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21/12/2005

Cenário: Preciosa Diamantina

Na virada do século 19, uma menina escreveu seu diário de adolescente, que se tornou um clássico de nossa literatura Em suas linhas, uma cidade surge como personagem. E é ela que está no centro dessa história

por Helena Solberg

Beatriz Perrella/Divulgação
Pela janela do carro que avança na estrada, observo com preguiça o lugar, pensando se realmente foi uma decisão acertada essa viagem, em busca de uma locação para o meu filme. Na verdade, a justificativa, volto a lembrar, é praticamente imbatível. Trata-se da história de Helena Morley, uma garota que viveu no final do século 19 e escreveu o seu diário, mais tarde transformado em livro de sucesso. "Minha Vida de Menina" (Cia. das Letras) se encontra na 19a edição. E Diamantina está no centro dessa história; é onde tudo se passa. Eu tinha de chegar até ela e vê-la com meus próprios olhos.

Beatriz Perrella/Divulgação
Eu precisava empreender essa viagem, mesmo se mais tarde decidisse sobre a impossibilidade de filmar em um lugar que dificultaria a produção de um filme de época, por si já complicado. Caio num marasmo observando a estrada, sem nenhuma novidade. Estrada como muitas no interior do Brasil que aprendemos a conhecer e a suportar com a esperança de chegarmos a algum lugar paradisíaco.

G.Evangelista/Opção Brasil Imagens
De repente estou alerta, tenho a sensação de uma presença à nossa volta. A paisagem mudara agora, estranhas formas parecem se levantar do solo, observando nosso carro. São rochas de todas as formas e tamanhos. O cenário é insólito e apresenta marcas de milhares de anos de erosão, marcas onduladas que só poderiam ser lavas de um vulcão pré-histórico.

Sinto-me na Lua. Pergunto-me o que me aguarda mais adiante. Meus companheiros de viagem também estão atônitos. Há alguma coisa de "science fiction" nisso tudo. Algumas pedras lembram rostos de anciões, de velhas bruxas da minha infância; outras são pássaros ou outros animais assustadores. Existem também grandes cicatrizes na paisagem que a terra vermelha torna ainda mais dramática. Foram deixadas pela busca desenfreada por diamantes; por grandes máquinas esfomeadas abocanhando tudo à sua volta. Algumas, mais recentes, parecem feridas abertas. Adiante, tudo começa a se normalizar, voltam as árvores e os arbustos de uma vegetação agreste.

Beatriz Perrella/Divulgação
A primeira visão de Diamantina ao longe, como na maioria de nossas cidades coloniais, são as torres das igrejas. A cidade fica a 1.500 m de altitude. Ela custa a se revelar por estar agora escondida por construções populares, coisas "modernosas" e horrendas, que preferimos ignorar, imaginando como seria no tempo da coroa, na corrida pelo ouro e diamantes que enlouqueceu tantos homens e criou fortunas extraordinárias do dia para a noite. A presença da população negra não nos deixa esquecer como as construções mais impressionantes desse período de nossa história foram erguidas: com o suor e o sofrimento de milhares de seres humanos trazidos acorrentados de um outro continente.

Divulgação
Ludmila Dayer é a protagonista do filme dirigido por Helena Solberg
Ludmila Dayer é a protagonista do filme dirigido por Helena Solberg
Passamos em frente a uma mansão que nos informam ter sido construída pelo traficante da cidade. Ela existe só virtualmente, parece inabitada. Diz o povo tratar-se de lavagem de dinheiro. É assustadora na sua imponência. E de uma pretensão absurda.

Agora sim chegamos. Entramos no perímetro urbano histórico. As longas horas de viagem valeram a pena, nos deparamos com uma pequena jóia. Ela está cercada e emoldurada pela serra do Espinhaço, que é parte inseparável da cidade. Em diferentes horas do dia ela pode tornar-se rosa ou azulada, numa sucessão de espetáculos mágicos. O que mais nos chama a atenção é a graciosidade do seu desenho, as suas pequenas igrejas -16 ao todo, como miniaturas, quase capelas- que parecem moças recatadas. A catedral nova no centro é até hoje motivo de discussão entre os habitantes, por destoar de tudo à sua volta. Não tem nada a ver com o resto da arquitetura. Trata-se de um equívoco imperdoável, na minha opinião.

Marcos André/Opção Brasil Imagens
A igreja do Rosário tem um lugar especial no diário de Helena Morley. É sua igreja favorita. Fica ao lado da casa de sua avó. O padre muitas vezes levava a comunhão na janela da casa para dona Teodora quando ela estava doente. Chamada de igreja dos negros, é a mais linda de todas, construída no início de século 18 pelos escravos. Um pouco torta, por haver cedido o terreno, o que lhe dá um charme meio capenga irresistível. Dentro, existem três santos negros: São Benedito, Santa Efigênia e o Santo sem Nome, pois nunca foi identificado.

Quantos outros lugares no mundo terão um documento como esse, no qual uma adolescente traz de volta à vida a sua cidade, com seus personagens inesquecíveis?
O diário de Helena é um documento único e maravilhoso para ter em mãos quando em visita a Diamantina. Quantos outros lugares no mundo terão um registro como esse, no qual uma adolescente traz de volta à vida a sua cidade, com seus personagens inesquecíveis? Uma crônica do cotidiano que nos faz ver o dia-a-dia do fim do século 19 na província. Traduzida para o inglês, francês e italiano, ela seria também um luxo para o turista estrangeiro.

Resolvemos abandonar o carro e caminhar. As ruas de pedras irregulares, que são as mesmas que cercam toda a região, sobem e descem em ziguezague pelos becos estreitos e tortuosos, onde são celebradas nas serestas locais. A minha favorita diz:

A seresta apaixonada
Corre as ruas do Macao
Capistrano e Cavalhada
São Francisco e Bugalhao
Essas ruas serpenteantes
É tão fácil entendê-las
Descem doidas por diamantes
Sobem ávidas por estrelas


O melhor dessa cidade também é sua população. Velhos habitantes, senhoras nas janelas que se cumprimentam e saem cedo de manhã, enroladas nos seus xales para assistir à missa. Existem pousadas de todos os tipos, além de moradores que oferecem um quarto em sua casa com café da manhã.

G.Evangelista/Opção Brasil Imagens
Torre da igreja do Rosário, a favorita de Helena Morley, autora do diário que virou sucesso no mundo todo
Torre da igreja do Rosário, a favorita de Helena Morley, autora do diário que virou sucesso no mundo todo
Há uma cultura local muito forte. Não se trata de uma butique turística. Os pequenos bares e cafés são freqüentados por personagens da cidade que se encontram regularmente e que aprendemos a conhecer durante nossa filmagem. Aprendemos a conhecê-los, e eles a nós, pois iríamos conviver por muito tempo.

Duas universidades asseguram a presença da juventude pelas ruas da cidade. Diamantina é definitivamente uma cidade boêmia. Até altas horas da madrugada as pessoas conversam e bebericam a famosa pinga da região.

Helena Morley nos diz em seu diário que, em sua opinião, a cidade era uma espécie de hospício e que um muro deveria ser construído à sua volta para conter todos os malucos que ali existiam. Ela nos descreve vividamente Carlota Pistola, que se achava perseguida;Chi Chi Bom Bom, que estava convencida de que era francesa; e muitos outros. Incorporamos alguns em nosso filme. Eles eram vistos com carinho pelos habitantes, que os consideravam parte de suas vidas. Hoje, podemos ainda ver personagens pitorescos que parecem sair das páginas do diário.

Os mineiros são pessoas especiais, e os diamantinenses, mais ainda. As descrições que o grande escritor irlandês James Joyce faz de Dublin e de sua população de contadores de história inveterados me vêm à mente quando penso em Diamantina. Um humor fino, de grande ironia. Durante as filmagens, eles nos deram apelidos engraçados e nada lhes escapava sobre nós.

Mais de 300 figurantes moradores da cidade participaram do filme, além de artesãos, carpinteiros e pintores, que ajudaram a construir o set. Nosso diretor de arte aprendeu com eles técnicas artesanais de construção e transmitiu-lhes também maneiras novas de enfrentar os desafios de um cenário de cinema. Os moradores contribuíram com maravilhosos móveis de época, o que trouxe grande autenticidade aos nossos interiores.

Maio é um mês lindo. As chuvas já passaram e a luminosidade é extraordinária. Onde mais eu poderia encontrar essa transparência no ar e esse céu? As cachoeiras têm um fundo cor de âmbar, causado por algum minério da região que as torna literalmente douradas. Fala-se muito de visitantes que ficaram de vez e nunca mais voltaram. Já decidi, filmo aqui e, quem sabe, me mudo também!

Fiz mais cinco viagens para Diamantina antes das filmagens, com meu produtor, a roteirista, os diretores de fotografia e de arte, e os assistentes dos setores mais importantes as, nessa primeira aventura, a decisão já estava tomada. Foi um caso de amor à primeira vista.

Para os atores, o fato de terem à sua volta o cenário descrito pela menina em seu diário e poderem repetir, todos os dias, o mesmo trajeto que ela fazia, saindo no frio da manhã, para a escola e, de lá, para a casa de sua avó, foi um motivo de grande inspiração. Tínhamos todos o mesmo filme na cabeça.

Prometemos à população que eles seriam os primeiros a ver o filme. Muitos não acreditaram. Já tinham ouvido histórias parecidas antes. Voltamos meses depois, e uma projeção foi montada em praça pública. A cidade não tem nenhum cinema. Muitos moradores nunca haviam visto um filme. Numa noite estrelada, com 4.000 espectadores que não cabiam nas cadeiras e se debruçavam nas sacadas das casas, com crianças penduradas nos galhos das árvores, vimos nossas imagens flutuando no ar.

Para mim, tudo foi como um sonho. Foi, até hoje, a projeção mais linda e emocionante do filme. O povo viu parte de sua história e sua cidade numa atmosfera mágica. No dia seguinte, comentavam pelas ruas que não imaginaram jamais que sua cidade fosse tão linda. O milagre do cinema devolveu a eles o que o cotidiano às vezes não permitia que vissem.

Em algum lugar dentro de mim, Diamantina ficou incrustada como um pequeno diamante. Uma pedra preciosa cujo brilho, puro e muito intenso, permanecerá em minha memória.

Hotéis e pousadas

Pousada dos Cristais
Rua Jogo da Bola, 53
Tel. (0/xx/38) 3531-2897
Pousada escolhida para acolher a equipe de produção do filme "Vida de Menina", é cercada de verde (7.000 m2 de jardins e pomares) e conhecida pelo conforto das instalações. Diárias para casal entre R$ 70 e R$ 80.

Pousada do Garimpo
Av. da Saudade, 265
Tel. (0/xx/38) 3531-1044
É a mais elegante de Diamantina, com uma vista maravilhosa da cidade. Faz passeios a sítios arqueológicos ou ao garimpo, cavalgadas e caminhadas. Diárias para casal a partir de R$ 115.

Pousada Relíquias do Tempo
Rua Macau de Baixo, 104
Tel. (0/xx/38) 3531-1627
Fica no núcleo antigo e é uma jóia rara: um belo casarão colonial do século 19, de onde se avista a serra do Espinhaço. Da cozinha de lenha saem delícias da culinária mineira. Diárias para casal a partir de R$ 110.

Restaurantes

Espaço B Café
Beco da Tecla
Combinação de livraria, restaurante e cibercafé, é o ponto de encontro da turma boêmia.

Tia Lucia
Beco da Tecla
Excelente comida mineira, vive lotado. Fecha às 15h, como a maioria dos restaurantes. Portanto, o ideal é almoçar mais cedo.

Grupiara
Rua do Contrato, s/nº
Comida mineira pesada mesmo (e gostosa). Para quem quer saborear um autêntico tutu de feijão ou frango ao molho pardo.

Não deixe de ir

Igrejas do Rosário e do Carmo
Lindas construções, merecem uma visita mais atenta.

Casa de Chica da Silva
Ícone da cidade, recebe turistas durante o ano todo.

Cachoeira do Cristal
O paredão rochoso é fantástico!

Biribiri
Vilarejo que parece perdido no tempo.

Helena Solberg é cineasta, diretora de "Vida de Menina", que foi o vencedor do Festival de Gramado de 2004.

     

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