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21/12/2005

Rota de um artista: Trilhas e labirintos

É essencial se perder nos arredores de Aix-en-Provence, no sul da França, lugar que inspirou a obra de Paul Cézanne

por Jorge Coli

Charlie Waite/Getty Images
Paul Cézanne se encantou com a paisagem bucólica da montanha de Santa Vitória (acima). Pintou mais de 60 telas baseadas nesse cenário, como a da página ao lado, de 1900
Paul Cézanne se encantou com a paisagem bucólica da montanha de Santa Vitória (acima). Pintou mais de 60 telas baseadas nesse cenário, como a da página ao lado, de 1900
Alguns artistas tiveram vidas infelizes. Com seus lances dramáticos, elas inspiraram romances e filmes. Van Gogh deve ter sido o campeão dessas adaptações. Viveu no tempo dos artistas malditos, em descompasso com o interesse do público, criando suas obras contra tudo e contra todos. Seu amigo Gauguin acrescentou a aventura exótica, instalando- se em ilhas do Pacífico.

Cézanne foi contemporâneo deles. Foi maldito como eles. Custou para que sua arte fosse reconhecida. Mas quem decidisse filmar sua vida teria muita dificuldade em encontrar situações um pouco mais animadas. Viagens, muito poucas: viveu em Paris, na juventude; depois em Pontoise e Auvers-sur-Oise, ao norte da capital. Quase nada, diante de sua fidelidade ao sul da França, o "Midi", onde nascera. Seu mundo é a cidade de Aix-en-Provence, ou antes, as redondezas, o campo, que ele dilatava bastante, até o Estaque, região à beira-mar, perto de Marselha. O Masp possui uma esplêndida "Paisagem do Estaque", mostrando os rochedos e o Mediterrâneo.

Filho de um fabricante de chapéus que se tornou, depois, um banqueiro, Paul Cézanne não precisou trabalhar. Levava uma vida repetitiva, consagrada à pintura que foi, para ele, antes de tudo, um trabalho diário de artesão, sem inspirações fulgurantes, por vezes difícil.

Cézanne e Aix-en-Provence ignoraramse mutuamente. O museu de lá não quis aceitar nenhuma obra do mestre quando ele estava vivo;depois de morto, eram caras demais para serem compradas. Winston Churchill, pintor nas horas vagas, que adotou Aix como refúgio de descanso, ofereceu duas aquarelas ao museu. Os óleos de Cézanne que estão lá são relativamente modestos: trata-se de alguns empréstimos feitos pelo museu d’Orsay, para diminuir a vergonha dessa ausência. Nenhum habitante de Aix foi suficientemente esclarecido para comprar uma tela dele.

Divulgação
Ignorado pelos seus concidadãos, Cézanne ignorou a cidade. Não retratou nenhum monumento, nenhuma perspectiva da trama urbana harmoniosa. Afora seu ateliê, piedosamente conservado por americanos, não há outros traços, nem mesmo um monumento àquele que foi o maior artista de seu tempo: Maillol concebeu a bela maquete de uma escultura em sua homenagem; lançou-se uma subscrição para que fosse realizada. Mas o esforço não deu resultado.

Cézanne pintou, incansável, os arredores de Aix. Retomou mais de 60 vezes a montanha de Santa Vitória, enorme rochedo branco com sombras azuis, que muda de tonalidade conforme a luz se transforma. Para ir até ela, deve-se tomar o caminho do Tholonet, que serpenteia. De repente, numa curva, surge o rochedo: é um impacto. Pode-se ir de bicicleta, ou mesmo a pé. São mais ou menos seis quilômetros do centro da cidade. Passa-se pelo castelo do Tholonet, um casarão do século 18 que pertenceu à família de Mirabeau, aninhado no fundo de uma alameda de plátanos. Bem ao pé da montanha existe um restaurante, ainda dos tempos de Cézanne, chamado Thomé. Em 1906, ele recebia a visita de Eduardo 7o da Inglaterra, conduzido em automóvel por um certo senhor Gras, como explicita uma placa selada na parede, deixando dúvidas sobre a importância maior, do monarca ou do veículo. No verão, as mesas ficam dispostas no jardim, sob castanheiras. Não há luxo nem ostentação, há comida boa, cordialidade e o canto das cigarras.

Para percorrer as trilhas cézannianas, o melhor é desviar no meio do percurso para Tholonet, tomando um atalho que leva à barragem Zola. Foi construída pelo pai do escritor, engenheiro italiano, trazendo água encanada para Aix: a grande fonte "de la Rotonde", festiva, ornada de estátuas, que recebe os visitantes na entrada da cidade, comemorou esse feito por volta de 1860.

Os adolescentes Paul Cézanne e Émile Zola, o futuro romancista, encontraram-se na escola secundária e ficaram muito amigos. Esse período de juventude é bem conhecido porque Zola foi para Paris aos 18 anos e os dois mantiveram uma intensa correspondência que rememora esse passado. Quando Zola publicou um romance intitulado "A Obra", a amizade terminou. O motivo foi o personagem principal, um pintor fracassado inspirado em Cézanne.

Acidade de Aix-en-Provence pode ser considerada uma obra-prima do urbanismo, por causa de seus prédios históricos e do belo traçado das ruas
O percurso até a barragem foi muitas vezes trilhado pelo pintor em idade adulta, buscando os motivos para seus quadros: os pinheiros retorcidos, batidos pelo Mistral, e o vento purificador, que leva as nuvens para longe e deixa o céu com tom de pedra preciosa. O Masp conserva, em suas coleções, um desses "Pinheiros", admirável, descabelado pela ventania.

Não muito longe se encontra também o Château Noir e a pedreira de Bibemus, que forneceu a pedra dourada para a construção dos belos palácios de Aix. Cézanne pintou muito esses dois lugares.

A paisagem do Tholonet é o conjunto natural mais bem conservado que Cézanne transfigurou em sua arte. Do outro lado da cidade, a casa de campo de seu pai, o Jas de Bouffan, que também lhe serviu de motivo, foi tomada por habitações e prédios de apartamento edificados a partir da década de 70 que destruíram irremediavelmente o aspecto rural de origem.

A Santa Vitória e o que há em torno dela permanecem as referências essenciais para a arte de Cézanne. Não foi por acaso que Picasso comprou um castelo bem diante de sua face norte. Morou lá e lá está enterrado, em união e confronto simbólicos. Fica na aldeiazinha de Vauvenargues; é preciso tomar um caminho diferente daquele que vai ao Tholonet para chegar até lá. A vista dali é sugestiva e forte: o castelo embaixo, no fundo do vale, e diante dele a parede abrupta da montanha. Subir até o alto do rochedo é perfeitamente possível, mas pelo lado do Tholonet; do norte, de Vauvenargues, só enfrentando verdadeiro alpinismo.

O museu de Aix tem poucos Cézannes, mas permite compreender um aspecto pouco notado. Ele é um criador universal. Mas está ligado a uma linhagem local de artistas que exploraram as mesmas paisagens, e sobretudo, a grande montanha, desde o século 18. O museu revela essa continuidade. Foram excelentes, esses pintores: Constantin, Granet, Grésy, entre outros, mostram porque o rochedo, com suas mutações cromáticas, é um motivo ao mesmo tempo fascinante e difícil.

Cézanne começou a estudar na escola de desenho de Aix, então ligada ao museu;muitas obras ali lhe foram familiares, em particular os "Jogadores de cartas", de Le Nain. Além disso, as coleções apresentadas no museu são notáveis, algumas de importância essencial, como o painel do Mestre de Flémalle, de 1435, e o "Júpiter e Tétis", de Ingres. Há também uma coleção, magnífica, de esculturas celto-lígures, descobertas há uns 60 anos, numa escavação arqueológica a dois km da cidade, cujas ruínas podem ser visitadas.

Carla Conte/Folha Imagem
A visão outonal da bela avenida Cours Mirabeau, projetada no século 17
A visão outonal da bela avenida Cours Mirabeau, projetada no século 17
Tesouros secretos É essencial se perder em Aix, no labirinto da cidade medieval, no tabuleiro retilíneo do bairro traçado no século 17; passar pelos palácios feitos em pedra dourada; entrar nas igrejas que encerram tesouros: o Cristo de Delacroix na igreja de São João de Malta, o tríptico de Nicolas Froment na Catedral e a Anunciação anônima na Igreja da Madalena, duas obras do século 15 francês. Também é fundamental percorrer o Cours Mirabeau, traçado no século 17, longa avenida destinada ao passeio, recoberta por uma abóbada de plátanos e animada pelo murmúrio das fontes. Aix, inesgotável em palácios, pinturas, esculturas, é uma obra-prima de urbanismo, que soube ampliar-se com sabedoria ao curso dos séculos -pelo menos até o século 20.

Ah, ainda: não esquecer de degustar uma iguaria criada em Aix em 1473, para o casamento do rei René, o bom rei sem reino, que era conde da Provença e que guardou o afeto dos aixois, como são chamados os habitantes da cidade. Trata-se dos calissons, pasta de amêndoa e de melão cristalizado, recoberta por um glacê e cortada em losangos. Talvez eles tenham mesmo atenuado a casmurrice de Paul Cézanne.

Hotéis

Chateau de la Pioline 260, rue Guillaume du Vair
Tel. (00/xx/33) 442-52-27-27
Um hotel do século 16 rodeado de jardins e com toda pompa para quem quer se sentir um fidalgo. Diárias a partir de US$ 200 (por pessoa).

Hotel Cardinal
24, rue Cardinale
Tel. (00/xx/33) 442-38-32-30
Esse três estrelas fica num lugar maravilhoso e oferece ótimo serviço. Diárias a partir de US$ 80 (por pessoa).

Restaurante

Les deux garçons
Cours Mirabeau
Tel. (00/xx/33) 442-26-00-51
Ponto clássico e necessário, não só pela história (nasceu em 1840 e teve habitués como Cézanne, Sartre e Picasso), como também pela comida. O ideal é comer na calçada, vendo as pessoas passarem.

Cézanne

O ano de 2006 é o centenário da morte do pintor francês (1839-1906), e vários eventos, shows e exposições foram programados na cidade. Confira no site www.cezanne-2006.com

Jorge Coli é professor titular de História da Arte e da Cultura no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp.

     

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