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21/12/2005

Natureza: Crepúsculo no Rio Negro

por Drauzio Varella

Juca Martins/Pulsar
Voltei ao rio Negro depois de quatro meses, a ausência mais longa desde que descobri esta região e me encantei por ela, há 13 anos.

São cinco da tarde, estou sentado no deque do barco de pesquisas Escola da Natureza, com o computador no colo. O sol, que há pouco lançava sobre a pele seus raios verticais capazes de cegar e intoxicar os sentidos caiu por trás da floresta e projetou uma luz alaranjada contra a margem oposta do rio.

As flores esparsas e as tonalidades infinitas do verde bem claro ao verde-mostarda que as árvores exibem nesta hora em mais sutis do que as cores chapadas que o sol a pino, ditatorial, impôs horas atrás, refletem-se nas águas do rio negro, impassível, gigantesco, e projetam imagens aquáticas virtuais sem plano de clivagem com a mata que lhes dá origem. As ondulações quase imperceptíveis da superfície decompõem com delicadeza as formas verdes e os espaços escuros entre elas, desenhando entre sombras volumes cromáticos que parecem versões tropicais das paisagens de Cézanne.

O corpanzil cinzento de um boto emerge em busca de ar e deixa um rastro de ondas concêntricas. Ele aparece mais à frente, gordo, úmido, com o dorso arqueado para afundar imediatamente. Dois vultos prateados, de um palmo, brilham na superfície e, com movimentos de cauda incrivelmente rápidos, deslizam em pé sobre a água em direções divergentes que formam um V. Na fuga desesperada, os dois peixes percorrem mais de 50 metros antes de submergir, escapando ilesos à perseguição do boto.

Pouco além da margem, reina soberbo um arabá, resistente às catástrofes naturais graças à sabedoria de haver engendrado raízes enormes, mais altas do que um homem, capazes de percorrer vários metros antes de penetrar na terra, para servir de base de sustentação à emergência do tronco que sobe 30 metros antes de explodir em ramagens majestosas. Em imponência, nenhuma árvore das imediações chega a seus pés; em volta, apenas troncos esguios, fibrosos, longos, carregados de cipós, entrecruzados em disputa feroz pelas migalhas solares que o arabá deixa passar.

Fotos Werner Rudhart/Kino.com.br
Quem viaja de barco percebe as enormes distâncias a percorrrer. De Manaus a São Gabriel da Cachoeira, a viagem pode durar uma semana. E exibir crepúsculos extraordinários
Quem viaja de barco percebe as enormes distâncias a percorrrer. De Manaus a São Gabriel da Cachoeira, a viagem pode durar uma semana. E exibir crepúsculos extraordinários
Quem viaja de barco percebe as enormes distâncias a percorrrer. De Manaus a São Gabriel da Cachoeira, a viagem pode durar uma semana. E exibir crepúsculos extraordinários
Estratégia de sobrevivência curiosa a das árvores -seres fixos à terra, que, na evolução, inventaram as folhas, simples placas de formatos engenhosos, ricas em clorofila, dispostas espacialmente para capturar os fótons solares.

Na seleção natural, as que conseguem lançar galhos com folhas para ocupar um lugar ao sol sobrevivem; as demais estiolam e são eliminadas impiedosamente, como ensinou Charles Darwin ao descrever os caminhos da vida em nosso planeta e em qualquer outro em que ela porventura exista ou venha a existir.

Na competição pela luminosidade, as árvores se comportam como pessoas numa festa obrigadas a falar cada vez mais alto para ser ouvidas. Aqui, também, se todas houvessem decidido conjuntamente crescer menos, não seria necessário consumir tanta energia no esforço do crescimento vertical, e o dossel da floresta estaria ao alcance da mão humana.

Deixar a vista se perder na mata tem o dom de encantar o homem. O cozinheiro atira aos peixes pedaços de pele de frango. Vindos do nada, indiferentes à minha presença, quatro gaviões pretos de bico vermelho e manchas brancas nas costas voam rasantes como planadores sobre o barco, emitem gritos estridentes e mergulham certeiros sobre os despojos para arrebatá-los com as garras sem resvalar o corpo na água.

Uma canoa faz a curva do rio. Ao longe, parece uma casca de noz semi-imersa, com dois gravetos a bordo. Com o binóculo é possível distinguir dois homens: o da frente, mais velho, de cigarro na boca e camisa desabotoada, afunda o remo alternadamente de um lado e de outro da embarcação; o de trás, bem jovem, de peito nu, retira água da canoa com uma garrafa de plástico cortada pela metade.

Seguem por um igarapé na direção de uma casinha de madeira pintada de rosa, rodeada de açaís, construída num promontório colado à floresta. Pego o binóculo outra vez. Sentados na canoa, os dois homens conversam com um terceiro. Este está em pé perto de uma prancha de lavar roupa, sobre a qual uma moça de traços mestiços, queimada de sol, ensaboa um menino pelado. Ela apanha água do rio com a cuia, derrama-a no peito do filho e acaba de esvaziá- la sobre a própria cabeça. Ao vê-la de cabelo escorrido, com a roupa ensopada, a criança ri; a mãe também, e repete a operação várias vezes. Imóveis, dois vira-latas magros observam a cena.

Melhor época

O período de chuvas, entre novembro e abril, é ideal para passeios pelos igarapés e igapós; já a estação seca, entre maio e outubro, favorece a observação da fauna. Por estradas, chega-se apenas a Belém, Porto Velho e Rio Branco. Manaus e Macapá são acessadas por barco e avião. Os rios são verdadeiras estradas na Amazônia, e o barco é o principal transporte dos moradores da floresta.

Onde ficar

Amazon Ecopark Jungle Lodge Ambiental Turismo
Tel. (0/xx/11) 3818-4600 www.ambiental.tur.br
Localizado no igarapé do rio Tarumã Açu, em área de 1.800 ha em meio à floresta preservada, o hotel desenvolve projetos de educação ambiental. Roteiro de quatro noites a partir de R$ 2.700 por pessoa, com parte aérea, hospedagem, pensão completa, passeios e seguro viagem.

Mamirauá
Tel. (0/xx/97) 343-2967 www.mamiraua.org.br
Essa reserva de desenvolvimento sustentável, localizada no rio Solimões, oferece a belíssima Pousada Flutuante Uacari, com dez suítes ligadas por passarelas flutuantes. Há ótimas chances de encontrar bandos de guaribas e macacos-pregos, além de várias espécies de aves e animais aquáticos, como o jacaré-açu e o boto-vermelho. Preços sob consulta.

Não deixe de ir

Arquipélago das Anavilhanas
O segundo maior arquipélago fluvial do mundo fica em um bolsão no Baixo Rio Negro. As 400 ilhas e ilhotas de floresta densa formam um fantástico labirinto.

Encontro das águas
A 10 km de Manaus, as águas barrentas do Solimões juntam-se às do Negro. Há passeios ao local, com saída do Porto.

Praia da Lua
Localizada na margem esquerda do Negro, a 23 km de Manaus, ela só é acessada pelo rio. O nome faz referência ao formato de lua em quarto crescente.

Festival de Parintins
www.parintins.com.br
Em junho, acontece o festival que chega a reunir 50 mil turistas, em uma festa colorida e repleta de significados.

Drauzio Varella é médico, autor de oito livros e articulista da Folha.

     

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