gloriosa dei Frari
Na área leste de San Paolo. Somente a "Assunção da Virgem", de Ticiano, e a "Madona e Menino", de Bellini, considerada uma das mais belas pinturas renascentistas de Veneza, já valem qualquer sacrilégio.

Ruy Castro é escritor. Seu novo livro, lançado pela Companhia das Letras, intitula-se "Carmen" e é uma biografia de Carmen Miranda.

     

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